sábado, 28 de abril de 2012

O que a vida é e o que gostávamos que ela fosse


Estranhos que somos! A mim, basta-me prever que não terei tempo, disposição, vontade ou inspiração para escrever por aqui, que logo se me acalma a ansiedade e as palavras surgem sem qualquer tipo de esforço. É o peso da obrigação que me demove, é esse que eu não suporto e que transporto, sem dar por isso, para tudo o que faço, ou assumo fazer, mesmo quando não há motivo para tal. Complica-se assim a vida. E deixa-se de respirar. Sem mais nem menos, sem razão e sem motivo.

Que estranhos somos! Presos na obrigação de nunca envelhecer a despeito dos males dos ossos, dos órgãos, dos músculos. Sempre a correr para o socorro como se não fizessem parte do peso dos anos, as cruzes; as tendinites e as gastrites; os males de pele e o cansaço.

Queremos que a vida seja o que não é e sorrimos sempre que vimos que afinal somos livres, que há males maiores do que os nossos e que os cabelos brancos têm, apesar de tudo, a sua beleza, desde que os olhos brilhem e os lábios se curvem num sorriso rasgado.

Estranhos que somos!

A importância de se chamar Ernesto





Apresento-lhes o Ernesto.

Já aqui tinha falado dele mas nunca tinham tido o privilégio de o conhecer. Pois aqui está. Lindo de morrer. 

O Ernesto chegou à família há três anos pela mão de uma ex-namorada do meu filho. São assim os filhos…são assim as namoradas. Foi a primeira que por cá passou com caráter de seriedade. Habituei-me a ela, fiz mal. Nunca nos devemos habituar às namoradas dos filhos a não ser que nos digam, Vou casar, ou, na pior das hipóteses, Vou juntar os trapinhos. Mesmo que dure alguns anos, como foi o caso, não convém criar hábitos. Sobretudo quando são do tipo, Não me parece que arranjes outra que te trate tão bem…Sim, porque o Ernesto foi apenas uma amostra da vontade de dar o que se tem e o que se não tem mas gostava de se ter.

Hoje torce a orelha, ele. Ela, ao que parece, ainda não secou as lágrimas.

O Ernesto cá está, cantador como só ele – não se tratasse de um campeão de anilha vermelha. É que a ex não foi de modas, arranjou um campeão. Não é para todos! Ele há homens que só dão valor ao que têm quando perdem! E mulheres, também. Quanto ao nome, foi-lhe atribuído em mútuo acordo no dia em que entrou em casa. Tanto ela, a (ex)namorada, como ele, o filho, são apreciadores de cinema.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

licença sem vencimento

A não ser que me dê um repente de inspiração de tal forma poderoso que não me consiga conter e em dois minutos diga tudo o que me vai na alma, o mais certo é só voltar aqui lá mais para o fim do mês, o que aí vem, porque, até lá, duvido que tenha capacidade para alguma coisa de jeito.

No entanto, quando voltar, conto trazer boas notícias. Ou não.


quarta-feira, 25 de abril de 2012

25 de Abril




O 25 de Abril encera tudo o que de melhor existe nos portugueses. A capacidade de uma viragem, maior do que aquela que todos os que nasceram depois podem imaginar, sem derramamento de sangue; sem violências excessivas ou humilhações desnecessárias, só pode existir no seio de um povo nobre, bom, humano. 

As conquistas do 25 de Abril não podem, não devem, ser esquecidas, porque são imensas e, ainda que todas as imagens, que todas as histórias, que todos os acontecimentos, só sejam recordados neste dia, eles não podem, não devem, deixar de o ser. Porque ainda que aqueles que, como eu, não conseguem desfazer o nó na garganta sempre que as reveem, desapareçam no tempo, é fundamental que os que por cá vão ficando saibam que nem tudo aquilo que podem e têm existiu sempre.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Uma morte antecipada

Como são todas as mortes que esta doença inominável leva.

Estou triste, pronto. Estou triste por isto.


Ciúme

É um ciúme sacana este que sinto
De tudo e de nada.
Um ciúme entranhado
Deixado no rasto de tantas traições.
É um ciúme traidor este que sinto.
Tão entranhado que quase que minto
Quando sei e não sei se é aqui que fico.
Neste destino.
E morro no medo de ter já perdido p'ra outra qualquer.
É um ciúme malvado.
Que à laia de fado quer que acredite
Que mesmo que queira não hei-de ficar
E sempre que deixo que esse desejo se aposse de mim
Ele faz-me a vontade 
 É esse o meu fado 
de ser sempre assim.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

A vida a sério


Uma amiga perguntou-me se eu levava a vida a sério. Na verdade a pergunta foi feita na negativa e a palavra “isto” substituiu “vida”, Não levas isto a sério?, perguntou ela já com o espanto a brilhar-lhe nos olhos, como quem adivinha a resposta. Não, respondi eu. E foi assim que legitimei o espanto dela.

Não é que não leve a vida a sério. Como é possível não levar a sério as alegrias, os sofrimentos, as incertezas, os medos, o amor, a esperança?!... O que eu não levo a sério são as questiúnculas que se apoderam das relações humanas. As distrações. As discussões empolgadas que se alimentam do que de mais vazio nos povoa. Discussões sem alma, sem verdade. Discussões falsas, que escondem misérias.

Não levo a sério as discussões dos amantes, nem as opiniões dos políticos. Não levo a sério as birras das crianças. Não levo a sério nada que existe apenas para alimentar egos ou saldar frustrações. É só isso que eu não levo a sério. Mais de resto, levo tudo a sério. Era lá eu capaz de brincar com a vida!

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Um bis, só que diferente

O cansaço é tanto que já não reajo – querem gritar? gritem. Quero lá saber. Façam o que vos apetecer que eu já não vejo, não oiço, não sinto. Emigrei. Neste momento encontro-me na Virgem Gorda, estendida na rede, a olhar o mar.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Os empregadores e a câmara

Se eu não estivesse tão cansada vinha aqui falar-vos da menina de 19 anos que acabei de deixar ali em baixo, à esquina da rua, à espera do chefe. Estava cheia de frio e ainda não tinha jantado. Como não a deixam andar de ténis, calça umas botas gastas, de salto alto, que a desequilibram quando se prendem nas pedras da calçada. Anda nisto desde cedo. Ontem esteve cá em casa e convenceu-me a mudar de operador. Na verdade, com uma simpatia extrema, fez-me ofertas irrecusáveis. Deixei-a, agora mesmo, ali à esquina, cansada e longe de casa, esperava que uma carrinha a recolhesse. Estava com frio e com fome, o que é mais do que natural.

Se eu não estivesse tão cansada, vinha aqui falar-vos do trator da câmara que por cá andou todo o dia, ceifando espigas, papoilas e malmequeres. Até os arbustos de flores brancas dizimou, deixando completamente nua a planície onde eu gostava de passear porque tinha malmequeres, papoilas e espigas. E umas florzinhas roxas lindas lindas, que não se veem por aí.

Se eu não estivesse tão cansada, vinha aqui falar-vos do lixo que o vento move e as pessoas largam, e que o trator, hoje, não apanhou.

Se eu não estivesse tão cansada. Mas estou.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Incongruências



Nas traseiras da minha casa existe um pequeno parque, com algumas árvores, arbustos e bancos, de chão coberto por ervas, onde gosto de soltar a Puca. Delicio-me a ver a alegria dela, que corre contra o vento saboreando uma liberdade que só agora, ao fim de quatro anos de vida, pode ter.

Num dos andares mais próximos do chão, vive uma mulher sozinha, que se intitula salvadora de animais, tendo, por isso, em casa, vários especimens que recolhe na rua e trata com arroz, frango e água de argila – já aqui falei sobre ela.

Esta criatura está convencida que possui o dom da sabedoria e tem amiúde atitudes maternalistas num esforço, por vezes bastante exagerado, de impor a sua vontade a todos os outros moradores, especialmente aos que têm cães e gostam de se encontrar no parque para os ver correr e saltar uns atrás dos outros. Os dela, fechados na varanda, choram que se fartam, moídos de inveja.

Na sexta-feira santa, corria a Puca atrás do Calvin e chorava o dela na varanda, desesperadamente, quando nos ordenou que nos fossemos embora porque estávamos a acordar a vizinhança toda.  Vão-se embora daqui que estão a acordar a vizinhança toda, disse ela.

O dono do Calvim, homem alto, forte e espadaúdo, mandou-a à merda e disse-lhe que quem estava a acordar a vizinhança era o cão que ela tinha na varanda e que o melhor que tinha a fazer era estar calada e que metesse lá dentro o animal para ele parar de chorar. Obedeceu, e aos pontapés empurrou-o para dentro de casa.

Amiga dos animais, esta senhora coloca todos os dias, no meio das ervas e por baixo da varanda, camadas grossas de arroz cozido em água de frango que desarranja os intestinos de qualquer canino quando, correndo atrás do cheiro, não resiste ao pitéu. É o caso da Puca que andou a tomar comprimidos para a diarreia até eu ter percebido que o mal, afinal, vinha do arroz. 

Pedi gentilmente à senhora que deixasse de o colocar ali, já que se trata de um lugar público e, como tal, deve ser respeitado. É que não faz bem aos intestinos da cadela, expliquei-lhe eu. Não me passou cartuxo. Não me respondeu. Em vez disso, encetou um solilóquio onde dissertou amiúde sobre a forma de cozinhar o dito e até se deu ao trabalho de me mostrar a colher que usa para libertar o caldo das maiores gorduras que boiam à superfície. Terminou informando-me que o arroz é para os passarinhos. Quando tentei explicar que os pássaros preferem arroz cru e que ela deveria depositar o alimento na sua própria varanda, virou-me as costas e foi para dentro.

Hoje, quando me viu determinada a enterrar os bagos brancos impregnados de caldo de galinha, insultou-me de tudo. Disse-me que eu não tinha nada que soltar a cadela. Chamou-nos porcas, a mim e à Puca, e ameaçou despejar-me um balde de água pelas trombas abaixo. Chamou-me mal-educada, ordinária e outros impropérios que já não ouvi porque fui andando parque acima, não fosse a cadela fazer cocó e eu não ver onde. É que ando sempre com um rolo de saquinhos de plástico para apanhar o que ela faz, a despeito de o fazer sempre no meio das ervas.

sábado, 14 de abril de 2012

Em Câmara Lenta

A capacidade de parar o tempo é uma das minhas fantasias de super-mulher, apesar de vir sempre associada a imagens românticas de invulgar felicidade em que ela se eleva, mal tocando os malmequeres, enquanto um cordeiro pasta no horizonte revestido de múltiplas cores sob um céu azul, tão castamente transparente que pode ferir a vista mas não fere, enquanto um pouco mais adiante ele corre para ela, de braços abertos para a receber e movendo-se ainda mais lentamente, se é que isso é possível, ao sabor de uma brisa que não existe. É muito importante que os cabelos sejam longos e estejam soltos. Ah! e ela traz um vestido nem muito comprido nem muito curto, de cor suave. Tem de ser suave se não não flutua. Quando finalmente se encontram, ao fim de longos minutos, uma eternidade na maior parte das vezes, beijam-se longamente e todos nós sabemos que vão ser felizes para sempre.

Ultimamente esta fantasia, a de ser capaz de parar o tempo, tem-me ocorrido muito pela manhã, mal acordo, com ou sem despertador. Viro-me para o outro lado, aconchego-me nos lençóis, sinto-os como não fui capaz de os sentir na véspera quando me deitei, e acredito, piamente, que o tempo pára, que não vai fazer qualquer diferença levantar-me naquele instante ou uma hora depois porque isso não existe – uma hora depois – são apenas uns minutos, sem significado, precisamente aqueles minutos que todas as manhãs juro a mim mesma oferecer-me ao fim de cada dia e que depois acabo por adiar para a manhã seguinte onde tudo se repete e o tempo nunca pára a despeito da minha absurda e férrea vontade, facto que me tem custado muito aceitar já que ele parece não se incomodar quando se oferece sem pudor a uns e a outros, basta ver o tempo que os dois lá de cima, os que correm no prado, levam para se encontrar. Só a mim, que tanta falta me tem feito pela manhã uma paragenzita é que o estupor faz um manguito!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Estado Protector

Não deixa de ser curioso que um governo que tem vindo a desmarcar o Estado das funções públicas, privatizando até o impensável; aproximando-se cada vez mais do modelo norte-americano. Esse modelo que muitos norte-americanos têm combatido por permitir, por exemplo, que às portas dos hospitais morra quem não tem dinheiro ou seguro. Esse modelo que grita à boca cheia que é já tempo de se acabar com o Estado protector. Que é tempo do povo crescer e fazer por si! Como se o povo fosse uma massa cinzenta, incansável, capaz de descer aos infernos para sustentar o glamour em que vivem esses que atingiram a maturidade que os protege, incondicionalmente, de morrer à porta seja de que hospital for. Não deixa de ser curioso, dizia eu, que um governo assim pense sequer em avançar com uma proposta que proíbe o fumo dentro de qualquer veículo que transporte crianças, substituindo assim o pai, a mãe, o tio, o primo e até os avós que, imaturos e irresponsáveis, dependem dele, governo, para cuidar das suas crias. 

Caríssimos governantes, não se preocupem com o fumo que eventualmente se possa atirar às trombas seja de quem for. Preocupem-se, isso sim, com aquilo que fazem ao dinheiro que nos tiram. Preocupem-se em garantir a este povo, adulto para o que lhes convém, a saúde, a educação e a dignidade na velhice pelas quais lutou tantos anos, pelas quais pagou e continua a pagar e às quais tem todo o direito do mundo. 

A julgar por tudo o que passa, estaria capaz de afirmar que existe, neste momento, uma enorme confusão entre os conceitos de público e  privado. Talvez necessitem, todos vós, de uma reciclagem de português, ou de ética e valores, quem sabe…

Escolhas

Durante a maior parte da minha vida acreditei que me podiam dizer tudo. Ah… e tal… sou inteligente, um espírito aberto, compreendo tudo e aquilo que não compreendo aceito por respeito a tudo quanto mexe, mesmo que seja por efeito da brisa… 

Tão inteligente e levei estes anos todos a perceber que há coisas que nos marcam a carne tão indelevelmente que mais valia nunca as termos ouvido ou sabido sequer da sua existência.

Assim, deixei de preferir a verdade à mentira. Agora, prefiro o silêncio.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Vazios

À medida que a vida passa, aumentam as dúvidas.
E as certezas, que eram tantas, abandonam-me sem piedade.
Fico sozinha no meio do nada.
Tão contrária à lógica é a própria vida!
E que estranho, nascer sem recordações.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Da fragilidade das coisas

Está rodeado de morte, o meu pai.

Morreu a Maria, disse-me assim que me viu. No olhar já não mora, nem o medo, nem a surpresa. Antes a resignação. Já não me diz, assustado, Todos os dias morre mais um. Agora despede-se de mim com uma aflição contida, fruto do medo de não me voltar a ver.

Está rodeado de morte, o meu pai. Mesmo quando à sua volta todos se esforçam por lhe dar vida.

Porque a vida não se dá a quem vive rodeado de morte, como o meu pai. Não se dá assim, sem mais nem menos.

É demasiado frágil. Demasiado efémera. O que é que eu vivi? Pergunta-me ele e eu não lhe sei responder. Viveu algo de único. Vive, algo de único. Porque não há duas vidas iguais. Mas ele olha em volta, e só vê morte. Não consegue congratular-se por ele e por todos os outros que ainda cá estão, porque a vida só é frágil para alguns. Para outros, ela é cada vez mais forte, mais longa, mais rija. Não vale a pena deixar de a viver antes de tempo, sentado à espera que ela acabe porque pode acabar hoje, ou não.

Como morreu ela? perguntei. Assim, sem mais nem menos, estava a andar de um lado para o outro, como de costume, e caiu. Teve um avc.

Que sorte a dela! Morreu de repente, quase com noventa anos!

Pois é, são assim as coisas, frágeis. Frágeis. Agora sim, depois já não. Mas, caramba! noventa anos é obra!