terça-feira, 30 de outubro de 2012

O Bob é que sabia (o Marley, evidentemente)

É uma chatice quando as pessoas se movem por conveniências, estados de espírito, preconceitos ou mesmo sentimentos, quando o motor que as deveria pôr em marcha é aquele do bem maior, o que é comum e universal.
 
Nada pior do que a mesquinhez (a não ser a estupidez que é já uma calamidade) para impedir a gente...
 
...d' andar p'rá frente.
 

domingo, 28 de outubro de 2012

Da miséria humana


Se há coisa à qual os supostamente fortes não se podem dar ao luxo de manifestar, é o sofrimento. Principalmente no seio dos supostamente fracos. Aos supostamente fortes não lhes é permitido sofrer ou, na pior das hipóteses, manifestar esse sofrimento. E não lhes é permitido, não porque o mundo lhes aponte um dedo com uma das mãos enquanto a outra segura a barriga que se arrisca a cair de tanto riso, mas porque os supostamente fracos não aguentam o sofrimento de ninguém, nem mesmo o deles. E dado que os supostamente fortes também não conseguem suportar o sofrimento dos outros, calam-se e fingem, para não os ver sofrer.

Assim andam, fracos e fortes, fortes e fracos, engolindo lágrimas e palavras, uns porque preferem que os outros não sofram, outros porque dizê-las os faz sofrer.

O amor


Há sentimentos mais difíceis de digerir do que certos alimentos que nos moem o estômago e nos entopem as entranhas. Há sentimentos inomináveis, extremados, antagónicos, bipolares, que nos semeiam culpas escusadas e irreais, que nos provocam agonias de incapacidade e vertigens de desventura. Sentimentos que nos arrancam a alma e com ela o estômago e o coração aos quais, afinal, está agarrada.

Há sentimentos devastadores, que precisam de grande mestria da parte de quem os sente e de quem os sofre. Mas nenhum, nenhum capaz de nos arruinar se nós não quisermos. Nenhum maior do que nós. Porque o único que vale a pena – o amor – ao contrário do que diz o poeta, que como tantos o confundiu, é incapaz de devastar. Incapaz de levar ou entupir entranhas. Incapaz de semear culpas ou de provocar agonias de incapacidade.

O amor é extraordinário, brilhante, majestoso, gloriosamente humilde e generoso. O amor só é feliz na dádiva. O amor regozija-se perante a alegria e a felicidade de quem se ama, venha ela de onde vier. O amor é sábio. É livre. É poderosíssimo. E é uma pena que nós, simples, mesquinhos e vis humanos, sejamos tão incapazes de o sentir.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Aos novos endireitas. Um grande Ámen para eles


São osteopatas na maior parte dos casos. Embora alguns fisioterapeutas sigam já um percurso mais liberto da medicina tradicional e, digamos assim, mais ativo, o facto é que usam menos as mãos do que estes “novos endireitas” que delas fazem os seus instrumentos de trabalho.

Ontem tive um cá em casa. Pegou-me na mão direita, fincou-me os dedos nas costas da dita e exclamou: Como é que a senhora fez isto?! Tem os tendões todos entrelaçados! Sei lá eu como fiz isso! só sei que as dores são tantas que o braço, tal como a mão, deixou de ter préstimo.

Cerca de meia hora depois estava tudo no lugar com o aviso que ainda haveria de doer. Não disse quanto, e eu acordei às três da manhã convencida que me estavam a arrancar o braço a sangue frio. Não sou maricas, não sou. Sou até daquelas pessoas que sofre em silêncio porque acha que se gritar, ou se se queixar, todas as energias fogem para o grito, ou para a queixa, e lá se vão as possibilidades de alívio. Mas, esta madrugada, as dores foram alucinantes. Amaldiçoei o osteopata, pensei em telefonar-lhe – até porque ele teve o cuidado de referir que o seu telefone está à disposição 24 sobre 24 – para o insultar, para que me explicasse porque carga de água tinha vindo cá a casa para aumentar ainda mais o meu sofrimento.

Agora, algumas horas depois desta primeira intervenção, nem acredito que estou aqui a escrever, que consigo, ao contrário de há escassos momentos, segurar no telefone com a mão direita e até, espantem-se, abrir a porta com essa mão! Não estou curada, mas a mim parece-me milagre e hei de dizer-lhe isso amanhã, quando ele cá voltar para a segunda sessão.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Dores

Tenho dores alucimantes no braço direito! Eu! que já sofri em silêncio e por duas vezes, as dores de parto. Eu, que há anos que me habituei a viver num limbo permanente de pequenas e constantes dores por conta dos prolapsos cervicais que me enrijecem o pescoço e me tolhem os movimentos, dei por mim a chorar de dores, esta manhã.

Uma tendinite mal curada e um movimento mais brusco ao despir, foram os causadores de tamanho sofrimento. Tenho momentos em que a respiração me falta. Mas vim trabalhar, ainda assim. Algumas mudanças meti-as com a mão esquerda. O computador é um suplício e, no entanto, escapo bem aos olhares menos atentos daqueles que me rodeiam.
 
Não há medidores de dor, toda a gente sabe isso, por isso, apesar  deste estado transpirar para os mais atentos, que são poucos, não é possível adinhar o que vai na alma de quem está em sofrimento, quando está em sofrimento.
 
Seria maravilhoso se cada um de nós, antes de tecer qualquer tipo de juizo acerca seja de quem for, tentasse indagar das dores alheias.

Politicamente incorrecto

No domingo passado um amigo confessou-me que não acredita no amor, a não ser, é claro, nesse amor universal que não escolhe objecto, ou no amor filial, também. De resto, dizia ele, isso a que chamam amor e que junta duas pessoas, é outra coisa qualquer, é gostar "como se gosta de sopa, por exemplo".

Achei graça ao pensamento, à comparação que, na verdade, não me pareceu desprovida de lógica. Ao fim e ao cabo, quem gosta de sopa gostará até ao fim da vida e, se num dia ou noutro, a sopa não lhe souber tão bem, será por estado de espírito ou porque a própria sopa não se apresenta como é costume, a gosto próprio. Foi esta a explicação que me foi dada e que me arrancou uma gargalhada, daquelas que se soltam por alívio que é como quem diz, na liberdade de quem se livrou de grilhetas sociais que travam certas manifestações de opinião.

Hoje, através do Facebook, dei de caras com um comentário de um outro amigo, bem mais jovem, também ele sobre o amor, esse amor universal que, supostamente, nos une, ou não. Ou não. Dizia ele:

"caridade não gera senão párias. compaixão não gera mais que invejas. ou são fruto delas. o altruísmo é um egoísta com disfarce e maior necessidade de satisfação pessoal. a diferença é que consegue essa satisfação mais à custa dos outros do que de si próprio. Como uma espécie de fetiche desarranjado ou hedonismo estragado em que o prazer de uma carícia se sente não quando no-las fazem mas quando as fazemos aos outros. E nem sequer pode ser equiparado à generosidade, em que dar, como partilha, é uma coisa que nos serve em conjunto.É uma coisa muito mais mesquinha, pequena, interior, tão escatológica e elementar como lavar o rabo."

É claro que são palavras grossas, pesadas, difíceis de digerir. Mas não o será, também, a verdade? O facto é que, mais uma vez, senti aquela liberdade de poder gritar aos sete ventos uma verdade que pode muito bem sê-lo. Uma possível verdade. Uma muito possível verdade. E quanto mais lia mais me parecia ser exactamente assim, tal e qual como o disse o Miguel, e apeteceu-me ser capaz de decorar as suas palavras porque é tão raro, cada vez mais raro, ouvirem-se opiniões verdadeiramente pensantes, sobre coisas verdadeiramente importantes.

E quando lá voltei, deparei-me com mais um comentário. Este, com que me fico:

"creio que as pessoas vivem com uma série de preconceitos que lhes foram incutidos desde sempre por morais e afins e que aceitam estranhamente como elementares. o grande problema social é a falta de sentido crítico individual. as pessoas aceitam o que lhes é dado e não questionam. a educação não deveria ser ensinar a saber. qualquer macaco aprende a saber. por imitação, por exemplo. a educação devia ser ensinar a pensar. e saber então surge de forma natural mas com uma independência de raciocínio que sabe pôr as coisas em causa para as levar mais além. e para pensar não há macaco que valha, não há imitação que o consiga. pensar é o princípio da criatividade. e a criatividade é o princípio da evolução, do progresso. como o mal, o bem também é uma bola de neve."

P.S. -  Mais do Miguel, aqui.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Range Rover


Dei de caras com o velho jeep - chamo-lhe jeep como chamo kispo a todos os casacos acolchoados e impermeáveis que tenham capuz. Manias antigas, do tempo em que as coisas eram tão raras que chegavam sem nome próprio. Só traziam o apelido. 

Pois, dizia eu que dei de caras com o jeep. Exatamente o mesmo de há…sei lá…vinte anos p’rá aí… Esmurrado do lado esquerdo, o farol traseiro inexistente, a pintura baça. E pensei, Como as coisas mudam!

Recordei aqueles tempos áureos em que transportava pranchas e para-pentes no tejadilho. Em que carregado de bicicletas rumava ao Parque das Nações e aguardava pacientemente a família que por lá passava o dia a dar ao pedal.

Como as coisas mudam! E que triste que é quando mudam para pior. Quando são os tempos áureos que ficam para trás e não o contrário que deveria ser sempre a ordem natural das coisas – começa-se de baixo e ascende-se. É assim que deve ser sempre – começa-se de baixo e ascende-se. Luta-se. Estuda-se. Trabalha-se. E ascende-se.

Mas não. Não. Nem sempre. Não aqui, neste país. Cada vez menos. Aqui descende-se. Perde-se. Anda-se “de cavalo para burro” ainda que se trabalhe mais ainda, que se estude mais ainda, que se lute mais ainda. Descende-se.

E o velho jeep lá estava, parado, à espera do mesmo dono que há cerca de vinte anos, mais coisa menos coisa, o conduz. Já não tão feliz, já não cheio de crianças e pranchas e para-pentes.

domingo, 21 de outubro de 2012

Qual famílias alargadas qual carapuça!


Entornar vinho é alegria. Pisar dejetos caninos, dinheiro. Atribuímos benfeitorias às coisas chatas e, muitas vezes, avançamos azares a coisas tão inocentes como passar debaixo de uma escada ou deixar que as facas se cruzem.

Nesta linha de raciocínio, digo eu porque posso, entendemos encontrar graças e convenientes vantagens naquilo que designámos “famílias alargadas”. Que giros que são os meus, os teus e os nossos e aqueles que não são bem irmãos mas irmãos de irmãos e primos de primos, famílias tão extensas e diversificadas e distantes que dificilmente caberão numa só casa em épocas de culto como, por exemplo, o Natal.

Graça mesmo só encontram aqueles a quem convém, de uma forma ou de outra, esse estado de coisas, porque nunca ouvi nenhuma criança ou adolescente regozijar-se com a separação dos pais e aceitar de ânimo leve madrasta e padrasto sem um mínimo de resistência ou uma dor bem escondida no centro do coração. Geralmente dão adultos resignados que não perdem uma oportunidade de recordar como as coisas eram “quando éramos uma família”.

Para essas pessoas não existem famílias alargadas. Existe perda e separação. Desmembramento e dor.

Por vezes, quando a coisa se dá muito cedo e cedo se forma uma outra família que cria e acolhe como se nada, ou quase nada, se tivesse passado, a coisa compõe-se. Ainda assim, mais ou menos, porque em nenhuma circunstância se apagam as perguntas sem resposta, os “porquês” e os “comos” – ninguém substitui um pai e uma mãe que se amam e criam, juntos e até ao fim, os filhos que geraram.

Posso não ter aprendido muito, mas isso eu aprendi. São dores que não passam nunca. Despiques que não cessam. Vontade de partir os filhos ao meio, esta metade é minha, esta é tua. Ciúmes que roem. Invejas que tentam a todo o custo respirar.

Não, não é verdade que o vinho entornado em dia de festa seja alegria. Na verdade é uma merda e um trabalhão – uma interrupção; um corte. E quanto ao pisar dejetos caninos, hão de me dizer quantos ou quantas enriqueceram depois disso. A não ser que o segredo esteja na conservação dos mesmos na sola do sapato. Só se for isso. Mas, a julgar pelas pedras que vamos deixando saltar cá para dentro ao longo da vida, eu diria que essa não é, seguramente, uma solução credível.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Depressão


Finalmente teve coragem para abrir o talho e espalhar cartazes, enormes e escritos à mão, pelas redondezas. “Já abriu o talho no Texugo. Com Tudo” – era o que se lia ao contornar as rotundas e à medida que nos íamos aproximando do local.
Lá dentro uma panóplia de arrumações, prateleiras, muitas, balcões, dois e frigoríficos; um fogareiro gigante, daqueles modernos que o carvão é cancerígeno…um espaço de meter inveja a qualquer comerciante. Tudo vazio. Apenas um dos balcões exibia algumas peças de carne.
Entrei para uma perna de peru. Nada.
É claro que os próprios cartazes, escritos à mão e cortados a dentes, só por si já faziam transparecer o esforço hercúleo que o pobre homem teve de invocar para abrir as portas fechadas havia tanto tempo. E depois ele mesmo. De cigarro na mão e olhar no chão. Os ombros a descaírem como quem não acha horizonte nem ao seu nível! Não era para abrir, disse ele. Isto está tudo tão mau. Até o outro, na outra terra, já tinha fechado. Mas não tinha mais onde se agarrar e, ainda por cima, doente, dizia ele. Talvez dos cigarros. Talvez da postura. Depressão é doença. A pior. Tira as forças a qualquer um. Por grandes que sejam vão-se com a vontade.
Não durou uma semana. Voltou a fechar. Na montra, escrito à mão, está outro cartaz – “Vendo esta loja” e, por baixo, um número de telefone que já ninguém descortina porque o tempo levou a tinta.
Nem sabe, o pobre, que mesmo que haja alguém capaz de comprar tal espaço, não saberá como o contactar…

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

a História por devir

Daqui a um ou dois séculos, quando os tetranetos dos nossos tetranetos estudarem este século, conhecê-lo-ão como o século em que os homens ficaram reféns dos mercados - uma coisa suficientemente vaga para não ter fase; suficientemente grande para os tolher; suficientemente poderosa para os subjugar.

E daqui a um ou dois séculos, os tetranetos dos nossos tetranetos folhearão compêndios, elaborarão teses, perderão noites a tentar compreender porque é que os homens se deixaram subjugar por algo que eles próprios criaram. E não compreenderão o porquê dessa inércia, dessa subjugação, desse baixar de braços. 

E, tal como hoje estudamos as crises que nos devastaram no séc. XIV e nas duas grandes guerras, os tetranetos dos nossos tetranetos estudarão a época em que uma grande parte da população europeia se esfumou nas ruas da miséria e de como os que cá ficaram ficaram mais ricos e de como a esta se seguiu mais uma idade de luz e progresso e...

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Medo de vencer


O que mais detesto nos outros é o que mais temo em mim – a fraqueza, a incapacidade de cruzar metas, o terror que de mim se vai apoderando à medida que elas se aproximam. É isso que mais detesto nos outros. É isso que me torna impaciente e intransigente e desapaixonada e impiedosa. E má. Como se a fraqueza se pegasse e a incapacidade fosse uma substância a manter trancada, proibida de respirar o mesmo ar que respiram os vencedores. Uma substância a manter nas trevas a todo o custo – única forma de lhe travar a existência.

Não ma mostrem pois. Não a aflorem sequer que me deixam agoniada.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Quem somos nós?


Que parte de nós é nós e que parte pertence ao que a vida nos obriga a ser?

De onde vêm os medos? E as angústias?

Porque somos inconstantes? Quem em nós semeou desassossego?

De onde vem a esperança?

E o desânimo? Porque é que nuns é tanto e noutros tão pouco?

E a força? O que é a força? Uma espécie de energia filha da vontade, ou uma outra coisa qualquer?

Em que momento deixámos de ser aquela criança que ainda habita dento de nós? Quando foi que a deixámos fugir? O que vemos quando olhamos o espelho? Quem roubou dos nossos rostos aquele sorriso fácil?

Quem somos nós?

O dinheiro, esse monstro insubstituível!


Tratamos o dinheiro, algo inventado por nós numa estreitíssima e direta relação com a produção, que entretanto deixou de existir, como algo que nos é dado pela Natureza e se encontra em vias de extinção!

Das duas uma, ou temos em nós  uma grande dose de masoquismo ou somos completamente desprovidos do génio que habitava os nossos antepassados e que lhes permitiu inventar esse monstro que nos mantém presos numa altura em que precisávamos de ser capazes de inventar uma outra coisa qualquer.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O que me entristece


O que me entristece, é não poder dizer aos meus pais, e aos meus filhos, Não se preocupem, vai correr tudo bem. Isso é que me entristece! E saber cada vez mais diminutas as probabilidades de ver sorrisos nos rostos dos meus amigos. Isso é que me entristece!

Sei lá eu se vai correr tudo bem! Espero que corra. Mas sei lá eu se vai correr! Portugal andou anos e anos a acreditar que a sua salvação estaria na fé e olha o que aconteceu – no momento, praticamente no momento, em que tudo se concretizava, pimba. Tudo por água abaixo. Está visto que isto não vai lá com fé. Não, não me parece que seja a fé a salvar-nos.

Acho que temos de fazer mais qualquer coisa para além da reza – temos de mostrar que estamos verdadeiramente empenhados. Verdadeiramente empenhados em andar para a frente. Verdadeiramente empenhados em crescer. Verdadeiramente empenhados em não nos deixarmos governar por outros interesses que não os nossos – os da maioria que somos nós; os de quem realmente trabalha. Os nossos. Os nossos interesses. Os interesses dos portugueses; e dos gregos; e dos espanhóis; e dos italianos; e dos franceses; e dos holandeses… Os interesses de quem trabalha e não de quem não sabe, nem nunca soube, o que isso é. Não os interesses de quem tem construído a vida à custa de especulações, compadrios e vigarices. Não os interesses da bolsa ou dos mercados, essas entidades virtuais e anónimas que encerram em cápsulas meia dúzia de vampiros que sabem que no momento em que de lá saírem sucumbirão. Mas os interesses de quem trabalha. De quem é gente que nasce e morre; que come e dorme e ri e chora e ama e luta e pensa e cria e É. Os nossos interesses.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Realidades


Há certos rostos que guardam olhares tão limpos, tão puros, que é praticamente impossível ficar indiferente.

Sempre que me cruzo com esses rostos sinto que há salvação. Que há saída para todas as crises. Até a da nossa humanidade.

Avó e neta


Há laços que unem as famílias e que estão para além das parecenças fisiológicas. São laços de cetim, que facilmente se desatam mas permanecem esvoaçantes, pontas soltas incapazes de se afastarem, prontas para se unirem outra vez, a qualquer momento.

Há cenas que se repetem, mas não em demasia… Há cenas que se aparentam, como as pessoas, e que, tal como as pessoas, se apuram e aperfeiçoam com o tempo, com a história, porque ao contrário daquilo que os mais pessimistas gostam de fazer crer, a memória existe e protege-nos de muitos males.

Assim, que se repitam todas as alegrias. Que se redobrem, se apurem, se aperfeiçoem, porque o passado só serve mesmo para isso - para nos ensinar a sermos melhores.


6 de Outubro de 2012
9 de Março de 1957


9 de Março de 1957
  
6 de Outubro de 2012

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Casou-se a filha


No rescaldo de tantos acontecimentos importantes implanta-se um vazio difícil de atenuar. No centro, um casamento. O da filha. E que casamento pode ser mais importante que o da filha? O nosso talvez. Mas não foi. Não foi porque não foi tão vivido, tão sinceramente assumido, tão comprometido e alegre como o da filha, que apesar de não ter sido um casamento religioso teve um cunho de uma tal humanidade que dispensou, sem qualquer tipo de benevolência, o papaguear por vezes tão ultrapassado de certos padres.

Foi lindo.

E foi lindo pelo empenho que nele foi posto e que a senhora do registo sentiu e por tal esteve à altura. A minha filha sonhou com uma cerimónia assim, e concretizou-a numa cumplicidade tão absoluta que me deixa o coração a transbordar de alegria. Ela conseguiu. Vai ser feliz. E se mais nada na vida se concretizar, que os meus filhos se encontrem, neles e num outro, e que sigam a dois a estrada da vida, é já suficiente.

Da Holanda e de Londres vieram tios e primos. Veio uma amiga do Brasil.

Novos, menos novos e alguns já velhos juntaram-se para dançar para os noivos. A noiva teve direito a uma serenata e eu andei toda a tarde a conter as lágrimas que teimavam em sair do peito e a dar cabo da maquilhagem.

Por estes dias a casa transbordou, como o coração. E hoje, depois de uma mesa cheia no jantar de ontem, está novamente silenciosa.

Já tenho saudades de todos.










terça-feira, 2 de outubro de 2012

Cenas de um quotidiano em franca mudança ou a quinta dimensão afinal existe mesmo

À minha frente as luzes de travão de um chaço com mais de vinte anos não param de acender. Ao volante um homem, jovem ainda, boceja antes de estancar a viatura no meio da estrada. Eu preparo-me para praguejar quando uma ovelha dispara numa correria incomum estrada fora e dois negros a perseguem a uma distância suficientemente larga para não a conseguirem apanhar. À beira da estrada, um outro negro segura a corda de uma outra ovelha que tenta a todo o custo seguir o mesmo caminho da primeira. Neste entretanto, o metro de superfície desliza, indiferente aos acontecimentos.