sexta-feira, 29 de abril de 2016

Não matem os malmequeres


Querida Amália quero dizer-te que, afinal, as flores que andaste a colher para ficarem felizes na jarra - e nos fazerem felizes a nós - não são flores, são ervas! Pelo menos foi o que me disse uma senhora que andou aqui com uma máquina a matá-las a todas.

Durante meses a fio andam os passeios escondidos no meio das ervas que crescem desabridas. De repente, alguém protesta. Vêm os trabalhadores da câmara e arrasam com tudo sem fazerem qualquer distinção entre os espaços de circulação e aqueles que foram concebidos para serem jardins. 

Sim, é certo que estão abandonados. Mas também é certo que a Natureza tem esse extraordinário dom de consertar o que o Homem estraga e, nesta época de abundância que é a Primavera, as flores silvestres invadem esses pequenos espaços dando-lhes cor e vida e fazendo deles o deleite de pessoas que, como eu, gostam de olhar os malmequeres.

Ainda há poucos dias vi a alegria da minha neta a apanhar ramos cheios de cor para colocar numa jarra. Hoje, os trabalhadores da câmara, deixaram um campo devastado. Terra coberta de ervas mortas. Sem cor, sem vida. Quando lhes perguntei porquê, responderam-me que estavam a cumprir ordens. Não cumpram, apeteceu-me dizer-lhes. Mas não disse. Disse apenas que me estavam a partir o coração por estarem a cortar todas aquelas flores.

- Não são flores - disse ela -, são ervas.
- Não minha senhora. São malmequeres. São margaridas. Brancas, roxas e azuis.

terça-feira, 26 de abril de 2016

25 de Abril sempre!


Sim, eu sei que parece muito mal dizer mal do 25 de Abril – é anti qualquer coisa – mas como não há um único acontecimento na vida – particular ou colectiva – que seja inteiramente bom ou inteiramente mau, eu, hoje, um dia depois de mais uma celebração dessa revolução a que chamam dos cravos mas que foi, na verdade, de um grupo de capitães cansado de ver gente a morrer em África, na guerra entenda-se porque fora dela pouco mudou por lá, as pessoas morrem na mesma e mais do que noutro lugar qualquer. Enfim…uma miséria como se sabe. Mas, dizia eu, um dia depois de mais uma celebração dessa revolução erradamente dita dos cravos (ainda por cima até houve tiros e só não houve mais porque apareceu um tipo como há poucos que finalmente vai ser condecorado mesmo depois de morto. Sim, parece que finalmente temos um Presidente que vai condecorar o rapaz que mais do que merece – note-se que estou a falar do Salgueiro Maia e não de um cravo!), a 42.ª (se não percebe de onde vem este número vá lá acima, antes do parêntesis anterior a este), decidi que vou falar mal desse dia.

Em primeiro lugar, foi um dia que trouxe um stresse desgraçado ao meu pobre pai que dez meses depois teve um avc que o incapacitou para o resto da vida deixando-nos a todos sem chão – sim, já consigo falar disto com este desprendimento. Também era melhor! Quarenta e dois anos depois! - ; em segundo lugar levei uma canelada de um polícia marítimo – sim, eles também entraram na dança, em terra mesmo sendo do mar. Nesse dia todos os reforços foram bem vindos, não ficou ninguém de fora - , uma canelada tão grande que ainda hoje, 42 anos depois, tenho a cicatriz a adornar-me a canela.

Não, o 25 de Abril não me trouxe grandes alegrias na época. À parte a excitação do feriado inesperado e a enorme satisfação de ver tudo por terra. À parte a sensação de liberdade. À parte a sensação de poder. À parte aquela extraordinária ilusão de que, a partir dali, tudo seria possível, não me trouxe grandes alegrias.

Ainda assim, gostaria que esse dia não fosse esquecido porque afinal, como mulher, eu pouco representava antes dele. Gostaria que esse dia não fosse esquecido, quando mais não seja para que os meus netos nunca venham a saber o que é viver num país fechado, pequeno e mesquinho.

Mas – há sempre um mas, ou talvez dois. Neste caso dois: Mas, mas que a memória desse dia que aconteceu há 42 anos não ofusque uma outra forma de domínio, quiçá mais perigosa, mais subtil. Que a memória desse 25 de Abril, dessa revolução dos cravos (outra vez os cravos, que romântico!) não sirva para encobrir as várias formas de usurpação da liberdade. É que, quando não somos livres como não éramos antes do 25 de Abril de 1974, sabíamos que não o éramos e a vontade de o ser dava-nos força para criar coisas belas como aquelas que tantos artistas criaram inspirados por aquela necessidade que aguça o engenho. Mas quando não somos livres sem sabermos…quando acreditamos que somos não sendo…aí é que a porca torce o rabo. Porque nesse caso continuamos encarneirados, a fazer o que se espera de nós, a tremer de medo que o desemprego bata à porta ou que o dinheiro não chegue para comer até ao final do mês. A pagar tudo o que nos pedem. A deixarmo-nos roubar por bancos e banqueiros, acreditando que somos livres.

Sim, o melhor mesmo é recordarmos o 25 de Abril de 1974. Recordarmos essa maravilhosa sensação de liberdade, de possibilidade, de abertura.

Mas como o poderemos fazer se só quem conheceu o que houve antes pode compreender o que veio depois?

Ah meus caros! É por estas e por outras que a história não faz senão repetir-se. Constantemente. Insistentemente. Infinitamente. Até os homens crescerem verdadeiramente.


E que tal se recordássemos, por exemplo, um dos mandamentos de Cristo, quem sabe o mais importante, o nos amassemos uns aos outros? Isso sim, seria a liberdade total, plena, maravilhosa. Se conseguíssemos isso, conquistaríamos mais do que o mundo, conquistaríamos a vida! Aí sim, teríamos a verdadeira essência do 25 de Abril para sempre! Olhem lá bem para o Salgueiro Maia.