sábado, 31 de março de 2012

A pedido da Maria_S, aqui está o video referido no post anterior,

Arte

Acabei de ver um pequeno vídeo sobre um quadro pintado por doze crianças de dois anos de idade, que é exposto numa feira internacional de arte, em Espanha. Não houve um único visitante que questionasse a pertinência daquele quadro naquela exposição ou que suspeitasse, sequer, não se tratar de uma obra de arte. Opiniões analíticas sobre a psicologia, o sexo e as intenções do autor, foram manifestadas, bem como perfeitamente aceite o seu valor monetário de quinze mil euros sugerido pela investigadora.

Veio-me à ideia uma outra experiência, que já leva alguns anos, e que consistiu num míni concerto dado em várias estações do metropolitano, sem aviso prévio, por músicos de alta craveira. Durante alguns dias, e espalhados pelas várias estações, os músicos tocaram peças conhecidas, tão divinalmente quanto o fariam em talco, lugar onde é costume encherem plateias. No metro, pelo contrário, ninguém os reconheceu, ou à sua música, e tirando um ou outro que lhes atirou uma pequena moeda, as pessoas circulavam, provavelmente ao ritmo dos sons, mas sem olhar sequer para os tocadores.

A arte aprende-se, ou dever-se-ia aprender, mas numa sociedade marcada por estigmas, ela é exclusiva de certos lugares onde nem sempre é reconhecida e só vale pelo que custa.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Das feras e outras bestas

Acabei de ler um desses mails que exaltam a Natureza, cheios de imagens lindíssimas como só a Natureza nos oferece – numa ou noutra lá estava um humano. Feras, em praticamente todas. Humanos, só naquelas que pretendem chamar a atenção para os erros e as desgraças. No entanto, todas elas nos recordam que fazemos parte dela, da Natureza, e que a Natureza nunca se engana, e que não há acasos, e que tudo é perfeito…menos nós…que fazemos parte dela…que é perfeita… 

Afinal em que ficamos?! É perfeita; não é perfeita porque nos tem a nós?

É uma pena que sejamos o único animal a saber escrever. Tenho uma enorme curiosidade sobre o que pensarão de nós os outros componentes desta Natureza tão perfeita, e o que pensam, também, deles próprios. Se é que pensam seja o que for. Parece que não. Que não têm esse dom, dizemos nós… 

Que pena que sejamos os únicos, se não a pensar, pelo menos a ter a capacidade de manifestar o que pensamos de uma forma clara,  para nós.

Se a Natureza é tão perfeita; se é mãe; se é pura…se possui tantos atributos maravilhosos, como é possível que nos contenha a nós, seres terríficos, quando todos os outros são…maravilhosos?! 

Provavelmente não somos terríficos. Provavelmente somos apenas medrosos. E muito, muito críticos.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Seca

Num mail, uma amiga reclama a minha presença – tem um produto para me mostrar; num outro, uma conhecida faz-me o mesmo pedido – algo de inédito com muito sucesso em Portugal. Aceitei a segunda avisando à partida que a minha disponibilidade para comprar seja o que for é nenhuma. Não quer vender, quer mostrar…À primeira ainda não respondi porque gostava de ter uma alternativa para lhe oferecer, qualquer coisa de mais sólido, mais fiável. Dói-me a sua condição, mais do que a daqueles que mal conheço e que me dói também. Estão aqui, à minha frente, nunca estiveram tão perto. Hoje mesmo, um pai aflito veio pedir-me uma manigância para conseguir receber uns extras do seguro que cobre as despesas de um acidente grave que o filho mais novo sofreu. Precisa desse extra. Quem não precisa?! Num misto de zanga e dor fiz-lhe ver por A mais B que não o posso ajudar. Estão aqui, à minha frente, cada vez mais próximos. Existem. São reais, não são produto de nenhuma imaginação mais fértil. 

E eu, numa atitude que costumo criticar nos outros, ando a fazer de conta que está tudo bem, que seja o que for que esteja a acontecer ultrapassar-se-á. E esforço-me, cada vez mais, por acreditar que querer é poder, apesar de sentir que, à medida que o tempo passa e a realidade nos tolhe, teremos de ultrapassar a seca e encontrar forma de regar esse querer, não vá ele definhar.

Ventos de África

Há alguns dias que a minha mãe se queixa dos olhos. Diz que parece ter mergulhado numa duna, de tantos grãos que os olhos acumulam até ao cair da noite. Pensei que, provavelmente, estaria com uma conjuntivite, mas não, não existe inflamação nenhuma, pelo que atribui o incómodo à sensibilidade da idade.

Hoje de manhã, porém, uma notícia de rádio despertou-me a atenção. Ao que parece o ar português está sobrecarregado de partículas, com uma percentagem bastante superior ao máximo estabelecido, por conta de uma tempestade de areia no continente africano.

Segundo esse boletim noticioso, o Ministério da Saúde já deveria ter divulgado o facto e proposto medidas capazes de minimizar os danos que estão a atingir pessoas com problemas respiratórios e alérgicos, bem como crianças e idosos que não fazem ideia do que lhes está a acontecer já que nos noticiários da televisão ainda ninguém falou no assunto, pelo menos que eu tenha ouvido e é a primeira coisa que faço quando me sento para o pequeno-almoço – ver as notícias.

Já não é a primeira vez que oiço, via rádio, notícias que depois não consigo ver na televisão ou, quando vejo, vêm com pelo menos 24 horas de atraso. A que se deve esta disparidade na informação, não faço a mínima ideia, mas que as cadeias de televisão não dão as mesmas notícias que as das rádios, não dão.

Entretanto, se tem andado aflito dos olhos; da renite ou dos brônquios, convencido/a que a idade lhe agravou as alergias, doenças e afins, desengane-se – a culpa é das areias de África.

terça-feira, 27 de março de 2012

Conveniências

Dizia-me ontem um amigo que, a julgar por aquilo que ponho no Facebook, sou de esquerda. Não sou de esquerda, nem de direita, nem de centro nenhum. 

Há coisa de uns meses, não sei já quantos, deixei-me encantar pelas ideias futuristas de um partido ligado à Natureza. Um impulso (sim, ainda tenho disso), levou-me a fazer algo que nunca tinha feito na vida – filiei-me. 

É claro que como a maioria das decisões tomadas por impulso, depressa me apercebi do desenquadramento das práticas e das ideias neste tempo que é o presente em que vivemos. E como acredito piamente que o futuro se faz hoje, desinteressei-me. Desinteressei-me como, aliás, me tenho vindo a desinteressar por tudo quanto é partido político. 

Fazendo fé da necessidade centenária de particularizar ideias e saberes de forma a evitar o perigo da sua fragmentação e a prevalência do senso comum sobre o saber científico, fomos dividindo, dividindo, dividindo, até à quase personalização da coisa, e passámos a defender, não o que é comum, e conveniente para todos, mas o que é particular, e conveniente para cada um.

Passa-se isso a nível da política, passa-se a nível da investigação e até do ensino, porque a política está em tudo e ela é, cada vez mais, particular.

A fragmentação do saber, característica do senso comum, tem a desvantagem de separar as partes de um todo de forma irregular impedindo, assim, a visão total da coisa. Mas a separação desse saber em partes que, pela sua particularidade, se vão afastando cada vez mais umas das outras, também não é lá grande espingarda.

domingo, 25 de março de 2012

23.ª Hora

Levantei-me às nove e meia convencida que estava a desfrutar um pequeno luxo em dia de trabalho, sim trabalho aos domingos, eis senão quando constato que um deus maior me tinha roubado uma hora a este domingo! Em anos transatos este sentimento de usurpação não me assolou, mas nos dias de hoje, em que tudo me escapa por entre os dedos, até as horas me fazem diferença.

Um bom domingo para todos. 

P.S. – Sei que ando fugidia. É falta de tempo e de espaço interior. 

quarta-feira, 21 de março de 2012

Amesterdão

Estávamos em 1979, numa pequeníssima ilha a cinco quilómetros de Amesterdão…

A história seria verdadeira se começasse assim, mas talvez demasiado longa.

Seja como for, estava lá, nessa altura, e foi nessa altura que um médico qualquer, a quem me queixei de dores nas costas, me atirou com o veredicto e quase me insultou por ser portuguesa e ter certas manias que só os portugueses tinham – suspender a toma da pílula para “descansar”. Quem, em seu perfeito juízo faz uma coisa dessas?! De que país vinha eu? E se não disse, de que buraco, foi por sentir alguma consideração, mas a palavra estava lá que eu bem a senti. Como bom holandês, escandalizou-se com a minha surpresa. Afinal que pensava eu que aconteceria?! E eu, demasiado tenra para a realidade, baixei os olhos e escondi a emoção que me rebentava o peito. Pense bem, antes de decidir, dizia-me ele. Mas eu já tinha decidido. Estava agora a caminhar num trilho de um só sentido e só pararia no fim, quando o meu filho nascesse. Esse filho, tão pequenino e já tão meu! Parte de mim.

São momentos únicos estes, momentos que se revivem sempre que nos multiplicamos, momentos contraditórios por isso mesmo – porque se revivem, apesar de únicos.

sábado, 17 de março de 2012

Ténis

Aqui no meu sítio há um bando de miúdos que brinca na rua. Jogam à bola nas traseiras da minha casa. São mais ou menos da mesma idade e no meio deles há uma rapariga, um gordo e um baixo. Aida não os contei, mas são bem capazes de perfazer sete. Saem de manhã e à noite. Exceto a menina que só sai de manhã. Gostam de todos os cães e conhecem-nos pelo nome, sabem onde moram e a que horas passeiam. Ontem disseram-me que o Calvin, um jovem amigo da Puca, já tinha passado mas que era possível que voltasse a passar – costuma dar duas voltas, disse o mais gordinho.

Hoje, quando me cruzei com eles, levavam a bola na mão. Entretanto, nas bancadas do campo de ténis acumulam-se espetadores e um bando de catraios principiantes alinha-se de raqueta em punho. Vai haver prova. O futebol de rua fica para depois.

(Só o mais pequenino e a menina se deixaram ficar do lado de cá da vedação. Ele sentado no muro, à espera; ela de pé em cima da bola e olhar perdido lá no alto. Provavelmente está apaixonada.) 

sexta-feira, 16 de março de 2012

Proibido Morrer (ou o Mundo ao Contrário)

Afinal ainda não foi hoje. Ainda não foi hoje que recuperei a minha fé na humanidade. Após um bloco de notícias, visto do princípio ao fim, continuo com a certeza que vivo num mundo ao contrário. Um mundo de pernas para o ar; invertido; perverso; promíscuo; pernicioso.

O Clooney foi preso por se manifestar contra o que se passa no Sudão (ele; o pai dele e o bisneto do Lutter King); enquanto o gajo do Benfica continua a viver confortavelmente, muito confortavelmente, em Londres, e sabe Deus quanto isso custa (mas onde foi ele arranjar o money, aceitam-se sugestões), e diz à boca cheia que isso de ter sido decretada a extradição é mais no papel, que não é assim do pé p’ra mão, não senhor, que vai recorrer ora lá se vai…

Entretanto há uma povoação, algures no mundo, que proibiu os seus cidadãos de morrer. Ao que parece é proibido morrer! Gostava de saber qual é a pena para quem não cumprir a ordem. Você livre-se de morrer, ouviu!? Olhe que é proibido! Ou, melhor ainda: Tu não te atrevas a morrer! Olha qu’eu mato-te!

Ele há dias que me custa mais do que outros a acreditar que a vida é uma coisa séria.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Liberdade

Vamos embora daqui
Viajar no sentido da paz e do desprendimento
Da liberdade
Estou tão cansada dos deves e dos haveres
Dos ter de, e para quê?
Para quê pergunto eu!
Que mais de metade da vida se perde a preparar, a ajustar
Coisas que às vezes nem se chegam a viver
Perde-se o tempo e a vontade
Ganha-se o vício de planear, compor, projectar...
Sobrevive-se
Adia-se
Adia-se tudo
A vida; a alegria; o amor...

Vamos embora daqui
Conhecer outras paragens
Viver do que a terra dá
(se é que ainda dá qualquer coisa)

Vamos embora daqui
Olhar a serenidade do mar
(enquanto ele for sereno)

Vamos embora daqui
Inspirar os odores fortes dos campos
Cantar com o chilrear dos pássaros

Vamos embora daqui
Enquanto houver campo
Enquanto houver pássaros
Vamos embora daqui

quarta-feira, 14 de março de 2012

Meditação

Inquieta. Agitada, talvez, mas por pouco tempo. 

Ontem, num sítio qualquer, enquanto procurava informação sobre signos ascendente, li que a meditação é uma prática que me pode ser benéfica. Ao que parece tenho demasiadas almas dentro de mim, o que me dispersa! É curioso – quem sabe todos os entraves que a vida tem tido a amabilidade de me oferecer têm como missão o controle da dispersão. 

Quem é que se pode dar ao luxo de se perder no meio das árvores, nos leitos dos rios, nos sopés das montanhas, nas ruas das cidades, das vilas ou das aldeias?! Quem é que se pode dar a esse luxo, a não ser quem não tem nada a perder?  

Ao que parece que não me dispersei tanto assim…

Medito pouco, mas reflito muito.

Vou refletir.

terça-feira, 13 de março de 2012

vilafrancada

Foi antes da guerra civil, algures entre 1823 e 1834, que o telefone tocou. Era a mãe. Quando desligou voltámos à pequena lista de acontecimentos: a Vilafrancada; as perseguições; a morte de D. João VI…foi quando percebi que estava a chorar. Sobressaltada perguntei se tinha acontecido alguma coisa, uma má notícia talvez. Que não. Estava nervosa por causa da História, por causa do teste. Eram praticamente oito da noite e a fome e o cansaço começavam a minar-me o entendimento. Sem compreender as razões que levam alguém que trabalha e é esperta, que tem bons resultados e que parece não ter motivos para se preocupar, a chorar daquela maneira por causa de um teste para o qual está preparada, dei por mim a sossegá-la e a dar por terminada a sessão. Estás bem. Vai correr bem. Desliguei as luzes, fechei a porta e ofereci-me para a levar a casa que a noite cada vez é menos amiga.

À saída encontrei-os, pai e filha. Ela de sorriso nos pequenos lábios, ele de semblante carregado e olhos para o marejado. Não estás bem, afirmei. Pois não. A minha filha…e foi um desenrolar de queixas e lástimas, de medos, de culpas, de ressentimentos. 

Alguns metros mais à frente outro medo se despedia, aquele do teste de História.

Quando entrámos no carro perguntei-lhe se sabia o que era a relatividade. Respondeu-me que não e enquanto subíamos a rua falámos de proporções, de grandezas e de contrastes e ela depressa percebeu que sem isso não existiria uma das coisas que mais gozo lhe dá – classificar o mundo.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Os níveis dos cães; a água de argila e a doença dos coelhos selvagens

Os cães têm sete níveis, dizia ela como quem afirma que a Terra gira em volta do Sol e acrescentou perante o meu ar de espanto: não sabia?! Abanei a cabeça e sei, porque me conheço, que os meus olhos continuaram demasiado abertos. Não fazia a mínima ideia! E dei por mim a imaginar uma bexiga e um intestino marcados pelos níveis, tal e qual uma medida. Perguntei-me se os níveis viriam em mililitros ou em decilitros. Só assim é que se explica que se aguentem tanto tempo sem urinar, continuava ela no seu tom, que já começa a ser habitual, de sapiência. Eu continuava a abanar a cabeça, incrédula.

No dia anterior a conversa desenrolou-se em torno da água de argila. Conhece? Perguntava ela. Eu hesitei. Já tinha ouvido falar. Parece que faz bem à pele…Afinal não. É muito mais do que isso. Cura. Cura tudo. Só não cura cancros ou sida, mas atenua-os. Se um dia eu precisar fale com ela que é mestre na utilização da água de argila, lagarto lagarto lagarto! queira Deus que não, acrescentou para me acalmar.

Tem dezoito cães, isso mesmo – dezoito; mais uma catrefada de gatos e todas as manhãs vai à varanda chamar os pássaros que chilreiam felizes nos ramos das cerejeiras do Japão que povoam aqui as traseiras. Ela convence-se que os pássaros vêm ao seu chamado. Mas voltemos à água de argila – é com ela que trata os cães que recolhe. Nesse momento o meu espanto transcendeu o olhar e murmurei, um pouco a medo – mas tem dezoito cães dentro de casa? Que não. Em casa tem apenas oito! Os restantes estão num terreno que lhe pertence, lá para cima. Não fui capaz de respirar de alívio. Oito continua a ser muito cão. E mais os gatos e agora parece que encontrou um coelho – há muitos selvagens por aqui. Recolheu-o porque o pobrezinho tem a doença dos coelhos selvagens. Não me perguntem que doença é essa, não conheço e nem nunca ouvi falar, tal como nunca ouvi falar dos sete níveis dos cães ou dos milagres da água de argila.

Sossega, eu estou aqui

Ao vê-la aconchegar-lhe o corpo, dizendo-lhe Se precisares de alguma coisa estou lá fora, senti a paz que vem da certeza de ter alguém que nos ampara, que nos sussurra Não te preocupes, eu estou aqui, e da diferença que faz a presença de alguém, uma mão estendida, um ombro amigo, um valha-me Deus quando a vida cerca um pouco mais.



domingo, 11 de março de 2012

Puca


Casa e Decoração

Não sou pessoa de fala fácil, daquelas que têm na ponta da língua uma resposta apropriada, não sou. Quando algo me toca, oiço e oiço, repetidas vezes, o eco dentro de mim e é aí, nesse mastigar de palavras, que outras me surgem a propósito.

Ontem falava-se de espaço. Do espaço que se cria, do espaço que se cede. Da falta de espaço. E foi a propósito dessa conversa que hoje cheguei a casa e olhei com atenção os pormenores, a mistura de estilos, as cedências, as adaptações, os encaixes. Comparei esta minha casa com todas as outras que tive anteriormente e conclui que também ela espelha a evolução, o caminho, a aprendizagem e a adaptabilidade de quem a habita. E se há anos atrás eu cheguei a sentir uma dor imensa na cedência de todos os objetos que faziam parte do meu mundo, hoje sinto que o mundo está muito para além dos objetos que dele fazem parte, ainda que estes possam, e devam, contribuir para o meu crescente bem-estar.

Fui simplificando, minimalizando, dispensando o dispensável e, na considerável perda financeira que sofri, adaptando as necessidades às possibilidades, valorizando o conforto e a saúde. Quando os meus pais se mudaram para cá senti alguns apertos de peito. Na verdade teria querido que eles prescindissem de tudo o que tinham e se adaptassem ao que é meu! Haverá atitude mais egoísta?! E à medida que fui aprendendo a ceder fui sentindo a leveza de quem se liberta de coisas cuja importância é bem menor do que aquela que lhe atribuímos e hoje, neste meu atento olhar, chego à conclusão que existe alguma beleza nesta mistura de estilos, nesta distribuição de espaços onde, afinal, todos são bem-vindos.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Des - igualdade

O meu primeiro filho, que é mulher, nasceu faz hoje 32 anos. Só bastante mais tarde tive consciência do significado que o 8 de Março pode ter para as mulheres de todo o mundo, ou deveria mas não tem. Não me recordo se meses se anos. Sei que enquanto me deixei ser graciosamente absorvida pela minha nova condição de mãe, isso me passou ao lado.

Hoje festejo o aniversário de quem é para mim mais do que tudo e desejo, em surdina para que o eco me toque a alma porque só as palavras que brotam da alma voam, que as mulheres vençam enfim uma batalha de tantos séculos sem retribuírem as benfeitorias de que têm sido alvos. Desejo em surdina que cada mulher possa SER, sem ter de provar, lutando, mais do que aquilo que é exigido a cada homem. Desejo, em surdina, que o mundo se levante e em uníssono grite sempre que uma rapariguinha, em qualquer parte do mundo, for amputada. Desejo em surdina que o mundo se levante e em uníssono grite, sempre que uma mulher for morta, violada, explorada, mal tratada.

E, já agora, faço minhas as palavras de uma secretária de Estado que ouvi hoje na Antena2 – Já era tempo de se aplicarem coimas pesadas a todas as empresas que não cumpram a lei da igualdade de género.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Anglicanismos

Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Não somos super-homens!, ou mulheres que para o caso tanto faz.

É que há quem ande para aí a apregoar que querer é poder don’t matter what. Não é bem assim. Influenciamos a realidade, OK, alteramo-la e podemos até moldá-la à nossa maneira, mas não somos capazes de o fazer num absoluto alheamento a tudo o que se passa lá fora, de nós bem entendido. E não me peçam percentagens porque não as tenho. Estou até em crer que depende, como tudo aliás, de múltiplos fatores. Como, por exemplo, a força anímica do momento; a abertura à influência externa, que entretanto depende do grau de autoestima em vigor; a gravidade dos acontecimentos…e mais uma mão cheia de coisas que não me apetece nomear, até porque, provavelmente, não lhes conheço o nome. Não. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. O exterior matters, and that’s a fact. Se não por que motivo estaria eu para aqui com anglicanismos?! Eu, que até nem sou dessas coisas?! Deu-me para aqui! Poder-me-ia ter dado para pior…

É que me ofereceram uma estante. Uma coisa de nada, daquelas coisas de nada que funcionam como rastilhos e quando damos por nós estamos de sorriso nos lábios, de moral elevada, acreditando nas inúmeras possibilidades que a vida tem e, acima de tudo, acreditando que estão, as sacanas, ao nosso alcance! Vocês vejam lá o que uma estante pode fazer!

De repente senti que algo me aliviava o remo. Que as águas já não eram tão densas, nem as marés tão fortes. De repente senti que podia aliviar a carga porque tenho uma estante nova que posso encher de livros. E, de repente, assim de repente, entraram mais três meninos!

Não duvidem - a vida pode ser bela! Só temos de saber aproveitar todas as estantes que ela nos vai colocando no caminho.

sábado, 3 de março de 2012

Curso de línguas

Provavelmente educar não é mais do que comunicar. Seja cão, seja criança, sem desprestígio para nenhum deles, evidentemente. O que importa é conseguir comunicar. Conseguir perceber o que os move, o que os alimenta, porque agem como agem. Só após esse conhecimento se consegue intervir de uma forma profunda, real e, por isso, duradoura, ou mesmo definitiva.

Não pretendo incutir nada de extraordinário nos comportamentos seja de quem for, cão ou criança, o que quero é minimizar, ou mesmo anular se não for pedir muito, aqueles que são distorcidos, entendendo-se por distorcidos os que verdadeiramente incomodam e prejudicam terceiros.

Já percebi que para isso não basta ralhar ou proibir. É necessário, não só compreender a real base dos ditos, mas fazer o outro compreender que ao insistir neles perde qualquer coisa de valioso.

Para ser franca ainda não percebi se esta comunicação é mais difícil com os cães ou com as crianças…uns não falam a minha língua, e os outros…também não. O que me leva à quase certeza de me estar a tornar, com o tempo e devagar, numa verdadeira poliglota.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Bullying

Não encontro teoria que me valha em situações extremas. Não chega, a teoria. Por vezes sinto que preciso de ter alguém que avance antes de eu atingir o meu limite de paciência, de capacidade de controle, de poder de decisão, de tudo. Antes de eu desnortear. E não tenho. Estou sozinha. E ainda que não seja pessoa de desistir, sinto uma certa incompatibilidade entre a gerência de um negócio e a salvação de certas almas.

Alguém me diga como é que se gerem, na prática, situações de bullying. Aquele bullying fininho, feito à socapa, sacana, que deixa outros, mais novos e mais fracos, mudos, encolhidos. E eu sinto-o, sei de onde vem e não suporto. Porque nunca suportei enxovalhos ou humilhações. Nunca. Nem quando tinha a idade deles. Nunca suportei a maldade e salto que nem uma leoa a defender as crias. Depois fico mal comigo mesma. Não deveria ter perdido as estribeiras, mas perdi. Dei dois gritos e expulsei o agressor. Desaparece da minha vista! Não disse mas senti. Foi exatamente o que senti. Desaparece da minha vista! Esquecendo-me que afinal são todos crianças. Um adulto não pode, não deve reagir assim. Ainda que existam crianças e crianças…não pode, não deve, mas não é de ferro.