quinta-feira, 31 de maio de 2012

Cortem-lhe a cabeça!


O ideal seria conseguir manter o estado de coisas intocável sempre que há um problema para resolver, e resolvê-lo. Resolvê-lo sem mudar uma vírgula no estado de coisas.

Por vezes isso é possível. Por vezes, não. Por vezes a única forma de resolver um problema é alterando, umas vezes mais, outras menos, o estado de coisas. E é isso que causa agonia – a necessidade de mexer nas variáveis, em vez de nos limitarmos a aniquilar a oponente.

Quem me dera ser a rainha de copas. Era ver-me para aí a cortar cabeças.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Ninguém sabe tudo!


Ao longo da vida tenho vindo a guardar frases que resolvem, ou ajudam a resolver, alguns enigmas dos que vão nascendo pelo caminho e que por vezes são tão impercetíveis que não se veriam se não fossem as palavras. São elas que acendem aquela famosa lâmpada do professor Pardal, mesmo no alto da cabeça – Eureka! É isto mesmo! Como é que eu nunca tinha pensado nisto?!

Bom, algumas têm esse efeito, outras nem tanto. Outras acreditei-as por terem sido proferidas por quem as proferiu mas não me conseguiram convencer e lembro-as exatamente para isso – para não me esquecer da sua imprecisão.

Não são muitas e já tem acontecido mudarem porque outra, mais poderosa e propositada, lhes toma o lugar. Neste momento são três. Três as frases que retenho e a que recorro sempre que necessito.

Curiosamente nenhuma delas foi proferida por pressupostas pessoas – pais ou professores – nunca.

A primeira, e mais antiga, saiu da boca de uma amiga e reza assim: Não há amor incondicional.

Esta recordo-a sempre que tenho necessidade de confirmar o meu saber. Embora antiga, nunca nela acreditei e confesso que sinto um certo orgulho em constatar, passados tantos anos, que eu já estava certa naquela altura e ela não.

A segunda foi proferida por uma psicóloga à qual recorri em tempo de crise profunda, já lá vão, também, largos anos, e reza assim: E a A deixa, porquê? 

Se a senhora tivesse feito esta pergunta na primeira ou na segunda sessão, provavelmente eu não teria ido lá tantas vezes quantas fui. Esta frase valeu por todas as outras que se me varreram. Aos trinta e poucos anos, despertou-me para uma feliz realidade – Eu tenho o poder de consentir, ou não, naquilo que seja quem for me faça.

A terceira frase é muito recente e tem sido, de todas elas, aquela à qual eu mais recorro nos dias que correm. Saiu da boca de uma jovem que podia ser minha filha e que não faz, seguramente, a mínima ideia do peso que a sua afirmação continua a ter.

Ninguém sabe tudo!

Ninguém sabe tudo! Ora aí está uma frase fundamental para o meu equilíbrio. Uma frase que me ajuda nos momentos em que falho e sinto uma agonia de morte como se fosse a própria vida a falhar em coisas tão insignificantes quanto um erro ortográfico ou uma má apresentação em powerpoint.

Frases como esta, para alguém que como eu tem de provar a toda a hora aquilo que vale sob o risco de perder o pouco que tem, valem ouro. E mesmo que mais nada fique dos momentos em que nos cruzámos, eu e a jovem senhora, ficará esta frase para me ir servindo de bengala à medida que as forças me forem faltando. Ninguém sabe tudo.

domingo, 27 de maio de 2012

A crise...


...espalhou-se rapidamente por toda a Europa e faz-se sentir pela maioria, independentemente do nível de vida a que estavam acostumados porque quem desce desce sempre e as dificuldades medem-se numa relação com o que se tinha e não com o que o vizinho tem.

Curiosamente, e numa atitude que facilmente pode ser interpretada por fuga à realidade, ela faz-se sentir mais nas pequenas do que nas grandes coisas. As pessoas deixaram-se de pequenos gastos mas continuam, teimosamente, a alimentar alguns dos maiorzinhos. E assim vimos espetáculos caríssimos a abarrotar; crianças ostentando telemóveis de última geração comprados ontem e um parque automóvel quase luxuoso de matrículas números-letras-números.

Contudo, os restaurantes estão vazios e os pequenos comerciantes em vias de fechar portas.

Solidariedade seria deixar de alimentar quem não precisa e guardar o pouco que sobeja, a quem sobeja, para alimentar os negócios mais pequeninos. Isso sim, seria solidário. Se é uma boa tática económica, não faço a mínima ideia, mas da forma como as coisas andam, se calhar, podíamos deixar a economia nas mãos de quem ela, ao fim e ao cabo, já está, e tratarmos de ir salvando quem está mais próximo. Quando mais não seja porque os grandes têm reservas que os pequenos nunca tiveram.

sábado, 26 de maio de 2012

Amor e Arte

Esta menina encomendou e esta veio cá espreitar. O resultado foi este


É uma pena eu ser tão naba a tirar fotos, porque o bolo estava espectacular. Os montinhos que se vêem são pequenos livros. Se abonar a meu favor, saiba-se que foi tirada ao ar livre, com muito sol, que é como quem diz, sem qualquer tipo de visualização prévia. Foi apontar por cima e carregar no botão.

The best is yet to come


Todos os anos, por este dia, é importante que me lembre que há coisa de 40 eu acreditava piamente que nunca aqui chegaria, não porque tivesse alguma doença macaca mas porque, simplesmente, não era capaz de me imaginar, sequer, com vinte e cinco. Porque não era capaz de me imaginar mulher.

É importante que me recorde disso porque estou convencida que é essa memória que me permite enfrentar a vida, não como uma pessoa de meia-idade, mas como alguém que está vivo e tem, ainda, coisas para fazer. É essa memória que me fornece a luz que preciso para ir ultrapassando todos os obstáculos e perseguindo todos os sonhos.

Faço hoje 54 anos e, tal como um presságio, acordei ao som do Frank para me mostrar que The Best is Yet to Come


sexta-feira, 25 de maio de 2012

Aceitação do bom e do mau


Tenho uma enorme admiração pela coragem e pela genuinidade. Precisamente nesta ordem, até porque sem a primeira não existe a segunda nem mais uma série de virtudes que não me apetece enunciar. E é por via destas duas virtudes que gosto de mim, que me admiro.

Todos nós deveríamos ter algo admirável. Ainda que não pelos outros, por nós mesmos. Ajuda muito a perdoar, e a assumir, aqueles apartes horríveis de que todos, sem exceção, sofremos.

Focados nas virtudes, nas verdadeiras virtudes, as hipóteses de crescermos e de nos tornarmos seres humanos cada vez melhores aumenta.

Se, pelo contrário, nos focarmos nas desgraças, sentiremos sempre uma vergonha tão grande que a tendência será para as amachucar de tal forma que, compactas, passam a uma nuvem negra que nos enche. Depois, insuflados de negridão, tapado que fica o espaço por onde circula a alegria, o verdadeiro orgulho e o amor, tornamo-nos insuportáveis para os outros, e o pior de tudo é que nem damos por isso.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Knight Rider


Exausta, deixei-me ficar de cotovelos colados à mesa e olhar preso ao écran onde o Michael Knight pedia ao Kitt que perscrutasse bem uns estúdios quaisquer onde um fantasma, qual o Da Opera!, fazia de tudo para boicotar as filmagens, e a estrela, de cabeleira loura exageradamente anos 80, rapidamente deitava por terra a arrogância que só uma estrela carrega, para ajudar um Knight na demanda da captura do terrível fantasma.

Muito a custo lá me arrastei para o sofá. Puxei o manipulo da espreguiçadeira e deixei-me ficar, esticada, inerte, de olhar preso ao écran onde uns velhos jogavam às cartas encostados ao Kitt e não achavam nada estranho que o carro, não só lhes respondesse, como ainda tivesse a amabilidade de os ir ajudando, ora a um ora a outro, a levar a bom termo a jogatina.

Nisto, tocou o telefone. Muito a custo, lá me levantei, que é como quem diz, lá me estiquei o necessário para alcançar o aparelho, e atendi. O mais imobilizada possível, disse tudo o que tinha a dizer, ouvi tudo o que tinha a ouvir e desliguei, abandonando no braço do maple o telefone que ali se deixou ficar, tão inerte quanto eu.

Talvez tenha passado pelas brasas. Num momento o Kitt estava… noutro já não. Nem Kitt, nem Knight. Ligeiramente quebrada a inércia, estendi a mão para o comando e carreguei na tecla, para cima…nada aconteceu! Pronto, pensei para comigo, lá se foram as pilhas. Carreguei no número um…nada. 

Continuei o mais inerte possível. O meu estado, a quem de fora, poderia eventualmente assemelhar-se ao catatónico. Prestes a ter de suportar a programação da RTP memória, aquela que não é o Kitt, continuei a carregar nos botões do comando que continuou a não afetar em absolutamente nada o que se passava no écran à minha frente.

Decidi trazer o comando para o meu ângulo de visão. Num mostrador podia ler-se: Cândida! Carreguei na tecla vermelha para que o nome desaparecesse do visor e voltei a insistir na tecla do número 1. Nada. A Grande Noite ameaçava começar. O Baião já estava prontinho no meio daqueles panos encarnados que nos palcos do La Féria ameaçam abrir mas abrem só mais ou menos.

Voltei a olhar o comando que tinha na mão. Agora sim! Agora via-o! Maneirinho, prata e preto, com um pequeno visor onde os nomes por mim registados aparecerem sempre que ele toca, ou que alguém cá de casa resolve ligar para um deles. Pousei-o no braço do maple. Estendi o meu até ao móvel de apoio e peguei, como quem não quer a coisa, no verdadeiro comando para, finalmente, me despedir do Baião.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

De mãos atadas


Vejo-me, de repente, sem nada para fazer. Ou, por outra, sem poder fazer nada.

Sem computador porque avariou, com a bateria do android em baixo e sem carregador, encontro-me fechada entre quatro paredes aguardando os miúdos que tardam e a pensar que estúpida que fui por não ter trazido aquele texto!

Creio que já não sei estar sem fazer nada. Ou talvez saiba e me incomode apenas o facto de ter tanto para fazer e estar parada.

terça-feira, 22 de maio de 2012

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Ser jovem...


...é ter dentes perfeitos e não lhes ligar nenhuma. Ter uma agilidade felina e achar que todos a têm (junto com o brilho dos olhos e do cabelo).

Ser jovem é ter a certeza que nunca se será de outra forma. É estar convicto dos erros dos outros.

Ser jovem é ter o poder de agarrar o mundo, esteja ele onde estiver, e deixar isso para mais tarde.

É ouvir os outros só para se escutar a si. É ter fé no futuro e não fazer a mínima ideia da força que é preciso para o enfrentar.

Ser jovem é ser leve, prático e feliz. (E, se não é, deveria ser).

Ser jovem é acreditar na eternidade de algo que acaba sem se dar por isso.

Ser jovem é guardar, de tudo isto, o mais que se puder, e nunca desistir.

domingo, 20 de maio de 2012

Uma Jóia


A Confiança é uma pedra preciosa que não se atira, oferece-se a quem de direito. A gente de bem. 

É preciso escolher minuciosamente as pessoas a quem a dar porque, uma vez dada, é terrivelmente trabalhosa a sua devolução. Temos de nos exaltar, de levantar o dedo, de mostrar por A mais B que fomos enganados, que afinal aquela pessoa não merece a nossa Confiança e que precisa de a devolver porque não olharemos para ela com os mesmos olhos, nunca mais.

A Confiança é uma dádiva preciosa. Aproxima-nos mais de quem amamos. Abre as portas da intimidade. Mas só pode ser oferecida a gente de bem. Gente que conhece o teor da palavra, que sabe o quanto ela vale. Gente que sente, tal como nós, que por maior que seja a Confiança, ela nunca ultrapassará o Respeito, muito pelo contrário – acicatá-lo-á. 

sexta-feira, 18 de maio de 2012

As Orquídeas...

...cá de casa, não param de crescer





Não somos gregos, somos portugueses, de lusitana raça


Quando ontem ouvi nas notícias que a quebra no consumo tinha sido bem menor do que aquilo que se esperava e que, consequentemente, a recessão estaria à beira da morte, não absoluta mas relativa, senti o peito inchar de orgulho e pensei – mais uma vez este povo, quase milenário, mostra a sua garra. 

E ainda que me assole a suspeita de publicidade enganosa, é nisto que quero pensar porque é isto que sinto. 

E por muito mal que tantas vezes me apeteça dizer deste país e deste povo, o facto é que ao longo de tanta História estamos carecas de provar que somos Heróis do Mar/Nobre Povo/Nação Valente, Imortal e que Levantaremos Hoje de Novo, se preciso for, o Esplendor de Portugal.

Quais gregos qual carapuça!

“Cale-se de Alexandre e de Trajano/(…)Que eu canto o peito ilustre Lusitano”!!!

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Ser gay


Há uns anos era complicado. Agora parece que é motivo de orgulho!

Não tenho nada contra os gays, como não tenho nada contra os heterossexuais, os bissexuais ou os transexuais. Tenho sim contra outros ais - os das dores, por exemplo. Tenho contra a falta de moral, a maldade, a hipocrisia, a sacanice…enfim, contra todas essas características que existem para prejudicar o outro, ou os outros. Mas com quem é que cada um dorme, não é da minha lavra, nem do meu interesse. Não faz por isso sentido que os gays, só porque de repente a sociedade abriu os olhos e deixou de se importar, tal como eu e pelo menos oficialmente, com quem cada um dorme, resolvam apregoar aos sete ventos a sua vida íntima. 

Qualquer dia é bem ser gay, se é que não o é já!, e os outros que se escondam – não estão na moda. Por acaso alguém já viu declarações públicas de heterossexualidade? 

Homossexuais deste país, orgulhem-se das pessoas que são, não daquelas com quem dormem. Ninguém quer saber disso. Sair do armário não é andar para aí a apregoar aos sete ventos as vossas preferências sexuais, quais putas assumidas.

(Parabéns Zézinho, acabei de saber, pelo Facebook, que és gay. Desejo-te as maiores felicidades.)

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Autarquias

Numa altura em que as autarquias se queixam com falta de verba e os serviços de limpeza vão falhando apoiados nessa desculpa, e não estou a pôr em causa a veracidade da coisa, atenção!, seria inteligente remeter a responsabilidade da manutenção dos espaços públicos a quem de direito - ao público que deles usufrui. 

Não quero com isto dizer que devêssemos andar todos de cu para o ar a apanhar o lixo que os mais selvagens vão largando por esses espaços, ou os dejectos que certos donos deixam na esperança de nunca os pisar, mas que estarei prontíssima a apoiar um decreto-lei que permita às autarquias autuar sem dó nem piedade esses selvagens, e que essa verba reverta a favor da própria autarquia.

A julgar pela forma leviana e porca com que tantos tratam os espaços públicos, estou certa que muitas autarquias rapidamente recuperariam o investimento e, pelo menos até ao momento em que este povinho se civilizasse, ainda conseguiriam arrecadar um belo pé de meia.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Teus olhos castanhos


Chovem notícias. Uns dizem isto. Outros aquilo. É um festival de opiniões, insultos, certezas, de provas provadas, bocas cruzadas, mentes sapientes e olhos que brilham. É fácil fitar as câmaras sem pestanejar. Tão fácil quanto acreditar naquilo que dizem, os uns e os outros. Naquilo que leem. Naquilo que acreditam saber.

Só eu sei cada vez menos. Só eu creio cada vez menos. Só eu hesito no meio de tanta certeza, até ao momento em que sinto e penso que afinal não preciso de acreditar em nada, basta-me gostar, tomar partido. Ao fim e ao cabo, tudo vem e tudo vai, provavelmente do e para o mesmo lugar. Assim grito por quem me agrada. Talvez o dos olhos azuis, quem sabe é mais sincero, ou talvez não…o dos castanhos, é melhor o dos castanhos – que “de encantos tamanhos são raios de luz…”, ao que parece os azuis “são ciúme…”

E nesta açorda, sei eira nem beira, confundidos e ignorantes, andamos nós. Cada vez mais ignorantes. Enquanto os artistas, plenos de destreza, mexem as marionetes que nos entretêm e distraem.



sábado, 12 de maio de 2012

Campo de Malmequeres



Desde os meus dez anos que não via tantos em espaço público. Estas são as traseiras da minha casa e eu não quero que venham cortar nada. Deixem-se estar senhores da câmara, deixem-se estar. E, se vierem, venham com sacos de lixo e varetas que picam. Procurem, por entre os malmequeres, um ou outro bocado de papel que por lá possa andar, mas tenham cuidado, não os pisem muito - os malmequeres são sensíveis.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Morreu Bernardo Sassetti | iOnline

Morreu Bernardo Sassetti | iOnline






Tanta coisa que apetece dizer quando morre alguém ainda jovem, e ainda por cima de acidente. Alguém que ainda tinha tanto para dar. Apetece dizer, Que morte estúpida, inútil...só pode ser um terrível engano.

Mas eu não percebo nada de mortes. Por isso só posso dizer que lamento que alguém ainda tão jovem, e com tanto ainda para dar, tenha desaparecido assim, de uma forma tão desnecessária.




quinta-feira, 10 de maio de 2012

Aqui no mar...


Saí de Cascais à hora de almoço a pensar em como os adultos podem atrapalhar o trabalho das crianças.  

São dezoito. Prepararam uma peça de teatro de fantoches. Escreveram-na; desenharam e construíram os bonecos; decoraram as falas, pelo menos a maior parte delas, e em dois dias aprenderam a mexer os fantoches atrás de um pano preto. Têm dez anos e a peça termina com uma longa canção que eles cantam quase à desgarrada, pelo menos o refrão...

Hoje foi o ensaio geral. Amanhã será a estreia. Todos entram. Todos têm um papel a desempenhar. Por detrás do pano preto o espaço não ultrapassa os três metros quadrados. Uma pequena passagem para uma espécie de closet onde bem apertadinhos se sentam três ou quatro, acrescenta alguns centímetros aos bastidores. São crianças e, por isso, portam-se mal – falam quando deviam estar caladas; embirram umas com as outras e quem está à frente do pano e espera ouvir apenas as vozes dos atores, acompanhadas pelos movimentos dos peixes e algas de espuma pintada com tinta fosforescente, ouve um ruído de fundo. 

Os crescidos não querem ruídos de fundo e decidem que os pequenos devem estar acompanhados por um adulto atrás do palco. Em vez de dez miúdos aos encontrões, passam a ser onze, sendo que um é consideravelmente maior reduzindo mais ainda o já reduzido espaço. O ruído não diminui. Antes pelo contrário. Agora, para além da tábua onde tropeçam sempre que entram e saem do closet e dos chega p’ra lá dos colegas, têm um peso morto a contornar, um corpo grande que, sem espaço para se desviar, não sabe o que fazer de si.

Os miúdos estão melhor sem ele. Atrás do pano preto; sós com os seus bonecos de espuma pintada a tinta fosforescente, dizem orgulhosos as falas e são, por escassos minutos, condes e condessas, criados e senhores – um bando de crianças felizes.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Um mundo de merda


Não, não foi o dia de hoje. Têm sido todos os dias. Todos os dias desde há…não sei, não registei quando começou. Não me apercebi. Este tipo de coisas começam de uma forma subtil, quase como se fossem acidentes – hoje isto, amanhã aquilo, e quando damos por nós estamos atulhados em merda. Ia dizer esterco, mas parece-me mais grosseiro, mais real, mais duro. Prefiro merda. Atulhados em merda. E quanto mais se mexe…pior. Já dizia a minha avó. Ou, por outra, era exatamente isso que dizia a minha avó – Não mexe, para não cheirar. Pois a mim não me parece que isso seja solução para nada. A não ser que queiramos viver em bicos de pés, com um xiu na ponta dos lábios para não incomodar quem se encontra bem sentado, em poltrona de rei, a gozar a sua imerecida sesta. A não ser que queiramos viver de joelhos, para não afrontar quem insiste em ser mais alto mesmo quando para tal não tem altura. A não ser…

E como eu não quero nada disso, mexo na merda. Mexo até ela cheirar mal e só espero que não me abandonem as forças porque é assim que nos comem por parvos – desgastando-nos até ao baixar dos braços. Acreditar que não vale a pena, é perder. Não podemos fazer nada?! Claro que podemos. Ainda podemos. Todos os dias. Nas pequenas coisas. Não podemos deixar que esta máquina infernal nos vença. Não aceitem ficar uma hora de pé de senha na mão à espera de serem atendidos em serviços que vivem dos vossos salários. Não aceitem quando lhes disserem que têm de esperar pela vossa vez para que vos tragam o livro de reclamações quando é precisamente por terem esperado de mais que o querem. Exijam-no. Usem-no. Ele ainda lá está. Deem-se ao trabalho. Não aceitem ser mal tratados, desconsiderados, desrespeitados por organizações que só existem porque vocês existem e que desaparecerão no dia em que todos nós decidirmos parar.

E vocês, que acreditam que só vivendo de joelhos numa obediência cega e autista é que conseguem conservar a merda de empregos onde lhes pagam uma merda de salário e os podem pôr na rua a qualquer momento, acordem. Mexam-se. Percam o medo. Porque pior do que não ter de comer é não ter dignidade e enquanto houver neste mundo gente como vocês haverá gente como eles. E enquanto houver gente como eles, este mundo será um mundo de merda.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O Dia da Mãe

Passou-se entre folhados de frango e rolo de carne, arroz de grelos, muita salada e bolo de laranja. 

Passou-se entre nós – filhos e netos, um pai, duas mães. 

E passou-se também entre notícias, eleições, aniversários jornalísticos, textos em barda, êxtases de esperança e quedas livres, uma bipolaridade que deixa, na maior parte das vezes, tudo mais ou menos na mesma. 

Não, não creio que o mundo mude de repente só porque Hollande substituirá Sarkozi. Pois se ele não muda quando uma larga maioria de habitantes deste planeta quer que mude!

E quererá mesmo?! É que não basta desejar. Tem de se querer.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O meu primeiro poema a ser musicado

O Vitor Paulo foi o primeiro amigo a musicar um poema meu. Depois dele já vieram outros, amigos e poemas, ele musicou uns três ou quatro, o Jorge Trindade, um ou dois e o Juca, vários. Aliás, eu e o Juca trabalhamos, de vez em... quando o tempo deixa. Já fizemos juntos quatro fados, musicados por ele a partir da letra, e estamos neste momento com mais quatro em mãos, que não são fados e que, pela primeira vez, sou eu que estou a escrever por cima do que ele já escreveu, vamos a ver como sai. É um trabalho que me é grato mas para o qual eu ainda não tenho a certeza de prestar alguma coisa. Fiquem-se com a primeira de todas. A estreia. Musicada pelo Vitor Paulo a partir de um poema do livro Se Até o Sangue Tem Água Como deixar de Ser rio, publicado em Setembro de 2004. Espero que gostem.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Os chulos dos empregadores


Hoje sinto-me cansada de um cansaço feito mais de desilusão do que de esforço. É o pior. O outro, a gente dorme e ele passa. Este é miudinho, vai-se entranhando e quando damos por isso estamos derreados, derrotados, pesados, tão pesados que um levantar de mão já custa e um passo em frente…nem se fala. Apetece esticar o corpo, esquecer a mente e abafar o coração antes que seja ele a abafar-nos a nós.

Desilusão. Desalento. Creio que é mais desalento porque iludir, já dificilmente me iludo. É isso – desalento.

Uma pessoa trabalha. Muito ou pouco, trabalha – a maior parte das vezes, muito. Ora se trabalha tem direito a viver condignamente, descansadamente, cabendo-lhe a ela, e só a ela, a gestão dos ganhos. Mas de que forma se pode proceder a uma gestão de ganhos quando os ganhos vêm a conta-gotas?! Quando não se sabe o que vem, quando vem, se pagam, quando pagam! Recibos passados há 60 e há 90 dias, estão por liquidar! Puta que os pariu.

(E aí está! O coração a abafar-me! Eu não disse?...)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Liberdade a metro


Comprei, para a Puca, uma trela extensível. Ofereço-lhe assim a benesse de cinco metros de liberdade, como se alguma vez me tivesse cabido, a mim ou a qualquer um, o direito de lha tirar. Comprei-lhe a possibilidade de se afastar cinco metros de mim depois de ter constatado, à custa de alguns sustos, que a liberdade total é só para quem a sabe tentear. Não pode ser tomada em doses excessivas. Corre-se o risco de incutir no outro um certo receio de descartabilidade. A cadela fugiu-me, foi o que eu pensei, ou alguém a roubou, seria uma outra hipótese, dado que, em liberdade, me desapareceu da vista durante uns intermináveis cinco, vá lá, talvez dez minutos.

Desesperada subi a rua, perguntei por ela a quem me viu, desci a rua outra vez, voltei a subi-la, dei volta e meia ao quarteirão e quando voltei ao parque, lá estava ela, à minha espera. Assim que me percebeu, correu como o vento e deixou-se afagar, confundindo-me – terá sido ela ou eu a desaparecer? 

Fosse como fosse, e pelo sim pelo não, comprei-lhe uma trela extensível. Cinco metros é tudo o que a minha insegurança, por ora, é capaz de conceder.

(À laia de compensação, comprei-lhe uns biscoitos e dois ossos descartáveis. Não calculam como isso me tem aliviado a consciência.)

terça-feira, 1 de maio de 2012

Viver


O sossego é um oásis no meio do deserto das azáfamas; dos compromissos; das responsabilidades; dos cumprimentos (e incumprimentos); dos deveres e dos haveres; das metas; das veredas; dos atalhos da vida. 

É a sombra de uma árvore quando os prédios são o único horizonte, os escapes invadem as narinas; e o ruído sufoca a audição. 

É a mão que afaga quando mais nada o faz. Os braços que envolvem quando estamos prestes a cair. O raio de sol que surge por engano no ínfimo intervalo entre duas nuvens negras. O silêncio da noite que se segue ao dia onde tudo aconteceu com tal intensidade que ficamos incapazes de o enunciar. 

É o espirro que se solta quando a comichão obriga a fechar os olhos. O alívio de um desapertar de calças. A ausência de um soutien. 

É um campo coberto de girassóis e papoilas. É um mergulho no mar e um banho de sol. Uma noite de sono e um despertar a sorrir. É ter a certeza. É saber o que fazer.

Sossego é não ter nada de que ter medo e é por isso que a Coragem habita do outro lado do Sossego. 

Viver é ser amigo de ambos.