O segredo não é tão taxativo quanto eu gostaria que fosse.
Não basta, para viver bem, afastarmo-nos o mais possível do que nos faz mal e
aproximarmo-nos do que nos faz bem, se bem que isso é importante já que tanto
um como outro tendem a formar uma espiral, e espiral por espiral antes a do bem
do que a do mal.
Não se pode, no entanto, descartar de ânimo leve tudo o que
nos aborrece, nos atormenta ou nos suga o ânimo porque, infelizmente, nem
sempre essas coisas vêm de longe, por vezes, eu diria até muito frequentemente,
elas vivem ao nosso lado, acompanham-nos uma grande parte da nossa vida e a
elas une-nos um amor incondicional que por vezes se confunde com raiva e até
mesmo com ódio. Os pais, disse-me uma vez uma querida amiga, a gente leva-os
para a cova, de tal forma se nos entranham na carne.
Assim, dei comigo a pensar, como de resto sempre faço quando
a saída não se apresenta fácil aos meus olhos, que provavelmente deveria
encontrar neste incómodo, chamemos-lhe assim para não ferir suscetibilidades,
que a minha mãe jurou infligir-me, inconscientemente sem dúvida, jura que,
aliás, tem cumprido escrupulosamente, eu diria mesmo que em certas alturas – devotadamente
-, mas dei comigo a pensar, dizia eu, que provavelmente eu deveria encontrar
neste incómodo uma oportunidade de crescimento e de aprendizagem.
Não há dúvida que quem age assim precisa de ajuda. Se eu
estou ou não à altura de a prestar? Sei que não estarei. Que não estou. E sei-o
porque ando há anos a tentar sem ver resultados, muito pelo contrário – com a
idade a coisa está a refinar e cada vez mais a minha mãe me atormenta, todos os
dias, mostrando-me sistematicamente o que a vida tem de mau, a dela, a minha, a
de todos, e encontrando sempre um ou mais problemas daqueles mesmo bicudos e
prementes, que ela não sabe, não pode ou não quer resolver sozinha e para os
quais precisa de mim como de água para a boca, não de pão que é coisa sem a
qual até se consegue viver, mas de água.
A minha mãe tem sido mestre no jogo da manipulação, aquele
jogo que se joga com a culpa e com os medos que na verdade não existem a não
ser na nossa cabeça, e que quem joga sabe explorar como ninguém. A minha mãe é perversa,
e a única atenuante que tem é o facto de nem ela saber o que isso é e, nestas questões,
ao contrário do que diz a lei, quero acreditar que o desconhecimento é o
suficiente para ser declarada a absolvição do réu ou, neste caso, da ré.
Perante isto, e como as hipóteses que tenho de escapar são escassas,
o melhor mesmo é continuar a tentar e aprender, isso sim, a alhear-me o
suficiente para me tornar imune à manipulação. Para tal, preciso de perceber
que o amor que sinto por ela não me obriga a acudir-lhe cada vez que ela dá um
ai, muito pelo contrário, preciso de o usar para a ajudar a crescer. Em suma, e
tal como suspeito há muitos anos, tenho de lhe fazer a ela o que fiz com os
meus filhos, o que faz de mim a mãe da família. Uma mãe órfã, evidentemente.