Não é fácil ser-se pioneiro. Ter de defender ideias novas, ideias que parecem sempre oponentes, desestabilizadoras da ordem vigente. Mas é com certeza, um enorme, imenso previlégio, um desafio fascinante.
Talvez por isso eu tenha alguma nostalgia relativamente a épocas passadas. Épocas em que não vivi, ou se o fiz não me recordo, em consciência. Não que eu pudesse ser uma pioneira fosse do que fosse, mas porque não posso deixar de sentir que dantes, quando havia menos gente, quando havia menos coisas, era mais fácil ser-se pioneiro. Havia tanto por descobrir, e tão poucos capazes de tal!
Penso até que seria mais fácil ter-se visão. Bastava ter-se um olho… Hoje são precisos, três ou quatro…
Aqui se vê a relatividade das coisas e os enormes saltos que demos. Hoje é preciso ser-se muito mais alto do que os altos. Mais brilhante do que os brilhantes. Hoje é preciso ser capaz de superar todos os nossos antecessores, e mais aqueles que ainda cá andam. Hoje o desafio é grandioso e, como tudo aquilo que é grandioso, deixa pelo caminho mais destroços. Mais desperdícios ficam presos nas malhas cada vez mais apertadas das redes com que peneiramos o mundo. Hoje é mais fácil frustrarmo-nos, cairmos em desgraça e em depressão. E se já antigamente os artistas eram seres possuidores de almas trágicas, imagine-se o agora para quem tem alma de artista!
Talvez por isso se tenha inventado essa maravilha da técnica de selecção que é a repescagem. Quase todos os concursos a têm. Se ficou preso na malha, não desanime, pode sempre vir a ser repescado…
Não se pense, porém, que esta técnica é unívoca, não é. Tanto se pode repescar criadores como criações, apenas com uma ligeira nuance, é que a repescagem de criadores implica a reavaliação dos mesmos, enquanto que a repescagem de criações é mais um ressuscitar de obras mais ou menos moribundas, evitando que elas sigam o triste fim dos seus criadores e permitindo que novos criadores invistam todas a suas capacidades criativas, não num novo invento, mas num reinvento. Grosso modo, dir-se-ia que certas obras servem de mote, de trampolim, sempre que a imaginação os atraiçoa e os bolsos se enchem de ar.
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