sábado, 30 de junho de 2012

Segredos muito mal guardados

À entrada deparamos com uma cabeça de Cristo fotocopiada vezes sem conta. Uma daquelas cabeças de risco ao meio, impecavelmente traçado, e cabelos quase louros, revoltos após um brusching de escova larga. Vá lá que os olhos são castanhos e não azuis…

Ao lado canta-se. É uma igreja evangélica que serve a comunidade cigana. São várias as famílias que vão entrando enquanto eu aguardo a chegada dos legionários. Será a minha primeira ronda pelos meandros de uma Lisboa que vive infiltrada na normalidade. O objetivo é distribuir alimentos. A carrinha, com o nome de Jesus Cristo em destaque, vai parando nos lugares habituais. Aqueles a quem as mãos tremem formam filas e repetem pratos de sopa até deixarem de tremer – saciaram a fome, mataram a fraqueza por mais um dia. Amanhã logo se verá.

Dos legionários, nenhum me parece verdadeiro adepto das palavras que a carrinha ostenta. Pouco importa a que associação se oferece o trabalho, o que interessa é que tenha provisões suficientes e meios para as distribuir. O resto…cada um sabe de si que essas coisas das religiões nada valem perante os atos de quem se dispõe a ajudar.

A maioria dos carenciados é composta por homens de meia-idade. Uma ou outra mulher... um ou outro jovem...

Não tenho documentos, queixa-se um a quem a bebida não faltou a julgar pelo bafo que exala, saí da prisão e não tenho documentos. E porque não lhos deram quando saiu? Porque andei fugido sete anos. Incógnito por esse mundo até ser apanhado. Parece demasiado hollywoodesco mas nunca se sabe…a mim gabou-me os óculos e chamou-me miúda, o que só por si comprova o nível de abstração.

Um catraio, que não tinha mais de seis ou sete anos, estendeu os braços à espera de um saco. Habituada a olhar para cima, não o via se não fosse o adulto por trás dele apontar para baixo. Quando olhei, não fui capaz de esconder a minha surpresa. É para ti? Acenou-me que sim, aceitou o saco e partiu. Fiquei a pensar no gaiato o resto da noite. 

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Voltarão os deuses a zelar por nós?

Tudo o que me envolve está ligado ao passado. À doçura das manhãs e ao fresco dos fins de tarde. À calma que vive para lá dos pinhais. Aos doces sorrisos das almas simples. À terra e ao mar. Às redes cheias de peixe desaguando na areia da praia.

Tudo o que me envolve está ligado ao passado dos homens – tão longínquo que me ultrapassa!

E fico sem saber como se chegou aqui. Quando é que tudo se complicou? Quando começámos a retirar as mãos da terra? Quando deixámos de sentir o mar? Quando foi que deixámos de nos ver? Já ninguém desfruta as sombras dos pinheiros! O que foi que nos aconteceu? Voltarão os deuses a zelar por nós?

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Europeu - 2012

Eu vim aqui com intenção de dedicar duas ou três palavrinhas aos nervos de ontem. Mas esta menina resumiu tudo tão bem que não vale a pena dizer mais nada.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Joana Vasconcelos

É portuguesa, gordinha, muito simpática e uma muito grande artista. 

A primeira vez que a vi foi há alguns anos, em Tavira. Ela tinha por lá uma exposição e acompanhava os visitantes, sempre pronta a esclarecer, a explicar como fez e porque fez o que fez.

Hoje está onde português nenhum esteve e onde vários artistas sonham estar e não conseguem.

Fica aqui a exposição do Palácio de Versailles. Um orgulho nacional e uma prova de que um artista não acaba no término das suas obras mas expande-se pelos lugares onde as coloca.

Ora vejam AQUI.

"Ou paga agora ou se não paga, fica sem carta e sem dinheiro..."

Abro o mail que todos os dias me traz o resumo diário da empresa e as primeiras frases que leio – “Aproveite as oportunidade de Verão antes que o sol se ponha”; “Pede já o teu cartão gratuito(…)” –  recordam-me urgências que quero esquecer. Urgências, como estas, impostas ao longo do tempo e falsas, fictícias. Urgências que só servem a quem vende e nada mais. Sejam produtos ou serviços, as urgências só servem a quem vende porque o tempo de viver ao ritmo certo acabou há muito. Acabou no momento em que se instituiu um ritmo universal feito de prazos atrás dos quais corremos e para os quais vivemos. Por vezes sinto que a vida, a vida mesmo, se processa entre os prazos de pagamento disto e daquilo. Respiro fundo sempre que liquido o que é para liquidar e relaxo numa clara intenção de prolongar esse relaxamento. Mas logo logo me aparecem mais contas, com outros prazos, e parece que os intervalos entre elas são sempre, e cada vez mais, apertados.

domingo, 24 de junho de 2012

São João

Lá fora tocam todas as marchas e santas cantorias sobre Lisboa ir ladina e cheirar bem. Há gente que dança e outra que não. Há gente às varandas e gente que não. Em noites como esta em que o dia já passou a outro dia, eu rendo-me às evidências e vou-me entretendo até que se desliguem as aparelhagens e eu possa enfim dormir. Já me inclinei sobre o gradeamento lá de fora, trauteando as mesmas músicas e balançando a cintura num gesto de aceitação, de cumplicidade mesmo, dizendo de mim para mim que quando não os podes vencer o melhor mesmo é juntares-te a eles.

Um pouco afastadas da festa estão quatro adolescentes que teclam incessantemente nos pequenos aparelhos de onde não levantam nunca os olhos, enquanto a maioria dos folgazões se mantém sentada à espera sabe-se lá de quê. No meio de tanta algazarra, reparo agora, só um ou dois pares se mantém estoicamente na pista de dança. Se calhar já desligavam o aparelho, apagavam as luzes, tiravam os carros de cima da relva e punham-se a mexer para a casinha deles. Se calhar já era uma boa, pararem com os festejos. Não estamos no Porto pelo que o S. João, que apesar de ser santo não é omnipresente como Deus, não está por estas bandas. Por isso…ponham-se a mexer que eu quero ver se durmo qualquer coisinha. 

(Até porque já se estão a repetir. Os corpetes já passaram tantas vezes por aquelas colunas que já não são três. São, pelo menos, nove...)

sábado, 23 de junho de 2012

Vida de cão

Há que tempos que as horas dos seus passeios diários não coincidem com as dos seus amigos – os que já fez e aqueles que fará assim que a oportunidade surgir.

Empoleirada na varanda, chora ao vê-los passar, os que já são, e grita para quem não conhece ainda na esperança de se fazer conhecida.

Lá fora, procura ansiosamente as marcas frescas de quem por lá passou, na esperança de decifrar mensagens, cartas que lhe deem novas dos seus amigos e, sempre que encontra alguma, agacha-se para lhe responder.

Eu limito-me a parar à espera que o seu olfato as identifique e lá vou abrindo exceções quando ela, à minha frente, se apressa no rasto.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

PORTUGAL

A Puca desiludiu-se. Com as donas aos pulos na sala, os gritos vindos de fora e as vuvuzelas, que mais parecem cacilheiros em dias de nevoeiro, a vuvuzarem que nem desgraçadas abafando as vozes das crianças que entre sopros vão gritando POR-TU-GAL-POR-TU-GAL, convenceu-se que saía à rua e encontrava festa da grossa.

Afinal os portugueses gritam, mas portas adentro. Na rua não se via vivalma.

Mas ganhámos. E com distinção, na minha opinião de leiga que suou desgraçadamente e só não roeu as unhas porque não calhou. 

Saber viver

As situações sucedem-se (não quero chamar-lhes problemas para não dar azar), enfiadas umas nas outras como se a vida fosse apenas isso mesmo – uma correnteza de situações atadas umas às outras com episódios engraçados pelo meio e cujo número varia no sentido descendente, a maior parte das vezes.

Acreditando num futuro e hipotético sossego, dedico os meus dias a abafá-las, que é como quem diz, a resolvê-las, às situações, na presa que acabem, na ânsia do sossego. Em vão. Atrás de uma vem a outra! As sacanas não param de aparecer.

Foi neste quadro que acordei esta manhã – a pensar nas ditas, na perda de energias e no despropósito, já para não falar no engano a que o universo pode incorrer sempre que ponho tanto entusiasmo na sua resolução – Olha, esta gosta disto! A vida para ela é isto mesmo, embora lá dar-lhe mais do mesmo!

E foi nesse momento que acordei.

Não gosto nada. Não quero nada. Quero outra coisa. Quero férias; quero sossego; quero praia; quero amigos; quero até namorar, se for caso disso; é isso que quero. Não quero situações a empecilhar-me a vida ou a tirarem-me o sono. Mas, já que elas fazem, também, parte da dita e, por isso mesmo, nunca me livrarei delas, nem eu nem ninguém, decidi deixar de lhes dar importância. Pelo menos para já.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Farta! Fartinha! E muito, muito zangada!

Já aqui falei disto, até mais do que uma vez. Mas é um assunto que mexe tanto comigo que não posso deixar de o fazer uma e outra e outra vez, na esperança, sempre lograda, de que o meu sussurro, que eu queria que fosse grito, mude o estado de coisas. Que as pessoas se envergonhem, se ainda souberem o que isso é; que reconsiderem, se conhecerem o significado; ou reflitam, mais difícil ainda.

Hoje toda a gente garante. Eu garanto-lhe isto; garanto-lhe aquilo; garanto-lhe aqueloutro… Pela minha parte podem meter as garantias naquele sítio onde o sol não brilha. Não me garantam nada. Surpreendam-me.

Antigamente a palavra era tudo o que um homem tinha. Às mulheres, como não tinham praticamente nada, ninguém exigia coisa nenhuma, nem mesmo a palavra. Com o tempo, todas as garantias passaram a ser postas no papel. Quanto às palavras, empurradas para segundo plano, deixaram de ter peso e começaram a ser levadas, cada vez mais facilmente, pelo vento, pela brisa e, agora, até pela simples expiração. Já não pesam nada. Nada! O que significa que todos podemos dizer o que muito bem nos aprouver em dado momento já que não é o que dizemos que conta mas as circunstâncias em que podemos, ou não, cumprir com o que dissemos. E tão dependentes estamos das circunstâncias, que temos forçosamente de compreender os incumprimentos alheios, mesmo aqueles que se encostam, confortavelmente, às ditas.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Coisas de mãe

Ontem foi ela, hoje foi ele. Dois adultos. Independentes. Olho-os à procura de traços comuns e recordo a época em que cresciam dentro de mim e depois, quando nasceram, tão frágeis, tão dependentes.

Ontem foi ela, hoje foi ele. Olhei-os como se os visse pela primeira vez e amei-os tanto que se esgotaram as palavras.

Serão felizes? Terei feito um bom trabalho? Talvez aquilo que faltou em sabedoria tenha sido compensado nos genes. Genes lutadores de quem não se entrega às desgraças da vida porque acredita que ela é muito mais do que isso – meras desgraças.

Se pudesse repetir as proezas, não repetiria certos atos. Há coisas que faria hoje de modo diferente, nisso não me distingo dos demais. Não há quem não saiba isso, quem não sinta isso – se fosse hoje faria assim e assado, diferente do que fiz. Grande feito! Mal seria se assim não fosse! O que teria eu andado por cá a fazer este tempo todo se persistisse nos mesmos atos, nos mesmos erros? Se não tivesse aprendido que aquilo em que acreditei era apenas a ignorância dos tempos? E quão ignorante seria eu agora se acreditasse que hoje saberia o que fazer? Faria diferente, claro. Mas faria melhor? Não faço ideia! Como disse Kant, para isto resultar deveríamos ser educados por seres superiores. Extra terrestres talvez. Ou deuses, quem sabe?

Pouco importa os erros, se os houve, se foram grandes ou pequenos. O que importa é se as marcas que deixaram permitem ou não um novo e autónomo plano de vida, é isso que determina a sua dimensão - a capacidade de ser feliz.

E eu olhei os meus filhos e perguntei, És feliz?, e fiquei a saber que mesmo que o sejam não são tanto quanto aquilo que deveriam ser, porque são meus filhos e a única coisa que quero para eles, a única, é que sejam imensuravelmente felizes. E isso, eu não fui capaz de lhes dar.

sábado, 16 de junho de 2012

Espelho meu, espelho meu...

Sempre que o mundo nos atira à cara aquilo que já sabemos mas queremos esquecer, ficamos mal dispostos e dispostos a tudo. Até a virar as costas ao mundo.

Chateia e dá trabalho esta preocupação constante com cumprimentos e lealdades. A integridade é coisa que não assiste a muita gente de agora e basta uma ligeira brisa para que aquilo que ontem foi, já não o ser hoje.

A liberdade cresceu e sempre que algo cresce, cresce de mais. É preciso dar-lhe tempo para que encontre a sua ideal dimensão. Pese embora o facto de ela continuar a terminar onde começa a do outro, a dúvida está nesse começo. Agora que eu consegui conquistar a minha e ela vai até onde eu quero, não abro mão, não estou para isso.

E neste constante fechar de mãos viramos nós as costas ao mundo que nos vai virando as costas também, deixando que se entreponha, entre nós e ele, o espelho do terrível incómodo.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Retiro espiritual

Estive mesmo para lhe chamar greve, mas depois pus-me a pensar que greve é uma coisa que se faz para reivindicar uma outra e eu não tenho nada para reivindicar, por isso conclui que o que se passa mesmo é que estou há oito dias em retiro espiritual. E vou continuar porque ainda não consegui permanecer lá sem interrupções pelo meio.

Não me apetece ler ou escrever nada por aqui, por isso, durante o tempo que me aprouver, limitar-me-ei ao estritamente necessário.

Até breve. Obrigada pela vossa compreensão.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

As fotocópias mais caras do mundo

Acabei de pagar 10,40 € por duas páginas e meia de extratos bancários, a preto e branco!

Note-se que a meia página foi cortesia do funcionário que me atendeu. Oferta, portanto.

Já sabem, se precisarem de um extrato bancário do ano passado, daqueles aos quais vocês já não têm acesso, mas eles sim, basta pagarem 5,20€ por unidade, e pronto – ficarão a saber para onde foi o vosso dinheiro, tudo aquilo que, provavelmente, gostariam de esquecer. E pela módica quantia de cinco euros e vinte. 

Pensar que cobro zero pelas fotocópias que tiro lá no Centro! Sinto-me tão idiota que estou sem palavras. Cinco euros e vinte!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

E não é que consegui?!

Não vou minimizar o feito. Porque o faria? Saiu-me das entranhas. Existiram momentos em que cheguei mesmo a acreditar que o esforço mas arrancaria. Não o vou minimizar. Não vou na conversa de certos uns que para aí andam convencidos que o esforço foi todo deles. Gentinha que gosta de apregoar que as dificuldades foram ficando pelo caminho à medida que eles foram avançando, esquecendo que as dificuldades não existem em simultâneo para todos e que com o tempo se desvanecem. Não vou minimizar o feito. Que é tão grande quanto a minha condição de pessoa deixada sozinha a lutar pela vida em idade imprópria – outro conceito estranhíssimo mas muito real nas mentes das gentes. Não vou minimizar o feito. Foram três anos de luta e eu venci. Viva eu.

terça-feira, 5 de junho de 2012

O que nos move?

Não é bem a intenção, é mais a motivação. Independentemente dos resultados das acções, ou das próprias acções, dou valor à motivação. O que é que me move para isto ou para aquilo? Isso é que é importante. Como é importante saber o que move os outros a serem, para mim, assim ou assado.

O que me interessa a mim certos favores se trazem rabos com eles, se não se extinguem naturalmente deixando custos na coluna dos “deves”? Nada. Não me interessam nada. Não obrigada. Se não é de vontade, de boa vontade, se trazem rabos de interesses, não os quero.

É que eu sou daquelas que corre a acudir a quem precisa, sempre que pode, e que se esquece logo a seguir. Não aceito nada por menos. Não, obrigada.

sábado, 2 de junho de 2012

das festas de fim de ano


Quando eu era miúda faziam-se as festinhas de Natal dos colégios, não faço ideia se as escolas públicas tinham alguma coisa desse género, não andei em nenhuma a não ser quando passei para o Preparatório, e como também não me lembro de mais nenhuma festa infantil a partir dessa altura, depreendo que não existia essa tradição.

Agora, as escolas públicas fazem festas, às quais dão o pomposo nome de saraus, de fim de ano, muito por caturrice de certos professores de música. Aliás é provável que daqui a uns anos se comecem a erguer estátuas e a escrever versos aos professores de música, tal tem sido a influência exercida nos comportamentos e nas culturas.

Falta-lhes, ainda e contudo, a estreita colaboração do resto do pessoal docente que tem o hábito de guardar para a última hora os preparos de festas que acabam por sair coladas com cuspo (eis uma expressão deveras útil para muitas das coisas que se fazem por este país fora), sem primor ou brio, sem grande exigência, acabando por transmitir às crianças uma mensagem do tipo: não se preocupem, não têm de ter muito trabalho ou empenho, qualquer coisa serve, levando-as assim a acreditar que basta subir a um palco e olhar os que na plateia aguardam, para serem já estrelas brilhantes num qualquer céu.

Festas de fim de ano em que filas de miúdos se estendem pelo palco sem saber o que fazer, enquanto um rádio roufenho transmite música estridente e dois professores, sentados de pernas cruzadas, orquestram sozinhos, deveriam ser proibidas. É muito bonito, e até estimulante, apresentar a todos os pais as “habilidades” dos filhos. Seria deveras proveitoso e verdadeiramente educativo apresentar-lhes algo que prendesse, realmente, a sua atenção, como, por exemplo, os filhos a darem espectáculos dignos de serem vistos por serem o resultado do esforço e do empenho de quem os fez.