domingo, 30 de setembro de 2012

Borboletas no estômago


A todos aqueles que estremecem com a simples referência à infância que foi a deles. Àqueles cujas memórias desses primeiros anos de vida são as mais queridas, as que provocam borboletas – sim, há memórias que provocam borboletas na boca do estômago. A esses, cujo regresso é tão desejado que basta um cheiro um nome uma imagem, quero dizer que é possível. É possível voltar a sentir essas borboletas, essa confiança, esse conforto que a infância deu, a quem deu. É possível, sim. Mas esse retorno não é gratuito – traz consigo a dor de não saber o que fazer a tudo o que está no meio, entre o que foi e o que é.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Insurreição política desarmada


Há algo neste padre que me entusiasma e algo que me faz ficar expectante. Creio que se trata do entusiasmo do poder e da expectativa das coisas virem a melhorar - aquela que me fez ficar em casa até ao passado dia 15. 

O poder é embriagante, seja para os governantes seja para as massas e eu sou demasiado racional para me deixar levar assim, tão facilmente (?). No entanto, é bem capaz de ser de boa utilidade guardar esta espécie de discurso despertador de sentimentos antagónicos. Quem sabe não será útil num futuro próximo e, para além disso, há nele uma verdade indiscutível - as massas detêm um poder que raramente usam e do qual, muitas vezes, nem têm consciência.

Consciencializemo-nos pois.





quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"Você é tão linda"

seguido de um nome, lugar, número de telefone escrito duas vezes, uma por baixo da outra como se fossem dois, e um pedido de desculpas: "Desculpe se a ofendi", não é, de todo, aquilo que esperamos encontrar preso no limpa pára-brisas. Publicidade; ofertas de compra; multas; admoestações...tudo, menos declarações de opinião(?) muito menos quando já se passou a barreira do meio século.

Não, não me ofendeu. Mas assustou-me. Assustou-me o suficiente para eu andar uns dias a olhar por cima do ombro. 

Esta nova ordem doméstica


Ontem, queixava-se uma amiga da inutilidade do marido. Desempregado de longa duração, exerce uma atividade ligada ao imobiliário que anda, ultimamente e como todos nós sabemos, pelas ruas da amargura.
Ela, lutadora de gema, que sustenta vai para três anos a casa, a empresa, os vícios…, dizia que o que mais lhe custa é a passividade do bicho que, para além de não se mexer em busca de alternativas, se deixa ficar sentado em frente à televisão à espera que ela chegue, cansada por mais um dia de trabalho, para fazer o jantar.
Préstimo, zero. Mais-valias – nenhumas.
Não está sozinha. E se antigamente eram as mulheres a ficar em casa  a servir o marido. Hoje são eles que se vão deixando ficar, sem servir seja quem for.
Não falo, graças a Deus, destas novas gerações que cresceram a ver pai e mãe a trabalhar e cuja mentalidade se encontra a milhas daquela que nos criou a nós – os cinquentões e por aí adiante, habituados a uma mordomia que as mulheres foram alimentando mesmo tendo de trabalhar fora de casa e levando para dentro da mesma alguns trocos, ainda que não os mesmos porque a trabalhos iguais não correspondiam salários iguais, e nem sei, na verdade, se já correspondem mas temo bem que não, pelo que me resta desejar que as diferenças não sejam tão gritantes quanto o eram há trinta anos.
Falo precisamente dos desempregados de meia-idade para quem nada mais resta do que esperar pela reforma, com ou sem direito a subsídio. Falo desses desempregados sortudos cujas mulheres, muitas delas por iniciativa própria, se vão lançando a trabalhar para que não falte o pão na mesa. É desses que falo. E hoje, quando pelo correio eletrónico recebi uma série de fotos da antiga Crónica Feminina com conselhos tão úteis como: “’A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas, servindo-lhe uma cerveja bem gelada. Nada de incomodá-lo com serviços ou notícias domésticas’ (Jornal das Moças, 1959)”, veio-me à ideia que se calhar estamos na altura de lançar uma Crónica Masculina com conselhos que ajudem os nossos homens, coitados, a sobreviverem neste mundo de mulheres trabalhadoras. Caso contrário, não sei que futuro os aguarda. É que já não é a primeira vez que oiço por aí desabafos de zanga e verdadeira saturação…

Tapar o sol com a peneira


Numa época em que o défice de atenção, o desinteresse e a desmotivação não param de crescer, vêm uns cérebros brilhantes com soluções à distância convencidos de que o que falta são os métodos passíveis de serem transmitidos via internet ou em cardápios de soluções à la carte ao dispor do consumidor em qualquer escaparate.
Vale tudo menos a assunção da responsabilidade que temos na distância cada vez maior que se interpõe entre pais e filhos;  professores e alunos;  adultos e crianças.
É que é essa distância a responsável pelas crises de indisciplina que tanto brado têm dado nos meios educativos. É essa distância a responsável pelo desinteresse e a desmotivação da maior parte das nossas crianças. É essa distância, essa impessoalidade; essa ausência de afeto que os afastam cada vez mais de nós e daquilo que acreditamos ser necessário ao seu crescimento; à sua preparação para enfrentar um mundo que todos os dias muda e de tal forma muda que ninguém sabe, nem prevê, como será aquele que os agora mais do que jovens terão de enfrentar.
Uma coisa é certa – a proximidade, o interesse, o afeto são ferramentas estruturantes preciosíssimas que nenhum ensino à distância poderá algum dia substituir.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A verdade tem muitas caras e esta é, sem dúvida, uma delas

Não sei quem é este senhor, nem sequer sei se existe. Mas o texto é bom e eu dificilmente resisto a um bom texto.

Recebi-o via e-mail, e porque a verdade tem muitas caras e sobre a verdade devemos sempre reflectir, aqui vai,  tal e qual o recebi:



A trapeira do Job
José António Barreiros, advogado
Isto que eu vou dizer vai parecer ridículo a muita gente.
Mas houve um tempo em que as pessoas se lembravam, ainda, da época da infância, da primeira caneta de tinta-permanente, da primeira bicicleta, da idade adulta, das vezes em que se comia fora, do primeiro frigorífico e do primeiro televisor, do primeiro rádio, de quando tinham ido ao estrangeiro.
Houve um tempo em que, nos lares, se aproveitava para a refeição seguinte o sobejante da refeição anterior, em que, com ovos mexidos e a carne ou peixe restante, se fazia "roupa velha". Tempos em que as camisas iam a mudar o colarinho e os punhos do avesso, assim como os casacos, e se tingia a roupa usada, tempos em que se punham meias-solas com protectores. Tempos em que ao mudar-se de sala se apagava a luz, tempos em que se guardava o "fatinho de ver a Deus e à sua Joana".
E não era só no Portugal da mesquinhez salazarista. Na Inglaterra dos Lordes, na França dos Luíses, a regra era esta. Em 1945 passava-se fome na Europa, a guerra matara milhões e arrasara tudo quanto a selvajaria humana pode arrasar.
Houve tempos em que se produzia o que se comia e se exportava. Em que o País tinha uma frota de marinha mercante, fábricas, vinhas, searas.
Veio depois o admirável mundo novo do crédito. Os novos pais tinham como filhos uns pivetes tiranos, exigindo malcriadamente o último modelo de mil e umgadgets e seus consumíveis, porque os filhos dos outros também tinham. Pais que se enforcavam por carrões de brutal cilindrada para os encravarem no lodo do trânsito e mostrarem que tinham aquela extensão motorizada da sua potência genital. Passou a ser tempo de gente em que era questão de pedigree viver no condomínio fechado, e sobretudo dizê-lo, em que luxuosas revistas instigavam em couché os feios a serem bonitos, à conta de spas e de marcas, assim se visse a etiqueta, em que a beautiful people era o símbolo de status, como a língua nos cães para a sua raça.
Foram anos em que o Campo se tornou num imensoressort de Turismo de Habitação, as cidades uma festa permanente, entre o coktail party e a rave. Houve quem pensasse até que um dia os Serviços seriam o único emprego futuro ou com futuro.
O país que produzia o que comíamos ficou para os labregos dos pais e primos parolos, de quem os citadinos se envergonhavam, salvo quando regressavam à cidade dos fins de semana com a mala do carro atulhada do que não lhes custara a cavar e às vezes nem obrigado.
O país que produzia o que se podia transaccionar, esse, ficou com o operariado da ferrugem, empacotados como gado em dormitórios, e que os víamos chegar mortos de sono logo à hora de acordarem, as casas verdadeiras bombas-relógio de raiva contida, descarregada nos cônjuges, nos filhos, na idiotização que a TV tornou negócio.
Sob o oásis dos edifícios em vidro, miragem de cristal, vivia o mundo subterrâneo de quantos aguentaram isto enquanto puderam, a sub-gente. Os intelectuais burgueses teorizavam, ganzados de alucinação, que o conceito de classes sociais tinha desaparecido. A teoria geral dos sistemas supunha que o real era apenas uma noção, a teoria da informação substituía os cavalos-força da maquinaria pelos megabytes de RAM da computação universal. Um dia os computadores tudo fariam, o Ser-Humano tornava-se um acidente no barro de um oleiro velho e tresloucado que, caído do Céu, morrera pregado a dois paus, e que julgava chamar-se Deus, confundindo-se com o seu filho e mais uma trinitária pomba.
Às tantas, os da cidade começaram a notar que não havia portugueses a servir à mesa, porque estávamos a importar brasileiros, que não havia portugueses nas obras, porque estávamos a importar negros e eslavos.
A chegada das lojas-dos-trezentos já era alarme de que se estava a viver de pexisbeque, mas a folia continuava. A essas sucedeu a vaga das lojas chinesas, porque já só havia para comprar «balato». Mas o festim prosseguia e à sexta-feira as filas de trânsito em Lisboa eram o caos e até ao dia quinze os táxis não tinham mãos a medir.
Fora disto, os ricos, os muito ricos, viram chegar os novos ricos. O ganhão alentejano viu sumir o velho latifundário absentista pelo novo turista absentista com o mesmo monte mais a piscina e seus amigos, intelectuais, claro, e sempre pela reforma agrária, e vai um uísque de malte, sempre ao lado do povo, e já leu oNew Yorker?
A agiotagem financeira, essa, ululava. Viviam do tempo, exploravam o tempo, do tempo que só ao tal Deus pertencia, mas, esse, Nietzsche encontrara-o morto em Auschwitz. Veio o crédito ao consumo, a Conta-Ordenado, veio tudo quanto pudesse ser o ter sem pagar. Porque nenhum Banco quer que lhe devolvam o capital mutuado, quer é esticar ao máximo o lucro que esse capital rende.
Aguilhoando pela publicidade enganosa os bois que somos nós todos, os Bancos instigavam à compra, aoleasing, ao renting, ao seja como for desde que tenha e já, ao cartão, ao descoberto-autorizado.
Tudo quanto era vedeta deu a cara, sendo actor, as pernas, sendo futebolista, ou o que vocês sabem, sendo o que vocês adivinham, para aconselhar-nos a ir àquele Balcão bancário buscar dinheiro, vendermo-nos ao dinheiro, enforcarmo-nos na figueira infernal do dinheiro. Satanás ria. O Inferno começava na terra.
Claro que os da política do poder, que vivem no pau de sebo perpétuo do fazer arrear, puxando-os pelos fundilhos, quantos treparam para o poder, querem a canalha contente. E o circo do consumo, a palhaçada do crédito servia-os. Com isso comprávamos os plasmas mamutes onde eles vendiam à noite propaganda governamental e, nos intervalos, imbelicidades e telefofocadas, que entre a oligofrenia e a debilidade mental a diferença é nula. E, contentes, cretinamente contentinhos, os portugueses tinham como tema de conversa a telenovela da noite, o jogo de futebol do dia e da noite e os comentários políticos dos "analistas" que poupavam os nossos miolos de pensarem, pensando por nós.
Estamos nisto.
Este fim-de-semana a Grécia pode cair. Com ela a Europa.
Que interessa? O Império Romano já caiu também e o mundo não acabou. Nessa altura, em Bizâncio, discutia-se o sexo dos anjos. Talvez porque Deus se tivesse distraído com a questão teológica, talvez porque o Diabo tenha ganho aos dados a alma do pobre Job na sua trapeira. O Job que somos grande parte de nós.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Beijos e beijinhos


Cheguei à conclusão que não gosto de beijinhos. Irritam-me.
Afinal o que é um beijinho? A escandalosa secundarização, a minimização, a redução de algo verdadeiramente importante e arrebatador que é o beijo.
Beijinhos são para as crianças. A essas sim, dão-se beijinhos. Aos adultos dão-se beijos e apertos de mão. Por mim, ficar-me-ia pelos apertos de mão e guardaria os beijos para outras finalidades o que, a propósito, me leva à realidade da faltinha de jeito da maioria…mas enfim, isso tem cura.
Quanto aos beijinhos velados – dêem-nos às criancinhas.
Beijinhos no lugar dos beijos é que não. Fica tudo muito pequenino.

Farta de bichos! ele é bichos por todo o lado!


Tenho um bug no computador. Ou isso, ou é vírus. Não sei precisar. Só sei que me incomoda mais do que aquilo que seria normal. Digo eu…

Nem é a coisa em si, que dispara janelas volta não volta – já disparou mais, que eu tenho feito tanta coisa que o bicho anda mais manso. Digo eu…

Mas dispara sempre, ou quase sempre, que quero fechar esta merda! Uma janela horrível a dizer que um programa está em execução e que não posso assim, de qualquer maneira, mandar fechar a loja! Mas quem é que ele pensa que é para me dizer quando posso ou não posso fechar aquilo que é meu?!

É que é isso que me incomoda. Não é cá o facto de ter de carregar em mais um botão. É esta intromissão. Este desautorizar-me! Olha que porra! Sou ou não sou eu a dona do computador?!

É que ando mesmo irritada com isto! Já tirei, já pus. Já procurei por tudo quanto é ficheiro, e programa, e escondido, e à vista…nada! Não consigo dar com o estupor.

Estou mesmo a ver que não passo sem carregar o aparelho até à clínica. É que me dá cabo dos nervos saber que tenho um intruso a passear por aqui!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Um síndroma chamado Gabriela


O meu ex-marido, homem claramente mundano, tinha o costume de chamar Gabriela a quem se manifestasse adversa a esta ou àquela alteração de caráter que ele considerasse importante se não mesmo indispensável. Fazia-o, portanto, com muito despeito.

Baseava-se este epíteto na canção, mais do que na personagem – “eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, serei sempre assim…Gabriela!” - ainda que esta, apesar de todos os atrativos que descarrega sobre o sexo oposto, despertasse nele sorrisos de condescendência, daqueles que soltamos por quem não alimentamos grande respeito – é tonta, coitada…

Hoje, ao rever a criação do autor, e verde de inveja, pergunto-me o que há para não gostar?! Gabriela tem tudo, e vive feliz sem nada. Poder ser! Só ser! Que inveja!  

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Será falta de sensibilidade, despeito ou apenas uma grande dose de estupidez?!

De que forma se pode dizer a pessoas de responsabilidade como, por exemplo, o presidente da câmara de Lisboa, que esta não é uma boa altura para experiências, que as pessoas não estão com paciência para tal, que andam pelos cabelos, que o que querem mesmo é a sua vida de volta e que tudo aquilo que ainda não mudou se mantenha inalterável. Como é que se diz uma coisa destas a alguém, que supostamente já o devia saber, sem o ofender? Alguém me diz?

domingo, 16 de setembro de 2012

Orgulho no meu país!

Desde o primeiro 1.º de Maio, o de 1974, que eu não saía à rua. Sou uma pessoa paciente. Acredito no empenho de quem governa e gosto de pensar que se as coisas não estão tão bem quanto gostaríamos que estivessem não é por má vontade, nem por incompetência - pelo menos grave e recorrente, porque pontual todos temos o direito de a ter - mas por impossibilidade. Como o de muitos portugueses, o meu copo encheu. E transbordou. E, ontem, saí. Saímos. Todos. Ou quase todos. Espero que o governo não faça de conta que não aconteceu nada. Porque não é coisa pouca quando a paciência de gente como eu, paciente, se esgota. E somos muitos. E provámos, ontem, pelo país fora, que somos especiais. Não somos gregos, nem britânicos, nem árabes, nem franceses, nem nórdicos...Somos portugueses, orgulhosos de nós. Aqui fica o que vivi ontem. Lamento o amadorismo do video. Fiz o melhor que sei (até agora).

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Uma questão de fé


Estou prestes a chegar à conclusão que sofro de alguma inépcia vivencial.

Para se viver é preciso possuir certas capacidades práticas que eu, a julgar pela inquietação quase permanente em que vivo, não possuo.

Creio que a maior parte das pessoas que conheço acreditam que a inquietação faz parte do meu amor pela vida e que não saberia viver sem ela. Como se enganam! O que eu dava para prolongar eternamente os momentos de paz que tenho nos curtos intervalos!

Não. A questão não é essa. A questão não passa por uma marca de carácter. Passa, isso sim, pela incapacidade de distância do mundo, porque, na verdade, motivos de inquietação existem, sempre existiram e sempre existirão. A questão é ser capaz de viver com eles, lado a lado, mantendo-me serena. Não nas aparências porque nessas, por vezes, sou até plenamente abraçada por essa serenidade exagerada e falsa que leva a baixar o tom de voz à medida que o de outros aumenta. Mas no íntimo, no coração, na alma. 

São momentos de pouca fé, esses em que vacilo! Momentos de pouca fé. E a fé, quer se queira quer não, é fundamental à vida.

(curiosamente no momento em que acabei de escrever estas linhas, antes mesmo de as publicar, recebi as notícias que precisava para serenar. Se isto não é milagre, não sei o que será.)

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Se perguntarem por mim digam que morri.


Não, não se trata da manifestação de uma vontade mórbida. Não quero morrer. Só quero que não me chateiem. Que me deixem estar. 

Quero refugiar-me num canto verde, povoado por pinheiros, onde um riacho caia suave, sem grande alarido, e os pássaros piem apenas. 

Quero estar sentada num lugar assim, com uma brisa fresca a afastar-me do rosto os cabelos e viajar recostada, em busca do tempo perdido

domingo, 9 de setembro de 2012

Sudeste asiático


O meu filho anda a conhecer o mundo e isso assusta-me tanto quanto me entusiasma ter um filho que não tem medo de sair por aí, a conhecer o mundo.
No meu peito mistaram-se o medo e o orgulho, mas só este último pervalece e cresce – ele anda a fazer o que eu gostava de ter feito. O que eu gostava de ter tido coragem de fazer.
Ainda assim, não vejo o dia de o ter outra vez por cá, abraçado a mim.

 

Independência ou morte!

Não sei se é dos tempos que vivo se do local onde passei a trabalhar aos domingos, e num ou noutro dia em que precisem de mim, mas é agora, mais de meio século passado sobre o meu nascimento, que a língua se me solta e os impropérios, que antes me faziam corar, me parecem mais apropriados do que nunca, eu diria até – insubstituíveis.
 
Que se fodam os contribuintes, dizem eles. Que se fodam eles, digo eu. E se não conseguir em tempo útil realizar aquele sonho, que não é velho porque não se afigurava lógico mas que é recorrente, de me independentizar destes cabrões, hei-de morrer a tentar. Quanto menos eu precisar deles, menos moça me fazem.
 
E se estão confusos com a verborreia, eu passo a explicar.
 
Vivo num bairro (odeio a palavra urbanização), que conta apenas com uma saída, e uma entrada evidentemente, civilizada, i.e., feita de estrada esfaltada onde as viaturas podem circular sem sofrerem danos; e uma outra, de emergência digamos assim, feita de terra batida, mais caminho do que estrada, que deixa os carros empoeirados e dá cabo dos pneus e da suspensão, obrigando a uma condução ébria de forma a evitar as sucessivas crateras que nela se instalaram há muito.
 
Ora, volta não volta, a um domingo qualquer, que já não é o primeiro, as autoridades decidem fechar a estrada esfaltada e, sem mais nem menos, sem qualquer "desculpe lá o incomodo", impedem-nos de sair daqui a não ser que queiramos afogar o automóvel no mar de terra batida.
 
A falta de respeito não tem limites! Querem lá saber se a gente paga impostos! Querem lá saber se somos cidadãos! Aliás, neste país, todos os cidadãos se estão rapidamente a transformar em cidadãos de terceira. Não é de segunda, atenção! É de terceira!
 
Foderam-se porque, ao dar a volta, verifiquei que afinal aqui no bairro há um mini mercado que abre ao domingo. Estamos a mais de meio caminho de nos tornarmos independentes e não precisarmos deles para nada.

Isto foi anteontem, mas anteontem eu não tinha computador

Um anúncio de declaração de guerra não teria mais impacto nem geraria mais ansiedade do que a declaração que o nosso primeiro-ministro proferiu na televisão.
 
Engasgou-se várias vezes durante as notas introdutórias onde tentou enunciar os factos positivos, ou melhor, as premonições e desastres mascarados de factos positivos e metas alcançadas.
 
Seguiram-se justificações do que está para vir, sempre apoiadas nas medidas a impor às empresas de forma a reduzir a desemprego, como se alguém ainda acreditasse nessa possibilidade.
 
Toma lá com 18% para a Segurança Social que baixa para as empresas e sobe para os trabalhadores – 7%. Não é nada, é só mais um salário que se vai ao fim do ano. No sítio onde trabalho houve quem dissesse que valia mais seguir para o desemprego – sai mais barato. É que pelo menos não se gasta dinheiro em almoços e gasolina…
 
Todas as pessoas que conheço se queixam do mesmo – ainda não se ouviu, em declaração nenhuma, de que forma vai o Estado contribuir para esta crise. Em conversa com um amigo que trabalha há vinte anos numa câmara municipal e que receia dar a cara, fiquei a saber que quando ele entrou para lá existiam dois diretores. Hoje existem dezanove. Todos de carro, chofer e gasolina a rodos.
 
Talvez estas palavras soem a frouxo já. Soem a vulgar. A queixinhas, mariquinhas pede salsa. Mas é que o cansaço mina e os braços tendem a deixar-se cair. Cada medida que sai cá para fora para enterrar ainda mais a maioria de nós, a partir de um determinado momento só nos enfraquece, só nos anestesia ainda mais, estrebuchamos no momento, dizemos umas asneiras, manifestamos fantasias de morte por afogamento, tiro ou explosão, mas no dia a seguir, ou nos sentimos um bocadinho mais fracos, ou regressamos àquele lugar de crença, ou ambos. E tal como os judeus seguimos como cordeiros para o matadoiro.
 
No entanto, podemos dormir descansados. Penso que, para já, não nos cremarão. Limitar-se-ão a tirar-nos, primeiro, o pão da boca.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Como todos os animais


Bem, não sei se serão todos mas os primatas, por exemplo, sem dúvida…

Então, como todos os primatas (fica melhor assim), os homens da pré-história aqueciam-se uns aos outros, catavam-se, abraçavam-se, tocavam-se sem medos ou preconceitos, e embora não haja registos do nível de felicidade que sentiam, basta ver A Guerra do Fogo para percebermos a estreiteza dos laços que uniam os membros de cada tribo, a forma simples e vigorosa como se amavam, se apoiavam, se defendiam dos maus.

Depois aprendemos a escrever, inventámos moralidades, construímos cidades e vieram as pestes.

Lá se foram os abraços e os beijos. Lá se foram as manifestações de carinho.

Tornámo-nos frios e distantes, com medo do contágio. E nunca mais nos aproximámos como antigamente – no tempo da pedra lascada.

Mesmo assim a minha geração fez alguns progressos e abraçou e beijou os filhos, ainda que sem conhecimento de causa.

Agora vive-se um outro fantasma – o da pedofilia.

Quase que se podem ler os letreiros nas testas das crianças – Não Tocar!

Um dia destes, quando tiver tempo, vou averiguar se já houve, ou há, algum crânio que tenha estudado os malefícios que a ausência de manifestações físicas de afeto tem trazido para a humanidade.

Desigualdades avassaladoras


As notícias abrem com o futebol. Compras e vendas de jogadores. Transações na ordem das dezenas de milhões de euros. 

Não deixa de ser irónico que num mundo onde a miséria vê já a luz do dia e os descalabros económicos se sucedem, os clubes de futebol continuem a ter dinheiro para comprar jogadores. 

E não deixa de ser irónico, eu diria até cruel, que esse mundo, tão aparte da realidade, nos entre ostensivamente pela casa adentro todos os dias.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Portugal - Cuba


Há cerca de 14 anos, em Havana, surpreendeu-me o contraste entre a escassez dos meios e o cuidado que os habitantes da cidade punham na preservação da mesma.

Surpreenderam-me os edifícios transformados em habitações duplas. Que é como quem diz, de um andar faz-se dois - o pé direito era de tal forma grande que permitia que um apartamento albergasse duas famílias, uma por cima outra por baixo, tendo-as a separar um chão de tábuas apenas suficientemente forte para aguentar os moradores das alturas.

No entanto, tudo estava limpo e pintado – os gradeamentos; as casas; os carros…Os carros! Verdadeiras antiguidades! Dir-se-ia que passeávamos numa qualquer rua de NY, em pleno Verão dos anos de 1930. Nas ruas não se viam papéis a esvoaçar, nem sacos de plástico, nem bostas de animal. Sentia-se o extremo cuidado de quem sabe que não pode renovar e tudo faz para preservar o que tem.

Já lá vão 14 anos, mais coisa menos coisa.

Agora, de dia para dia, vejo degradar-se à minha volta uma paisagem que já tive como certa. O lixo, ainda há dias (ou serão meses?) recolhido regularmente, verte dos recipientes acabando por divagar pelas ruas, ao sabor da brisa porque já é tanto que nem precisa de vento. A relva secou e os malmequeres tiveram o mesmo destino. Aliás, nem as ervas daninhas se livram do braseiro porque que os sistemas de rega, tão meritoriamente distribuídos pelos espaços que se queriam verdes, foram danificados pelos condutores.

O calcetado protesta com o peso dos automóveis libertando-se das pedras que já poucos sabem repor. De resto, nem compreendo esta insistência em manter uma calçada que se desfaz constantemente! As pedras soltas, ou semi-soltas são obstáculos perigosos para quem já mal levanta os pés.

Não me recordo de ver Havana com estes olhos! Não sei quantos anos levaram os cubanos a perceber a importância de preservarem o pouco com que ficaram.

Estamos à espera de quê? Quantos de nós já perceberam que as coisas mudaram? Quantos de nós já perceberam que os homens do lixo não vêm todos os dias; que os serviços camarários estão cada vez mais fracos; que as construções estão praticamente paradas e que aquele empreendimento que estava prestes a nascer e prometia andares maravilhosos vai ficar suspenso até as infraestruturas se degradarem. Quantos de nós já perceberam que já lá vai o tempo da descontração porque se pagamos aquela taxa é para eles limparem as ruas, limparem os esgotos, manterem os espaços verdes, recolherem o lixo?! Quantos de nós já perceberam que a paisagem à nossa volta se degrada e que nós, atarefados habitantes, para isso contribuímos, sempre na esperança de que a tal taxa seja suficiente para colmatar a nossa descontração, incivilidade, desresponsabilidade...Pois fiquem a saber uma coisa: NÃO É.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Urgente!


Hesito quanto ao critério a utilizar na ordem da execução das várias tarefas que tenho listadas. Agora, que me esgotei fisicamente em modificações e arrumos, pergunto-me se não poderei, se não deverei, fazer a vontade aos meus apetites. A urgência é algo de muito relativo. Toda a gente sabe isso. Quantas e quantas vezes nos atazanaram o juízo com coisas urgentes que depois de feitas ficam a aguardar pacientemente a sua vez. Afinal onde estava a urgência?! Porque me levantei eu tão cedo?! Nunca lhes aconteceu? A mim acontece-me amiúde. Talvez por isso tenha feito sempre os possíveis por ser amável com as minhas vontades. O que é que me apetece fazer?, é o que costumo perguntar, quando tenho tempo para isso evidentemente. Ele há certos particulares cuja urgência é tão premente, ou tão intensamente revelada, que me apanham desprevenida e fico sem tempo para indagar sobre as minhas vontades. Faço e pronto. Mas há outros, aqueles cuja urgência não é bem urgência, é uma coisa híbrida – um prazo mais apertado, por exemplo; um era bom se pudesse ser já; um dava-me tanto jeito; um vê lá que só temos até ao fim do mês…nesses casos costumo esperar pela última semana, não é por nada, mas é uma forma de acreditar na urgência – ter apenas dois ou três dias para realizar algo que poderia ter levado um mês. E ficaria melhor? Não. Apenas teria contribuído para aquela sensação de nunca poder estar sossegada, de ter sempre qualquer coisa para fazer.

Hoje comecei por aqui. Vamos lá ver o que é que me apetece fazer a seguir.

domingo, 2 de setembro de 2012

Ele há coisas do diabo!


Por vezes questiono-me se o tempo realmente passa e se estamos tão distantes dos nossos bisavós quanto gostaríamos de estar. 

O tempo, tal como o espaço, só existem porque nós existimos e nós somos tão pequenos que 100 ou 200 anos nos transcendem. Mas a História, o cerne da História, não a forma, não os meios, mas o seu conteúdo, não muda assim de um século para o outro.

Parte da importância que damos à crise, às dificuldades, às mudanças que ocorrem durante a nossa existência, só a damos porque precisamente ocorrem durante a nossa existência. Mas se pensarmos que elas têm ocorrido sempre ou quase sempre, que não passam, na verdade, de meras repetições, saberemos que depois de nós, outros virão que terão, provavelmente, os mesmos dilemas ou, se não os mesmos, outros muitíssimo parecidos. 

Vale a pena pensar nisto. Vale a pena tentar perceber o porquê de tanta repetição; o que é que ainda não percebemos?

Deixo-vos com um pequeno fragmento de Proust, Marcel (1902). Em Busca do Tempo Perdido – À Sombra das Raparigas em Flor (Vol.II). Lisboa: Relógio d’Água Editores. (p. 50):

“Num tempo como o nosso, em que a complexidade crescente da vida mal deixa tempo para ler, em que o mapa da Europa sofreu remodelações profundas e está talvez em vésperas de sofrer outras ainda maiores, em que tantos problemas ameaçadores e novos se levantam por toda a parte, hão-de conceder-me que temos o direito de pedir a um escritor que seja coisa diferente de um belo espírito que, em discussões ociosas e bizantinas sobre méritos de pura forma, nos faz esquecer que de um momento para o outro podemos ser invadidos por uma dupla vaga de bárbaros, os de fora e os de dentro. Eu sei que isto é blasfemar contra a sacrossanta escola daquilo a que esses senhores chamam a arte pela arte, mas na nossa época há tarefas mais urgentes que organizar palavras de uma forma harmoniosa.”

sábado, 1 de setembro de 2012

Sou rica


Já vivi o suficiente para ter as memórias espalhadas pela cidade.

E que maravilha é sentir meus os espaços! Saborear recordações que são só minhas e deles, de mais ninguém, porque as recordações não são os momentos, são as recordações. Os momentos a gente partilha, as recordações são só nossas, assim como uma coisa muito íntima que só nos pertence a nós e ao espaço onde a vivemos e esse, o espaço, não pode falar. É por isso que as recordações são tão preciosas.