Alguém se lembrou de voltar a juntar um grupo disperso há cerca de trinta anos. Um grupo de gente que viveu na mesma terra a sua adolescência e o início da juventude. Alguns ainda por lá andam, não chegaram a sair. Outros foram para longe e outros nem por isso.
Há cerca de oito anos fiz parte de um ajuntamento semelhante, de colegas de infância. A adolescência é outra conversa. A adolescência é aquela idade que deixa marcas indeléveis. A idade de todos os disparates, de algumas traições e do egoísmo, próprios de quem procura, por todos os meios, saber quem é, sem disso se aperceber.
Para apimentar um pouco mais as coisas, este grupo, na sua maioria, diria eu, viveu a idade mais perigosa, num dos lugares mais perigosos e na época mais perigosa – aquela que sucedeu ao 25 de Abril de 1974 e à entrada, no país, dos retornados.
Em boa verdade não sei se haveria alguém, para além dos pais de cada um, que gostasse de nós, individualmente ou como grupo – como grupo creio que não haveria unzinho que desse alguma coisa por nós. Nas mentes retrógradas e fechadas dos adultos que espreitavam incessantemente pelas brechas das cortinas havia apenas uma certeza – são uma cambada que não chegará nunca a lado algum.
Vigiavam-nos permanentemente e tinham orgasmos ao telefone sempre que conseguiam informar este ou aquele que o filho ou a filha tinha acabado de passar naquela rua e estava, de certeza, enfiado ou enfiada em casa de sicrana ou beltrana a fazer sabe-se lá que atrocidades – Na escola?! Nem pense nisso, passou agorinha mesmo aqui na rua, ia com este aquele e o outro, sabe-se lá para onde?! fazer o quê!...
Creio que tão pouca fé acabou por ter as suas consequências, como sempre acontece, e houve alguns, de mais porque são sempre de mais, que fizeram a vontade a essa gente. Mas houve muitos, muitos mais, que ainda que tivessem permanecido algum tempo à porta da tão augurada desgraça, não chegaram a entrar ou não passaram do primeiro corredor e acabaram por sair, se não em beleza, pelo menos inteiros, e ontem, trinta anos volvidos, irromperam juntos, mais uma vez, pelas portas da colectividade que tão pouco os suportava, que algumas vezes os expulsou, ainda que não tantas quantas teria gostado de o fazer, irromperam juntos, no mesmo alarido de há trinta anos, eles – os mesmos, mais velhos, mais sábios, os mesmos.
Não sei se ontem alguém espreitou pelas brechas das cortinas, provavelmente já cá não está quem mais gostava de o fazer, mas se, por acaso, houve quem o fizesse, ficou a saber que o tempo é uma coisa extraordinária porque se, por um lado parece correr, por outro é como se não se mexesse e tudo, ou quase tudo, permanecesse mais ou menos na mesma. Ficou a saber que afinal somos heróis porque vivemos mais, muito mais, do que a inveja que tinham de nós alguma vez imaginou, e estamos cá – vivos, inteiros e, no geral, muito melhores pessoas do que eles alguma vez foram capazes de ser.