terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Efeito de Doppler?

Que o mundo está em mudança não é novidade. Pese embora o facto das mudanças se fazerem sentir mais, ou menos, sempre esteve. E que nunca essas mudanças estiveram de acordo com a intensidade com que se fizeram sentir, também é verdade. Sempre nos parece que tudo muda quando tudo, afinal, pouco ou nada se desloca, tal e qual o sobressalto de estar parado, dentro de um automóvel, e sentir que ele, de repente, começa a andar para trás. Nunca lhes aconteceu? Estarem parados ao lado de um carro que começa a andar e ter a sensação de que quem anda são vocês? E para trás, ainda por cima! É um bocadinho assustador. O coração dispara e só abranda no momento em que se compreende o que se está a passar. No momento em que somos capazes de interpretar o acontecimento.

Pois é isso que está a faltar neste sobressalto em que vivemos. Uns mais do que outros, mas todos, estou em crer. Sobressalto por esta mudança que se faz sentir, tal como as outras, e que não se sabe ao certo qual a dimensão, e nem a direcção. Há até quem diga que o melhor é nem falar sobre isso; que o importante mesmo é não nos deixarmos arrastar pelo medo. Concordo. Não podemos deixarmo-nos vencer pelo medo. Precisamos, acima de tudo, de olhar lá para fora e perceber porque é que estamos a andar para trás, se todo o nosso esforço está concentrado em não perder o lugar.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Feriados cancelados

Acabaram de ser canceladas


a Implantação da República (cem anos é muito tempo...)



e a Restauração da Independência (nos dias de hoje não basta atirar pela janela um guarda roupa...)

Parece que há quem ache que deixaram de fazer sentido. Provavelmente tem razão...

Espero que continuem a poupar este,


mesmo que seja só para manter as aparências.

Escravos

domingo, 22 de janeiro de 2012

Relógios de luxo em Genebra


Num mundo em crise, onde se exigem aos trabalhadores avultados sacrifícios, existem listas de espera para a compra de relógios de luxo que custam acima dos 200 000 euros e que têm, necessariamente, de ser pagos em dinheiro.

Estou convencida que a maioria de nós abre a boca de espanto perante esta realidade. De espanto pela beleza e pela inacessibilidade, aquele espanto que dedicamos aos deuses no Olimpo. Tão distantes! Tão belos! Tão maravilhosamente inalcançáveis!

Talvez a devêssemos abrir por ultraje. Talvez devêssemos determinar, de uma vez por todas, que os muitíssimo ricos só têm direito a existir num mundo de ricos; que os ricos só podem sobreviver num mundo de remediados e que, num mundo de pobres, o mais longe que se pode voar é até ao remedeio. Isto sim, seria justo. Isto seria humano. Isto seria equitativo. Não a absoluta igualdade, que não existe. Não esta disparidade obscena.

Out of Africa

Faltou um tronco a arder na lareira, para o serão ser perfeito. Mesmo assim, deixei-me embalar pelos diálogos enquanto tecia a capa de malha que usurpei à mãe queixosa de que o trabalho não avança por mor das dores no braço.

No écran, Maryl Streep exibia sem pudor o medo de ser singular. Perdida entre um divórcio anunciado e uma relação sem compromissos, os seus olhos denunciavam um quase desespero e só não amarrou o homem a uma cadeira porque isso seria, não só indigno, mas impraticável. Uma mulher sozinha em África! No início do século passado!

Algumas horas antes, nesse mesmo écran, estávamos em 1968 e um grupo de mulheres, operárias de uma fábrica da Ford no Reino Unido, lutava pelo direito de igualdade salarial. A cabecilha do movimento, uma rapariguinha de aspeto frágil, conseguiu, numa época em que Mary Quant fornecia às mulheres ferramentas para serem utilizadas em armas convencionais, parar uma das fábricas do maior empregador do mundo e, consequentemente, não só a aproximação em 93% ao salário dos homens, mas a aprovação da lei que determinaria a igualdade de género e a justeza salarial, meses mais tarde.

Em África, Karen von Blixen-Finecke, protagonizada por Meryl Strep, vencia todas as barreiras e espetava, sozinha, uma lança em África.

Do que teria ela sido capaz se tivesse ao seu lado alguém, não saberemos. Quanto à franzina que no final dos anos de 1960 parou a fábrica do Ford, sabemos que contou com o apoio, quase incondicional, do companheiro, e que isso lhe valeu, provavelmente, a solidez da vitória.

Há séculos que se houve que por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Tem-se partido do princípio que existem grandes homens, mas poucas ou nenhumas grandes mulheres. Não é o sexo que faz de nós grandes ou pequenos. São as circunstâncias e os apoios. Todos somos capazes de grandes feitos, mas poucos o são sozinhos.

No final, Denys Finch Hatton confessava, com um ar derrotado, que a baronesa lhe tinha roubado o prazer de estar só.

E eu, à medida que ia tecendo a capa da minha mãe, ia antecipando a alegria de ver alguém estragar, um dia, esta minha solidão.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Dez Cêntimos

Não, não fui de férias. E só hoje dei conta que há praticamente uma semana que aqui não venho, não escrevo, não nada. É assim. Picos de trabalho. Algo que me persegue desde 1990 e ao qual ainda não me adaptei. Pois é, sou lenta. Lenta nas adaptações. Lenta nas compreensões. Lenta até nas avaliações, para mal dos meus pecados.

Vivemos todos, ainda que uns mais do que outros, mergulhados em opiniões alheias, dos entendidos, queremos nós acreditar, sem tempo nem jeito para tecer as nossas que vão ficando pelo caminho, aos pedaços, abafadas mal tentam ver a luz do dia porque não somos entendidos e só contam os disparates que saem das bocas oficial e publicamente validadas.

No entanto, e por outro lado, não há cão nem gato que não se possa expressar. As ferramentas proliferam e os temas chovem. Vivemos em liberdade, e em liberdade tudo é permitido. Somos senhores de nós. Seres pensantes que veem, ouvem, sentem e analisam, mas pouco ou nada fazem porque se habituaram a que outros façam por si, ou porque, simplesmente, perdem tanto tempo na recolha de informação que depois a única coisa que conseguem fazer com ela é a sua própria ordenação. A análise da coisa em si fica para alguém que, por mero acaso, receba por correio eletrónico listas e listas do que está mal, sofra uma epifania e daí nasça uma solução que, mesmo assim, ficará na gaveta porque gente, lenta como eu, não a entenderá ou, o mais certo ainda, chegar-se-á à conclusão que a dita dará muito trabalho, e preocupações, pelo que é preferível deixarmo-nos estar como estamos, sem levantar, na verdade, muita poeira.

Voltei, há dois dias, a receber uma daquelas cartas que a Direção Geral das Finanças envia a todos os caloteiros, e eu imagino que devem ser muitos, já que esta entidade tem estado adormecida e só agora, em desespero de causa, despertou para a nobre tarefa de cobrar a quem deve, pelo que decidiu, ela mesma, elaborar uma dessas listas do que está mal.

Pois na lista calhei eu, por conta dos tais dez cêntimos que não paguei, nas circunstâncias que fiz questão de expor aqui. E, ainda na sequência dessas circunstâncias e de todo o processo que não voltarei a esmiuçar, por exaustão como devem compreender, resolvi conversar de viva voz com quem dá a cara, e a paciência, para atender caloteiros como eu. Liguei. Pelo outro lado da linha fiquei a saber que o sistema é cego, pelo que os dez cêntimos, ainda que pagos, transformaram-se em sessenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos e que os quinze euros que em novembro passado liquidei diziam respeito a uma outra multa resultante de um atraso no pagamento, do mesmo imposto, relativo ao ano de 2008.

O sistema pode ser cego, mas é eficiente. Eu posso ser lenta, mas mais cedo ou mais tarde acabarei por compreender que a minha liberdade se limita, tão só, a esta extraordinária distração de poder dizer tudo o que me vem à cabeça. Quanto ao resto, terei de caminhar tão atenta quanto caminhavam os meus antepassados mais longínquos, com pezinhos de lã, para não acordar o sistema que, sendo cego, não é surdo, e possui, tal como a lei, e o homem borracha, braços que me entram pela casa adentro e me levam tudo o que entenderam levar porque a liberdade é coisa que existe apenas na cegueira dos sistemas.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Outra circunstância qualquer

Não é a primeira nem a segunda vez que dou comigo a falar sozinha. Frases do tipo, aquela besta bem que me podia ter dado passagem ou talvez seja melhor virar à direita e depois apanhar a avenida pelo lado contrário, proferidas em voz alta, são comuns quando conduzo. É claro que este particular não tem importância nenhuma, muito pelo contrário, é libertador, até porque posso dizer as maiores barbaridades sem deixar testemunhos para a História. Os momentos de condução são excelentes para desabafar o que me vai na alma e para cantar em voz alta. Já noutra circunstância qualquer, isso é de evitar a todo o custo.

Ora o que me tem deixado um bocadinho perplexa é que esta espécie de mania parecer estar a alastrar-se. Habituei-me a falar sozinha e já o faço de uma forma tão automática que basta pensar que estou, não preciso de estar mesmo, basta pensar que estou! basta alhear-me – alheio-me e falo alto! esqueço-me que os outros existem, que estão ali e que têm ouvidos. 

Hoje larguei um vou ali fazer xixi que arrancou uma gargalhada ao meu irmão, ao mesmo tempo que me agradecia a informação. Foi então que pensei: olha se isto me acontece noutra circunstância qualquer! mas não sei se ele me ouviu.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O tempo

Estala-me o pescoço sempre que mantenho a cabeça descaída para trás como se as cervicais se acomodassem nessa posição e se recusassem a deixar os olhos ver tudo o que se encontra fora desse ângulo.

Os braços pesam-me sempre que, por qualquer motivo - por exemplo ter de pendurar o varão do cortinado da banheira que decidiu que não, não quer estar preso aos azulejos, prefere a parede branca e eu digo-lhe que não, tenha paciência mas a parede branca está demasiado acima das minhas possibilidades, e mesmo assim ele insiste... - dizia eu que os braços me pesam sempre que, por exemplo, luto com o varão.

Só as pernas ainda não me fraquejaram mas também é verdade que não lhes tenho dado grande serventia, pelo que não faço a mínima ideia de como se comportarão daqui a uns meses quando as levar a passear.

Os olhos cá se têm mantido, umas vezes mais focados do que outras mas sim, cá se vão aguentando. Os ouvidos é que me têm pregado partidas, parece que o sistema de vasos comunicantes dos internos não tem comunicado como deve de ser e eu tenho sido assolada por uma espécie de agonia permanente. (Já percebi que os olhos também têm alguma culpa no cartório, parece que não gostam de movimentos bruscos…)

A pele já teve melhores dias, assim como o cabelo, mas por enquanto não me queixo, já vi pior, muito pior.

Os dentes também não me têm dado grandes motivos para preocupações, à parte um ligeiro aumento de sensibilidade dentária, continuam aqui para curvas.

Quanto aos restantes órgãos têm funcionado quase na perfeição, e o cérebro, o cérebro! Que tão meu amigo tem sido! Continua a não me deixar ficar mal. Desde que o alimente e lhe dê descanso até é tipo para ajudar os outros, nem percebo como é que ainda não foi capaz de resolver o problema dos internos! Mas estou confiante que a seu tempo…

Em suma a falta de exercício é, neste momento, a minha pior inimiga, muito mais do que a idade, portanto quero ver se resolvo a situação lá para o Verão, quando puder dar descanso ao cérebro. E é isto. Não se amofinem demasiado. Não se deixem levar por pânicos e medos. Relaxem, desfrutem, e vão ver que o tempo vos tratará com carinho.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Se eu voltar a dançar há-de ser ao som deste mar

GUCCI

Eduardo Catroga diz não compreender a necessidade de prescindir da sua reforma só por ter sido chamado a trabalhar, até porque o salário que lhe vão pagar, e que já toda a gente parece saber quanto é menos ele, não está desfasado dos trâmites normais praticados em cargos desta estirpe, diz o director do BES que sabe muito bem do que fala (e não é gago).

O meu pai, que aos quarenta e dois anos teve de se reformar por invalidez, com um grau de oitenta por cento de incapacidade, também não compreendeu os quase duzentos euros que lhe subtraíram do subsídio de Natal e compreende ainda menos o facto de ter sido um dos escolhidos para resolver o problema da crise soberana, não que não se sinta orgulhoso por finalmente lhe ter sido reconhecida a tão merecida importância, mas porque, ao contrário de Catroga, ainda ninguém o veio buscar para regressar ao activo e, desta vez, tal como Catroga, não compreende a necessidade do ponto de vista ético.

Entretanto na Avenida da Liberdade abriu mais uma loja de artigos de luxo: Gucci. Ao que parece os portugueses já vinham reclamando por ela. Como eu os compreendo! A falta que me tem feito!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Erratas

Antigamente era comum aparecer dentro de certas publicações uma errata, um pequeno cartão que tinha o dom de reparar todos os erros impressos na respectiva publicação. Por vezes eram tantos que o melhor mesmo era assinalá-los logo no início para não se ser obrigado a andar de trás para a frente e da frente para trás.

Não me recordo se essas erratas existiam nos jornais. Provavelmente, nessa altura, eu não lia jornais. Mas existiam em abundância nos manuais escolares, em dicionários e naqueles livros da Verbo que tinham muitas gravuras e sabiam tudo acerca de animais, rochas e povos longínquos que usavam pratos nos lábios e cujos lóbulos se estendiam até aos ombros.

Na semana passada apareceu uma errata, num jornal nacional, para repor uma troca que numa edição anterior tinha misturado nomes com factos. Provavelmente já ninguém se lembrava do erro e muitos nem deram por ele. Mas fez todo o sentido repor a verdade quando mais não fosse pelos directamente envolvidos que não devem ter gostava nada de ver o seu nome misturado com factos alheios.

Esta coisa da errata é uma faca de dois gumes. Se por um lado satisfaz os directamente envolvidos, por outro relembra tristes enganos que, sabe-se lá, podiam até já ter caído no esquecimento. Como saber então o que fazer? Eu nunca sei. Detesto os enganos quando são meus. Detesto-os. Detesto-os de tal maneira que acabo a fazer alarde deles exibindo-os como se fossem troféus! E quanto mais erratas escrevo, tentando repor a tal verdade, mais me enterro, e aquilo que podia ter passado despercebido transforma-se em notícia de primeira página.

É clara para mim a premência da aprendizagem de gestão interna dos meus enganos, erros e broncas. Portanto, a partir de agora, fiquem-se com os erros e esqueçam correcções. 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O princípio do fim. A não ser que...

Imaginem-se rodeados por peças de puzzle. Centenas delas. Milhares. Num dado momento, e por distracção, duas peças encaixam-se perfeitamente fazendo-nos acreditar que estamos perante um desenho, uma figura, algo com princípio meio e fim. Começamos então a procurar as peças restantes tentando encaixá-las nos devidos lugares. Ao princípio essa procura é entusiasmante. Estamos perante algo absolutamente novo! que figura se esconde em todas aquelas peças?!

O sucesso ou insucesso depende do número de encaixes, do tempo que se dedica à sua procura e da figura revelada pelas peças já encaixadas. É a partir destas variáveis que decidimos se continuamos ou não com a sua construção e se, depois de construído, fazemos ou não, com ele, alguma coisa de útil.

E que alegria quando o número suficiente de peças encontra o seu encaixe e a figura está de acordo com as nossas expectativas!

Mas com o tempo o entusiasmo abranda. O que temos já nos chega. Não precisamos de desvendar mais do que isso.

Podemos viver anos assim. Cada um convencido que tem o que precisa mas ansiando que o outro descubra o total do desenho escondido por aquele puzzle imenso. Deixamos de mexer nas peças e elas movimentam-se ao sabor do vento, da lua, da luz do sol e até das marés.

Até que nos esquecemos dele. Convencidos que aquele quadro é o todo, oscilamos entre a satisfação e o seu oposto, lamentando a falta de tempo e o fraco investimento do outro na sua construção.

Um dia, só porque sim, a curiosidade volta, ou, o que é mais comum, o acaso junta mais algumas peças que revelam uma parte escura da imagem, algo de que não gostamos e que pensámos não existir ali, naquela imagem tão do nosso agrado, tão de acordo com aquilo que nos faz vibrar…Tudo é posto em causa nesse dia. Até a nossa capacidade de aceitação.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Dia de Reis

Finalmente relaxo. Junto à lareira jaz a árvore ainda iluminada lembrando o dia de reis, que foi ontem, e a necessidade do seu regresso à prateleira de cima da casa das arrumações onde as tendinites dificilmente me deixarão chegar. Ligo para os miúdos mas eles não me atendem e penso que terei de o fazer sozinha, tirar um a um os enfeites pela enésima vez. E neles relembro lugares e dias, uns melhores do que outros mas todos já passados. Os enfeites, no entanto, não caíram em desuso nem estão desapropriados. O tempo passou por eles limpando-lhes as origens e agora são daqui como se sempre tivessem sido. Não me ofendem, não me desiludem, não me entristecem.

Meto mãos à obra, devagar, sem me cansar. Saboreando cada momento e mimando cada objecto, aconchego-os nas caixas onde esperarão por um outro Natal que chegará daqui a alguns meses. E que depressa que passam! Só a luz do dia pode separar este momento do próximo. Quem sabe o sol brilhará como hoje, projectando as sombras dos arbustos na relva. Quem sabe cá dentro tudo estará aconchegado, tal como agora. E, se assim for, tudo estará como deve de estar, nem mais, nem menos.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

As regras do jogo

Tinha que acontecer. Já me tinham dado o benefício da dúvida, o perdão dos principiantes, o fechar de olhos da primeira vez… hoje foi fatal. E não me viram eles nos entretantos! naquelas vezes tantas em que por preguiça não liguei o mãos-livres e por necessidade atendi o telefone! tantas vezes vai o cântaro à fonte que um dia se há-de partir. Foi hoje. Cento e vinte euros que eles não brincam em serviço. Cento e vinte euros! É bem feito para não te armares em parva. Afinal em que é que estavas a pensar?! Que és imune à lei?! Transparente?! Que não te vêem?! Para quem anda a contar tostões, diga-se em abono da verdade que te deste à morte. E foi isso mesmo. O casalinho no carro branco e azul cruzou-se comigo na estrada carregada de trânsito onde circulávamos todos a vinte à hora. Assim que os vi baixei o braço, claro. Mas logo a seguir, tendo eles saído do meu raio de visão (aliás desde miúda que tenho esta estúpida mania que se eu não estou a ver também não me vêem a mim!...), voltei a levar o telefone ao ouvido que sou uma pessoa bem-educada e não podia deixar de falar assim, sem avisar a pessoa do que se estava a passar. Pois era precisamente isso que estava a fazer quando ouvi a sirene pelo outro ouvido e os vi, pelo retrovisor, encostados a mim. Voltaram para trás os estupores!

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Agricultura e Pescas

Sou uma pessoa que preza a liberdade e sempre pensei que a prezasse "acima de tudo". Na minha adolescência escrevi em letras garrafais no meu diário (sim, tive diários, dois na verdade): PAIS DEIXEM-ME VIVER! e outros disparates como este que os adolescentes gostam de escrever ou gritar quando se sentem vítimas de tudo e mais alguma coisa e sabem, de fonte segura, que o mundo está contra eles.

Sempre me insurgi contra ditaduras ou qualquer tipo de controlo exercido, directa ou indirectamente, sobre outros e, se algum dia eu mandasse, incorreria com certeza no erro de erradicar todos os fundamentalistas transformando-me num ápice num deles, ou talvez não. Seja como for não reconheço em ninguém o direito de opinar, quanto mais de determinar sobre as escolhas do vizinho do lado, muito menos de pessoas com quem nunca se cruzou na vida.

No entanto, se alguém em qualquer momento me viesse dizer que eu ou teria liberdade ou teria tecto e comida, eu não hesitaria na escolha. É que sem um tecto que me abrigue e nada para comer não há condições para lutar por liberdade nenhuma.

E assim se invertem as prioridades de um povo que, das duas uma, ou se concentra no crescimento e na produção acreditando que está no bom caminho e que chega lá. Ou aproveita agora, enquanto ainda come qualquer coisa e não lhe tiraram a casa, para lutar pela liberdade que acredita estar a perder. As duas coisas ao mesmo tempo é que não nos levam a lado nenhum.

Se calhar concentrávamo-nos agora na produção, e quando nos auto-sustentássemos preocupávamo-nos com a liberdade. É que não se é livre sem sustento. Isso de apregoarmos democracia e dependermos de outros que nem nos conhecem, para nos alimentarmos, não me parece uma boa política. De facto nunca me pareceu. Os acordos são muito bonitos enquanto as coisas correm bem, se resvalam é que são elas, ganham os mais fortes, aqueles que comem o que semeiam.

Já agora, uma curiosidade – sabiam que a Alemanha, durante este ano que agora acabou, criou uma porção generosíssima de novos postos de trabalho? E sabem em que sector, muitos deles? No primário – agricultura e pescas. Engraçado, não é?

domingo, 1 de janeiro de 2012

Ernesto e a passagem de ano

Por instantes pensei em tentativa de suicídio, mas aquele ar de infeliz que ostentava, com o corpo apoiado nas grades como quem pede desculpa, fez-me mudar de ideias. Talvez tenha sido um acidente, ou uma imprevidência daquelas que nascem de uma ideia brilhante e depois dão em logro e põem em risco a vida sem ter sido essa a intenção.

As gotas de água estavam por todo o lado, escorriam pelos vidros, pela máquina de café e pelo rádio antigo que jaz ao canto da bancada e lhe serve de inspiração quando quer cantar e tudo o resto falha. Pelo chão… Rémiges, rectrizes, tectrizes…nem a plumagem escapou – todo ele era água. O pobre Ernesto decidiu, vá lá saber-se porquê, mergulhar na fantástica piscina que lhe ocupa o chão da gaiola. Perguntei-me o que podia fazer para o ajudar e foi a minha prima que entretanto telefonou para desejar um bom ano que me sugeriu o secador de cabelo. Distanciei-me o suficiente para não o traumatizar e lá o vi mais animado, ao calor do ar, inchando a plumagem e sacudindo-se, orgulhoso de tanto amarelo.

Hoje acordei com o seu canto. Foi um alívio. Cheguei a pensar que o bicho não passava de Dezembro.