É alto, magro e tem os olhos azuis.
Na boca
três dentes.
O
quintal onde se move é um depósito de desperdícios amontoados entre as casotas
dos dois cães e alguns canteiros onde crescem folhas não sei de quê.
Um
tanque de lavar traz à cena o pormenor rústico. As janelas da casa que não é
pintada há muitos anos estão cobertas de pó e, por entre as grades ferrugentas,
descortinam-se panos amarelados pela força do sol.
Os dois
cães que ele mantém presos por curtas correntes às respectivas casotas são de
tamanho médio e pequeno. Ambos de feições afáveis e de rabo no ar – ou não é
preciso muito para se sentirem felizes ou a nossa passagem dá-lhes alegria.
Ele vem
sempre espreitar para ver a Puca, a minha cadela que passeia com uma trela mais
comprida do que as correntes com que ele amarra os cães. Espreita para
confirmar que ela vem presa e nunca perde a oportunidade de me alertar para o
animal feroz que tem no quintal. “Ele é que está preso! Porque se estivesse
solto! Ai meu Deus! Dava cabo dela”. E sempre que ele diz isto eu não consigo
desviar o olhar do simpático animal que, se não fosse a corrente, correria para
nós para que lhe fizéssemos festas. Tivesse eu a mesma certeza no número da
sorte grande…
Hoje, quase
nem nos cumprimentou. Estava demasiado ocupado.
Ouvi os gritos assim que dobrei a esquina. Lá dentro, ameaçada de “não tarda nada levas uma galheta que nem t’aguentas” estava uma mulher de rosto deformado por um tumor duas vezes maiores do que cara dela. Não lhe consegui ver os olhos, não se virou para mim, só de lado vi o gigantesco tumor que a mulher transporta. Nem sei como é que a cara não lhe cai para o lado.
Na rua
não há passeio. Os carros tentam abrandar quando me vêem. Principalmente se a
cadela decide que se quer aliviar ali, à beira da estrada, num fio de terra. Ou
quando eu me baixo para apanhar o que ela faz.
Sinto a
alma encarquilhar-se sempre que dobro essa esquina. Mas é ali que a cadela
gosta de ir e, na verdade, as alternativas não são muitas.
Volto
para trás. Curvo à direita e na primeira à esquerda. Um reduto de bom gosto num
jardim cuidado tranquiliza-me. Demoro um pouco mais na passagem. Paro para lhe
absorver as cores. Foi arranjado há pouco tempo. Uma pequena obra de arte. Respiro
fundo e esqueço rapidamente as vozes e os cheiros da rua de trás.
Não sei
como é que há gente capaz de afirmar que a arte não tem serventia!
1 comentário:
~~~
~~ É demasiado confrangedora
a situação dos animais que relata!
Como existe gente (?) tão grosseira!
~~~ Abraço amigo. ~~~
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