Gosto de literatura. É uma paixão como outra qualquer. Não é
que dela saiba muito. O meu filho, pelo contrário, é um especialista. Conhece
tudo quanto é autor e obra, filosofia, corrente de pensamento… Eu, limito-me a
beber o que escrevem quando com eles me identifico ainda que nem sempre tenha
presente o porquê. Bebo-lhes as palavras e faço-as minhas. Adapto-as às minhas
realidades, às minhas verdades. Vivo com elas as coisas minhas, não as dos
autores que não conheço ou conheci e cujos sentimentos ou estados de espírito
nem me atrevo a imaginar. Aliás, já na faculdade eu embirrava solenemente com
os formalistas que se acreditavam capazes de retratar psicologicamente autores
que já cá não estão para se defenderem.
Assim,
agrada-me sobremaneira sentir que, melhor ou pior, lá vou sendo capaz de
despertar sentimentos com as minhas palavras. Não façam, contudo, confusão –
nem sempre o que digo corresponde ao que vivo porque nem sempre, às vezes quase
nunca, a nossa vida interior está ligada à mundanidade do quotidiano.
Ainda assim, todos temos coisas para contar e por muito que
gostemos de apregoar a ausência de arrependimentos, todos temos de que
nos arrepender e, por isso, todos temos culpas e necessidade de perdão.
A grande diferença, talvez, está na direcção que damos às
nossas zangas. Uns sabem que são os principais responsáveis por elas, outros
gostam de acreditar que a responsabilidade é do mundo. Outros ainda, vão
repartindo responsabilidades de forma mais ou menos harmoniosa.
Eu, por exemplo, considero que fui, na minha infância,
vítima neste ou naquele momento. Vítima da ignorância de uns e da loucura de
outros.
A idade adulta é outra conversa. Existem, creio eu,
personalidades que se prestam à vitimização, tal como outras se prestam à
agressão alheia e umas dependem das outras. Se é verdade que não há vítimas sem
agressores, o contrário não é menos real e, exceptuando aquelas agressões
pontuais e inesperadas que qualquer um pode sofrer se estiver no lugar errado à
hora errada, as outras, quando perpetuadas, só o são se ambos, agressor e
agredido, pactuarem na sua continuidade.
Isto para dizer que eu, ao contrário do que possa ter dado a
entender no meu texto anterior, não tenho alma de vítima e se no passado vivi
momentos mais quentes, participei neles em pé de igualdade pelo que sou tão
responsável como.
Quando falo em perdoar faço-o na convicção de ser a única
via para a libertação de culpas, sejam elas nossas ou alheias. Perdoarmo-nos e
perdoar à vida é aceitarmo-nos e aceitá-la como somos e como ela é, e é,
sobretudo, o passo essencial para que possamos, nós e a vida, ser mais
cordatos, mais harmoniosos, mais livres e muito mais felizes.