Sei
que já feri suscetibilidades com coisas que aqui deixei mas, por enquanto,
vivemos em democracia e parece-me importante a ilusão de liberdade que ela nos
dá, mesmo que nem sempre, aos olhos de outros, dela façamos o melhor uso. Para
mim, o melhor uso é o simples uso que advém da ausência de medo de ser e dizer
o que em determinado momento entendemos ser verdade, sendo que ninguém, em seu
perfeito juízo, acredita que a virtude está na estática, que é como quem diz –
é virtuoso aquele que diz o mesmo durante toda a vida em relação a uma mesma
coisa. É desejável que as pessoas mudem, quer de atitudes, quer de opiniões –
faz parte do próprio processo de crescimento, embora muitos de nós nunca
cheguem a crescer.
Posto
isto, vou avançar com mais uma ideia politicamente incorreta mas sentida, ainda
que despropositada no que respeita ao timing que se vive neste país – onde a
assistência do Estado está pelas ruas da amargura sem perspetivas de grandes
melhorias, muito pelo contrário.
Ainda
assim, não posso deixar de dizer que a sobrecarga exigida aos mais novos nos
cuidados, cada vez mais prementes, dos mais velhos altera, necessariamente, as
ações, as reações e, consequentemente, as relações.
Num
mundo perfeito – que infelizmente estamos longe de atingir -, a comunidade, na
pessoa do Estado, disporia de todas as condições de assistência adequadas às
necessidades dos idosos de forma a aliviar a carga dos mais novos para que
estes pudessem desfrutar da companhia dos seus ancestrais sem, com isso e por
isso, porem em causa a sua vida profissional, familiar e afetiva.
Avançámos
muitíssimo no aumento da esperança média de vida mas não garantimos aquilo que
é fundamental para nos mantermos por cá – a qualidade da mesma. Assim,
deparamo-nos com gente que, já perto da idade da reforma, com bicos de
papagaio, vista cansada e ouvido mouco, ampara pelos corredores dos hospitais
outros que os conceberam e que ainda por cá andam. São gerações que passaram a
vida a tratar da vida dos outros sempre à espera de um tempinho para tratar da
deles. Gente que criou filhos, que já tem netos e que é, muitas vezes, o único
amparo dos pais com mais de noventa anos.
Eu,
para eles tenho um nome – a geração fiambre mas, se quiserem, também pode ser
queijo, mortadela ou salsichão, desde que viva bem apertada entre duas fatias
de pão.