Com que idade deveríamos morrer?
Qual é o momento, da descida, em que deveríamos partir
sem dor para quem parte, sem dor para quem fica?
Aqui estou eu. Mãe. Avó. A bater à porta dos sessenta.
Quem, com a minha idade, tem ainda pai ou mãe? Eu tenho os dois. E estou
sozinha.
Que sorte! Dirão aqueles que os perderam no tempo das
boas recordações. Aqueles que sentem saudades, não daquilo que eles seriam hoje
se ainda fossem vivos, mas do que foram ontem, muito antes disso.
Com que idade deveríamos morrer?
Em que momento da descida, da perda de faculdades que só
os outros vêem, deveríamos partir?
E quem cá fica? E quem cá está? Com que olhos deve olhar
para o que é, sem despedaçar o coração?
Com que coração há-de suportar os olhares de acusação?
– Não estás a
tratar de mim! Não é isto que eu quero! Não estou bem! Nunca estou bem! Sou a
pessoa mais infeliz do mundo porque envelheci!
Com que olhos se olha, sem que o coração se parta? Com que
braços se abraça, sem sentir a impotência?
Tenho momentos em que detesto a minha mãe. Acho-a má.
Infantil. Incompetente. Egoísta…
Tudo isso lhe vejo no olhar. Na indiferença ao meu
esforço. No esquecimento de que também sou gente.
E depois, logo a seguir, o meu coração desfaz-se em culpa.
Enche-se-me o peito de uma angústia tão profunda que só a memória da minha
filha, a abraçar carinhosamente a minha neta, me acalma. Só a certeza desse amor
manifestado me tranquiliza. Afinal, nem tudo foi em vão.