Faz hoje 86 anos que o meu pai nasceu. Filho
único do meu avô, nasceu de um amor proibido. Um desses amores que, talvez por
o serem ou talvez porque sim, crescem mais e mais e dão frutos maiores do que
tantos outros consentidos.
Faz hoje
86 anos que o meu pai nasceu, fruto de um amor maior, ou pelo menos mais
rebelde, e talvez por isso tenha vindo ao mundo tão cheio dele, tão cheio que
com o passar dos anos era amor o que dele brotava, muitas vezes em silêncio,
tantas vezes sem ser sequer apercebido porque, para vermos o amor, temos de
olhar nos olhos com olhos de ver e o meu pai, no seu silêncio tantas vezes
confundido com alheamento, passava quase despercebido nesse amor que brilhava
como o sol no olhar que nos deitava.
Faz hoje
86 anos que o meu pai nasceu e 57 dias que partiu.
Quantos dias faltarão para que este vazio parta com
ele, também?
Três horas depois de ter escrito este texto, um dos meus alunos entrou na
sala com um saco de plástico de onde tirou um bolo, talheres e pratos que
dispôs na mesa. No bolo espetou duas velas - um 3 e um 1. Pediram-me que lhes
ensinasse a cantar os parabéns em português e eu escrevi no quadro a letra toda,
completa, com o Dia de Festa e tudo. Acenderam-se as velas. Cantámos todos.
Batemos palmas e o aniversariante apagou as velas.
Insondáveis que são os caminhos de Deus!