segunda-feira, 30 de julho de 2012

Fuga

Os livros não me julgam. Não querem saber quem sou, como sou, porque sou. São de uma generosidade imensa. É com o tudo que me dão que me esqueço de mim.

Fotos antigas


Às voltas com papéis antigos, cartas, postais e recados, em versos de fotos a preto e branco, relembro nomes, caras e momentos e nesse relembrar dói-me o coração pela distância e pelo medo de já não existirem senão nomes e fotos e cartas e postais que trazem memórias de tempos distantes.

Faço contas e sobressalto-me nas possibilidades – passaram tantos anos, em cima daqueles que já se tinham, será que ainda é viva? Será que ainda existe, que respira o mesmo ar que eu respiro por enquanto? Onde estará? Com quem estará? Será feliz?

E a mim? quantos mais me restarão?

Quantos eixos de simetria existem numa circunferência?


Tantos quantas as linhas que se estendem de um olhar a um objeto, por exemplo a uma árvore, ou mesmo a uma montanha porque, tal como as linhas que se traçam na circunferência se encontram presas ao eixo central, também nós, e o nosso olhar, circulamos presos a um eixo imaginário que nos obriga a andar em círculos, mesmo quando acreditamos que no nosso percurso existem vértices e arestas que nos provam o limite de possibilidades e de pontos de vista.

Esta é, a par de tantas outras, uma das estratégias que adotamos para fazer ver a nossa razão, para sermos aceites, para trazermos para o nosso lado gente que vê, e sente e pensa como nós, já que acreditamos que só é possível amar aqueles com os quais nos identificamos, quando sabemos, de fonte segura, que por vezes amamos terrivelmente seres que não olham, nem veem, nem sentem o mesmo que nós e com os quais nos recusamos a identificar, mesmo que a natureza nos diga que não temos outro remédio. 

E são a ignorância e o orgulho que não nos deixam ver as inúmeras possibilidades que existem nessas relações, se nos agarrarmos ao amor e aprendermos a aceitar o outro pelo que ele é e não por aquele que nós achamos, ou gostávamos, ou queremos que ele seja. Os pais e os filhos não se escolhem, amam-se e aceitam-se, ou não. E quando não, é uma infelicidade, uma tristeza, porque ninguém é feliz sem ver feliz quem mais ama, assim como não pode existir felicidade no coração daqueles que têm de escolher entre o que são e aquilo que os que amam gostavam que eles fossem.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Isto também é crescer


Sou, genuinamente, uma dessas pessoas cuja felicidade depende mais do bem-estar dos que lhe são próximos do que propriamente do seu. 

Fico feliz com a felicidade alheia. Na verdade eu poderia viver sem grandes realizações, se vivesse rodeada de gente feliz que me levasse a reboque, que me sustentasse.

Essa espécie de dependência, tão nociva como qualquer outra, tem prejudicado o meu caminho. 

Imagine-se que alguém que amo se sente infeliz com uma escolha minha, ainda que essa escolha me faça feliz a mim. Nesse caso, a dependência de que falei obriga-me a um desvio, a uma desistência, porque é mais importante para mim o sorriso de quem amo do que o meu próprio bem-estar. Porque a minha escolha passa a parecer-me descabida, quase de imediato. É que nem sequer desisto por altruísmo!, desisto porque, de repente, a escolha deixa de ser boa - como é que pode ser boa se faz infeliz quem amo?! E a felicidade de quem amo sobrepõe-se, assim, à felicidade da escolha.

Hoje, dei o primeiro passo para me libertar. Detesto dependências.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Livros e dores no pescoço


Ando, há cerca de três dias, de volta de Proust e de Yalom, alternando Em Busca do Tempo Perdido, que transporto para todo o lado, quer perspetive assento ou não, e O Carrasco do Amor e outras histórias sobre psicoterapia que me prende a esta máquina em que vos escrevo.

As saudades que tinha de devorar aquilo que me apetece eram tantas que o entusiasmo, pelo facto de estar finalmente a acontecer, me deixa o corpo de tal forma rígido que mais parece que engoli um cabo de uma vassoura. As dores, que entretanto se depositaram no pescoço, são tão severas que nem os quatro adalgures que engoli ontem e mais os dois que já engoli hoje me valeram de alguma coisa. É claro que não poderei saber da sua severidade se não os tivesse tomado, mas sinto-as sobretudo quando não estou a ler e é por isso, por essa capacidade que os livros têm de me tirarem daqui, que os amo, não acima de tudo, mas acima de muita coisa.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Os sonhos


De entre as inúmeras possibilidades que temos de ver e sentir a vida, ocorrem-me duas que considero importantes e que se prendem com as repercussões que a vida tem em cada um de nós.

Viva-se o que se viver, temos sempre duas hipóteses in extremis - ou as experiências nos marcam de tal forma que dedicamos o tempo que nos resta a evitar tudo o que se lhes assemelhe; ou fazemos delas fontes de aprendizagem e acreditamos que estamos e somos cada vez mais capazes de chegar àquele destino com que sonhamos desde cedo, ainda que muitos de nós acreditem ter morto o sonho sem saber que isso não é possível, os sonhos não se matam, só se realizam ou não e, quando não, transformam-se em feridas que doem sempre que um cheiro, uma música ou um pôr-do-sol os revela. E para aqueles que dizem nunca os ter tido, saibam que todo o mundo sonha mas que uns se lembram mais dos sonhos do que outros.

Eu sou do segundo tipo. Esse que acredita estar cada vez mais perto do lugar onde o sonho se guarda porque gosto de pensar e penso sempre em tudo, passo a vida a perguntar porquê que isto aconteceu assim?; porque é que isto não aconteceu assado?, e isso permite-me ir registando os erros e é assim que cresço e é assim que sei que quando me propuser a realizar um sonho fá-lo-ei de uma forma muito mais segura e muito mais capaz e transformarei o sonho em realidade, numa realidade maravilhosa.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Da igualdade das mulheres


Igualdade?! Que igualdade?!

Em pleno século XXI ainda há quem mutile bebés fêmeas. Chamam-lhe excisão e faz parte da tradição em certos países islâmicos. 

Esta intervenção consiste na amputação total dos lábios vaginais bem como do clítoris de forma a que apenas reste um orifício para urinar e procriar. 

Como se tal não bastasse, as mulheres, meninas ainda, são dadas em casamento a homens que têm, muitas vezes, quatro vezes a sua idade e que as forçam a ter relações sexuais até conseguirem engravidar. Como o ato, para a jovem, não passa de um sacrífico dadas as dores e o sangramento que muitas vezes o acompanha, o homem, crente de que está a cumprir a sua obrigação, pode contratar outros homens para imobilizarem a esposa de forma a que o objetivo seja cumprido.

Shakspeare dizia que “existem mais coisas entre o céu e a Terra do que sonha a nossa vã filosofia”. Pois, tristemente, existem mais coisas por detrás dos véus e das burcas do que aquelas que a nossa imaginação, por fértil que seja, pode imaginar.

E se alguém acha que exagero. Espreite aqui.

Variações à volta do IMPOSSÍVEL


Por momentos pensei que esta palavra tinha sido riscada do dicionário. Depois percebi que não, que eram os meus olhos que se recusavam a vê-la, tal é a aversão!

Adjectivo uniforme, significa, segundo o Dicionário de 2009 da Porto Editora, o “que não é possível; que não pode existir; que não pode realizar-se; irrealizável; que é estranho e invulgar, aparentemente desafiando as leis da razão (…)”, matematicamente falando, o impossível reduz-se a uma equação ou problema sem solução.

De todos os dicionários que tenho cá em casa, este é o único que não acrescenta à definição da palavra, a não ser no que se refere à Matemática, o seguinte: “…demasiado difícil de fazer ou conseguir (Houaiss); muitíssimo difícil de fazer ou conseguir (Grande Dicionário da Língua Portuguesa – José Pedro Machado); aquilo (…) que é de grande dificuldade (Lexicoteca – Círculo dos Leitores).

Ora estas definições deixam em aberto possibilidades que o Dicionário da Porto Editora ignora – a possibilidade dentro da impossibilidade. É difícil, tudo bem. Mas não é IMPOSSÍVEL.
Nesse caso estamos perante uma palavra cuja realidade não existe. A palavra existe para definir algo que não existe – o impossível.

Foi isso que tentei explicar hoje a um garoto que gosta de pronunciar a palavra e que, mais grave ainda, acredita nela! 

É claro que não lhe expliquei assim! Não sou doida! Antes lhe recordei todos os impossíveis da História que se foram tornando, ao longo do tempo, em vulgaridades e fi-lo ver que tudo indica que será sempre esse o caminho dos ditos – mais cedo ou mais tarde, tenham lá eles o grau de dificuldade que tiverem, acabarão por se transformar em banalidades.

António Lobo Antunes


Sempre gostei das crónicas do Lobo Antunes. Em contra partida não consigo ler nenhum dos seus romances. Já tentei. Palavra que tentei. Os Cus de Judas; Exortação aos Crocodilos; A Ordem Natural das Coisas; não entres tão depressa nessa noite escura...enfim, tenho-os cá todos mas nunca consegui ler nenhum até ao fim. Perco-me nos meandros das mentes complexas, por vezes tortuosas, dos personagens, e desisto. Não desisto de uma assentada. Não. vou desistindo devagarinho, como quem não admite que falha, vou-me enganando assim durante alguns dias até que dou a mão à palmatória e os arrumo na estante sempre com os marcadores lá metidos, não vá um dia querer voltar a tentar – um dia quando for mais velha, mais sábia, mais paciente – e saberei então até onde consegui ir quando não era capaz.

As crónicas…Ah! as crónicas são outra conversa!

Dizem tudo o que penso! Até parece que o estupor (que me perdoe o escritor, não é depreciativo, antes pelo contrário – contém mesmo uma certa ternura) me adivinha os pensamentos.

Foi o que aconteceu com a crónica da Visão do dia 31 de Julho de 2008 – As Mulheres têm Fios Desligados. Diz ele que crê que os homens, na verdade, não gostam das mulheres. Pois foi o que eu sempre senti, ou quase sempre. Talvez por isso não tenha nenhum ao meu lado, lamentavelmente.

domingo, 15 de julho de 2012

O Festival de Teatro de Almada


Falei tanto que quase esgotei as palavras que expressam a raiva que trago contida e que se manifesta apenas nestas alturas, em que escrevo, e naquelas como a de ontem, em que oiço certas verdades.

O festival de teatro de Almada é um acontecimento que já arrasta consigo um certo prestígio que não lhe vem apenas da antiguidade mas da verdade de ser um bom festival. Tenho sempre pena de não assistir mais do que aquilo que assisto mas ontem tive a sorte de ser convidada por um muito querido amigo que me pagou a entrada, ato que vem tomando cada vez maior relevância nos dias que correm.

Em cima do palco, um casal de meia-idade discute as verdades escritas em obras de autores como Kant, Marx, Maupassant ou Flaubert, obras que organiza por temas – a revolução francesa, a russa, a americana… - O objetivo prende-se com a necessidade de “ matar todo o conhecimento anterior e partir do zero”.

Para além de um excelente desempenho da parte dos atores, os textos são inspiradores e, pelo menos em mim, despertaram essa raiva que trago guardada contra uma pequena minoria humana no meio da qual se passeiam políticos, gestores, advogados e muitos que ou não são nada ou não se sabe, simplesmente, o que são mas que nos esmifram do alto do seu poder conseguido à custa de quem trabalha.

Eu sei, parece um discurso de esquerda. Não é. Pelo menos desta esquerda que conheço. Para mim estão todos dentro do mesmo saco e, pelo que pude presenciar ontem, não estou sozinha.

No final da peça os espetadores, que eram muitos mais do que aqueles que teriam cabido na sala do Teatro de Almada e que encheram a estrutura montada no pátio da D. António da Costa, levantaram-se num acordo total, aplaudindo o que tinham acabo de ver e ouvir, e assim se mantiveram até ao momento em que foi anunciada a presença, nesse mesmo palco, da presidente da câmara que colou à cadeira de presidente um cú que tem crescido ao longo destes vinte anos, ou serão mais?!, de presidência,  apesar do partido a que pertence se dizer de esquerda. O silêncio só não grassou por compaixão, foi a sensação que tive. Mas diminuiu a muito mais de metade. Resta saber se a meia dúzia que bateu palmas sem grande convicção o fez por piedade ou por receio.

Uma grande amiga minha, que pertence a essa classe que tem trabalhado e conseguido, graças a isso, uma vida estável, mas que se vê agora cada vez mais ameaçada, não só na qualidade de vida mas nos valores que sempre defendeu, comentava não há muito tempo o despropósito e o despudor de certos ganhos. Chega-se a um ponto, dizia ela, em que o dinheiro é já tanto que não serve para nada! Já não há nada que se queira, muito menos que se precise. Chega-se a um ponto que ele só serve para acumular e esperar que venham gerações de gente para o estoirar, enquanto outras estendem a mão à caridade, mesmo que trabalhem de sol a sol!

Ainda há quem acredite que um dia, daqui a muitos anos, porque tudo se faz devagar, a maioria à qual pertencem as pessoas como eu, terá garantida uma vida digna. Eu sinto que isso só acontecerá quando o bem for capaz de pisar um pouco o território do mal e certa gente, que é má, começar a apanhar grandes sustos e cada vez maiores até perceber que não pode mais ser má porque o mundo é dos bons.

E para aqueles que não percebem este linguajar do Bem e do Mal, para esses a quem estes termos remetem para um certo esoterismo e não devem, por isso, ser levados a sério, então pensem que é tempo de mostrar a quem nos rouba descaradamente, a quem nos explora de todas as formas e feitios e a quem se crê superior, gente a quem, ao fim e ao cabo, nós, os tansos, temos dado poder, que não estamos satisfeitos. Mais! que não consentimos que as coisas se mantenham assim. É tempo de começar a encarcerar gente. Literalmente. É tempo de nos pormos ao alto com a forma como a justiça funciona. É tempo de parar com este gozo, porque é disso que se trata – somos marionetes de uma corja que não merece os nossos votos, muito menos os nossos aplausos. Somos marionetes de uma corja que não merece sequer a nossa paciência e só uma extraordinária preguiça, que infelizmente grassa pelas nossas hostes, permite este estado de coisas. É tempo de IMPOR equidade. A bem, ou a mal.

A democracia – este tipo de democracia que vivemos por cá, se não pelo mundo -, está conspurcada, é promíscua, está subvertida. Há que inventar, ou recriar, outra, ou outras, formas de organização. Forma, ou formas, que não permitam ganhos astronómicos a ninguém, seja para cima seja para baixo. Forma, ou formas de organização, que estabeleçam tetos salariais máximos e mínimos e os cumpram, escrupulosamente. Forma, ou formas, que efetivamente castiguem prevaricadores e que se pautem por códigos morais e éticos. Forma, ou formas, que primam pela sua humanidade.

É tempo de dar o poder àqueles que são os bons e que, porque o são, têm andado escondidos e tímidos, crentes que um dia alguém os virá, de novo, libertar. Pois a bondade de nada nos serve se continuarmos a ser piedosos com quem é mau. É essa a arma que tem sido usada contra nós e tem resultado! Se tem resultado! É tempo de aparecer, sem medo de gritar.

Afinal onde andam vocês?! 

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Ressaca


Tivera eu tempo
Para ler todos os livros
Beber todas as palavras
Embebendo os seus sentidos

Tivera eu tempo
De aprender e de ensinar
As palavras 
De quem sabe o que diz

Mas sonhar é meio caminho
Como querer é encontrar


Vim a pensar no quão difícil é ultrapassar a rotina e ter sempre um novo olhar sobre tudo o que nos rodeia.

Não sei se é do calor ou do cansaço, ou da preguiça que ambos plantaram em mim, mas sinto-me uma espécie de autómato que depois do seu percurso não se recorda por onde andou.

Hoje fiz um esforço para me concentrar. Após várias tentativas ocorreu-me que talvez a técnica da meditação seja a adequada – estar tão presente que o Ser imerge no espaço, passando a fazer parte dele -, será uma forma de ver e sentir tudo como se fosse a primeira vez. Mas tive medo de me afastar demasiado desta realidade que acreditamos ser a nossa e espetar-me com o carro numa esquina qualquer.

É uma técnica que tenho de apurar, a da meditação em andamento. Creio que houve uma altura em que a apliquei e resultou. 

Não há dúvida que tenho andado demasiado ausente da Terra. Porque é isso que acontece sempre que nos centramos num objetivo específico – afastamo-nos da realidade.

Neste momento, estou de ressaca. Que é como quem diz – estou de regresso.


quarta-feira, 11 de julho de 2012

Da licenciatura do ministro. Da Segurança Social. E do que por aí se diz.


São tantas as coisas que por aí se dizem sobre tudo e mais alguma coisa! Sem grande precisão científica todos sabem de tudo, todos opinam, e misturam-se as críticas de quem tem conhecimentos para as fazer, com as conversas de café, num diz que disse sem fundamento, só para alívio da crescente frustração de quem neste país trabalha e vê minguar os meios sem saber muito bem porquê e, muitas vezes e cada vez mais, sem querer saber porque o desgaste já se faz sentir a quem anda de cá para lá a pedir explicações.

Tanta confusão, ao invés de me dar vontade de participar, paralisa-me. Não quero ser vulgar, e ser vulgar é falar por falar, ser um simples eco do que por aí se diz, mais uma voz que vai perdendo o fundamento de tão misturada que fica. Muitos instrumentos a tocar ao mesmo tempo, sem um maestro que os dirija, provocam um ruído cansativo e incompreensível.

Não posso, no entanto, deixar de referir certos particulares que, ou eu ou os meus, vamos testemunhando em primeira mão, e a partir deles questionar os porquês, porque mais do que o barulho, é o questionamento que pode, e leva, a alguma compreensão. 

Esquecemo-nos vulgarmente que, por estranho que pareça, o barulho em demasia serve os interesses de todos aqueles que esse mesmo barulho julga atacar, porque nos dispersa e nos “adormece” no ruído, fazendo-nos acreditar que ele é suficiente quando na verdade nos consome as energias que deveriam ser empregues em ações.

E dito isto passo aos factos, que são os meus ainda que não invulgares. 

Aos meus pais foi-lhes retirado cerca de 30% do subsídio de férias. Sim, eu sei que há quem não o receba, mas os meus pais são reformados da Segurança Social. Nunca foram funcionários públicos. Ainda assim, tudo bem. Se tiram a uns, tiram a outros. Não é essa a questão. A questão é a falta de informação A GRITANTE falta de informação. 

A minha mãe deslocou-se à Segurança Social para perceber o que se passava. Veio de lá a saber que o governo não tinha nada a ver com isso; que o corte era da responsabilidade da SS, mas ninguém lhe soube explicar porquê nem para quê.

A casa estava repleta de gente a protestar pelo mesmo e uma das funcionárias chegou mesmo a gritar, alto e bom som, enquanto atendia um desses protestos: Ó minha senhora, esqueça os 700 euros! Esqueça-os!, a Segurança Social não lhos vai devolver! 

A minha mãe, com oitenta anos, teve vontade de virar costas – não se pode fazer nada, estou aqui a perder tempo, eles fazem o que querem e sobra-lhes o que eu aqui estou a perder.

Quanto à polémica sobre a licenciatura do ministro de Estado, não me estranha o reconhecimento profissional. O que me estranha é a forma como, aparentemente, foi creditado. A mim informaram-me, na Universidade de Lisboa, que eu poderia requerer algo semelhante. Para tal, teria de elaborar um dossiê com vários trabalhos dirigidos às unidades curriculares que eu entendesse e cujos conteúdos abarcassem as matérias dessas mesmas unidades. Eu preferi fazer a coisa de forma tradicional porque acreditei que não sabia tudo e que há sempre qualquer coisa para aprender. Não me enganei. Quando queremos, podemos ir beber conhecimento a qualquer lado, e ouvir certos professores é sempre um privilégio. 

Todos os dias sinto que sou manipulada e que nada posso fazer. Aliás, todos os dias sinto que somos manipulados e que pouco ou nada podemos fazer. Mas não creio que seja verdade – a parte de não podermos fazer nada. É fundamental que comecemos a ler o que se passa à nossa volta, sem qualquer tipo de preconceito, e por preconceito entenda-se partidarismos ou interesses particulares – conscientes ou inconscientes. É fundamental que cada um de nós se liberte do ruído, se esqueça um pouco de si e se sintonize com o todo que somos nós. É fundamental que se alertem as consciências para o facto da divisão e do conflito servir sempre meia dúzia e, ao fazê-lo, colocar em causa não só a nossa humanidade, mas a nossa existência. É fundamental perceber o QUÊ e o PORQUÊ. O que está por detrás do que se passa?! A quem serve este estado de coisas? 

É isso que é fundamental. Nesta altura do campeonato já pouco interessa a licenciatura do Relvas ou o roubo do BPN. O que interessa mesmo é percebermos o que está por detrás de uma época que, mais uma vez, nos arrasta para conflitos onde, mais uma vez, nos deixaremos cair e onde, mais uma vez, morreremos, de uma maneira ou de outra, para, mais uma vez, defendermos interesses que não são, nem nunca foram, os nossos. E quando digo os "nossos" refiro-me aos da humanidade em geral. É sobre isso que devemos pensar. E é sobre as conclusões a que chegarmos que deveremos delinear estratégias. Não nos deixemos levar por quem já provou muito bem saber como se manipulam as massas.

terça-feira, 10 de julho de 2012

A extraordinária ventura de ser humano

Arrepiaram-se? Quase quase que lhes saltou uma lagrimita? Emocionaram-se? Então ainda há esperança para a nossa espécie.

Desconstrução


A alegria é uma coisa contagiosa pelo que todos deveríamos estar em contacto com ela o maior número  possível de horas, de dias, de semanas, de meses... 

Um nascimento. A resolução de um problema que críamos insolúvel. Um sorriso de paz e de satisfação. Um coração a transbordar de amor. Um brilho no olhar. Tudo isso contagia sobrepondo-se ao lado negro da vida, dando-nos, mais do que esperança, a certeza de que a luz existe e a lembrança de que se o negro é a mistura de todas as cores e a ausência de luz, para o transformar só temos de as separar, às cores, e de lhes ir dando, devagar, um pouco de luz.

Há uma palavra que tem aumentado a sua relevância ao longo dos tempos – desconstruir. Desconstruamos pois.

                                                             Foto: Rodrigo F. Pereira

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Mitos


Há uma certa virgindade que nasce com a idade. Uma espécie de pudor que cresce à medida que os anos passam e que, ao contrário daquilo que por aí se apregoa, força ao recato até a mais descontraída das mulheres.

Não tenho conhecimento de qualquer tipo de estudo sobre o assunto, falo por mim. Mas como não me considero nenhuma exceção, pelo menos não mais do que a exceção que cada um é, idiossincraticamente falando, depreendo que outras existem a sentir o mesmo que eu.

A descontração, chamemos-lhe assim ainda que se trate de um eufemismo, quando advém de uma grande autoestima, ou confiança no impacto que certas características físicas têm sobre o outro, tende a perder-se à medida que o corpo muda e a autoestima se desvanece. É claro que há sempre quem goste de afirmar que ela cresce noutro sentido e que esse sentido é suficiente para transformar uma cinquentona numa mulher decidida que sabe o que quer, vai com quem quer, enfim – decide. Tretas! Uma cinquentona vive, ou pode viver, aterrorizada com o impacto que sua aparência possa ter no outro e, a não ser que seja amada e que saiba, e sinta, que o é, regride ao tempo em que o outro era forçado a trabalhos por vezes hercúleos para a conquistar.

Há uma certa virgindade que nasce com a idade.

domingo, 8 de julho de 2012

Um bom conselho


Creio que, para uma maior sanidade mental, se devem acabar de vez com as expectativas. Raramente se cumprem e deixam-nos num estado de frustração perfeitamente evitável, bastando, para isso, não esperar nada de nada nem de ninguém. 

E se o nosso caráter insistir na sua criação porque a vida sem expectativas não merece ser vivida, então convém fazer de tudo para que as ditas se debrucem sobre o presente e nunca se estendam para além disso.

Desta forma assegurar-se-ão momentos de uma muito maior qualidade e evitar-se-ão tristezas e desilusões. Mais! - dada a qualidade do presente teremos muito mais hipóteses de se cumprirem expectativas que nem chegaram a ser tecidas.

sábado, 7 de julho de 2012

Violência doméstica


As mulheres que são vítimas de violência doméstica, que por poucas que fossem seriam sempre muitas e como são muitas são de mais, veem-se obrigadas a sair de casa com os filhos e a procurar abrigos próprios ou, no caso de se encontrarem esgotados como se encontram normalmente, a recorrer à proteção da Segurança Social que as coloca, e aos filhos, em pensões de frequência duvidosa onde por vezes dormem uma noite e regressam a casa porque entre a agressão do marido e o vexame da pensão, antes a primeira.

O que eu não compreendo é porque é que são as vítimas a ter de abandonar a casa. O que eu não compreendo é porque é que essas bestas que descarregam frustrações, medos e incapacidades em cima das mulheres, e por vezes dos filhos, não são algemadas e levadas elas para lugares longe de quem agridem. Porque é que são as vítimas a ter de sair de casa. É isso que eu não compreendo.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Às tosquiadoras de cães


Impressionada com o calor que a cadela deveria sentir debaixo de tanta lã, resolvi pedir orçamentos para tosquia, com banho, sem banho, com limpeza de ouvidos e corte de unhas… Todos me pareceram astronómicos para um trabalho que apenas requer uma máquina apropriada. E esta afirmação, antes de vir de mim, veio da minha filha que com uma expressão de extrema confiança no olhar me afiançou: Isso é muito fácil. A Ana já me explicou. Começa-se pelos quartos traseiros e segue-se até à base do pescoço. Nas patas, só até ao cotovelo. A cabeça apara-se com um pente e uma tesoura. Nada mais fácil! Só precisava do material.

Foi assim que rumei a casa de uma amiga que tem um desses aparelhos, último grito da tecnologia – Olha que este é MUITO BOM. E é fácil de usar? Não sei, só o usei uma vez e já não me lembro. Olhei o aparelho que na verdade não difere nada daqueles que se usam para cortar cabelos aos humanos e pensei que se andei anos a cortar o do meu filho também seria capaz de cortar o pelo da cadela. 

Entrámos as duas para a casa de banho. Plásticos pelo chão; instrumentos à mão e um grande entusiasmo. Logo nos primeiros minutos compreendi o enorme abismo que separa a teoria da prática. A partir daí foi sempre a sofrer. A cadela oscilou, durante cerca de duas horas, entre os ganidos e o sossego. Eu, a dada altura, já não sentia as costas e cheguei mesmo a acreditar que ficaria para sempre vergada, não apenas à evidência de que para tudo é preciso técnica, mas também à posição que assumi para chegar à bicha. Quando finalmente dei por terminada a tosquia e a enfiei na banheira para o banho final, já mal me endireitava. Pelos, era vê-los a esvoaçar pelo recinto colando-se às calças, à blusa, às meias, às paredes, a tudo enfim, que eu já nem os via e para ser franca comecei a estar-me absolutamente nas tintas para eles, que voassem à vontade, o que eu queria mesmo era que a cadela me deixasse acabar o trabalho e que este valesse a pena, que ela se sentisse mais aliviada, sei lá, mais fresca… 

Depois do banho saiu porta fora e deixou-me a braços com o aspirador, os panos, o cif, a esfregona, o balde, o aparelho e o meu banho que mesmo assim não foi o suficiente para me endireitar as costas de imediato.

Agora, que olho para ela, dou conta da irregularidade do corte e só me lembro daquela franja que cortei à minha filha de dois anos e que tive de disfarçar durante meses não fosse a vizinhança pensar que, num acesso de loucura, tinha internado a criança num desses asilos para órfãos, que povoam a imaginação de todos aqueles que leram Charles Dickens.

Tal como nunca mais toquei numa ponta da franja da criança, nunca mais me empenharei em tosquiar a cadela. Aproveito para deixar aqui um grande bem-haja às tosquiadoras de cães. Merecem todos os tostões que ganham.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Só porque sim


Dá erros quando fala. Como se sofresse de alguma espécie de dislexia. Os seus olhos, verdes azeitona, são mais profundos do que o mar em dias de sol, e falam. Dizem o que a boca não sabe, as palavras desconhecidas.

Ao lado dela está sentado o último filho. Embrião gerado no acaso e desenvolvido na loucura e no despropósito. Uma mancha vermelha ocupa-lhe parte da face e do pescoço provocando-lhe babas que impedem o natural desabrochar dos pelos faciais, tão ansiados pelos jovens. A boca, torcida para o lado contrário, não esconde a língua que pende a maior parte do tempo. O corpanzil é grande, e a força, diz a mãe, difícil de controlar quando se irrita. A mente é, e será sempre, a de uma criança apesar de fazer questão de provar, à custa sabe Deus de quê, a sua autonomia.

Ela ama-o. Terrivelmente. Ainda que de vez em quando lhe passe pela cabeça desistir. 

Mas sempre que o medo ameaça gelar-lhe as entranhas ou paralisar-lhe os sentidos, sente os braços descair e é com esforço que os eleva, a eles e ao olhar, numa tentativa de divagar sobre a importância do sagrado, esperando que Deus a oiça e venha em seu socorro, devolver-lhe a força sem a qual sucumbirá.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Desabafo

Faz parte da nossa cultura a crença na importância da gravidade das coisas. Se não forem graves, sérias, não são importantes. Vai daí agravamos tudo, para sermos importantes. Eu sou importante se tiver um problema. Só assim me darão atenção e eu preciso de atenção porque não sei estar sozinho. Somos um povo de dependentes, especialmente as gerações femininas mais velhas. Habituadas a ser cuidadas toda a vida, passaram das mãos dos pais para as dos maridos e querem, à fina força, passar para as mãos dos filhos que nem sempre estão disponíveis para os segurar, libertos que se sentem dos filhos que já criaram e confortáveis que estão na independência que construíram e lhes custou os olhinhos da cara. 

Eu, volta não volta, a acreditar na octogenária que tenho cá em casa, passaria a viver num mundo de contrariedades, negativo desde as primeiras horas do dia às derradeiras da noite, sem ver a luz do sol, nem que ele brilhasse, como brilha, majestosamente lá do alto.

Confesso que sou um ser talvez demasiado metido consigo mesmo. Esta coisa de se escrever é própria de quem vive um bocadinho fechado no seu mundo sem grande abertura para grandes dependências. Dou-me bem com quem não precisa de mim como de pão para a boca. Caramba! até a cadela já respeita isso e espera, pacientemente, para ir à rua, sem protestar! Enfim…logo pela manhã fiquei a saber que o bicho NÃO come nada, apesar de andar super bem-disposta, que a minha mãe NÃO consegue desfazer pontos miudinhos em pano negro e que NÃO há sobremesa para o almoço. Tudo coisas sem importância nenhuma mas ditas com a gravidade que a ocasião merece. 

domingo, 1 de julho de 2012

A Casa dos Espíritos

A tia está a ficar cada vez mais velhinha e a vontade de que o tempo volte para trás é quase inevitável e espalha-se pelos outros membros da família, até pelos mais novos. 

Discute-se o interesse de semelhante viagem – viver tudo outra vez, o que não é, de todo, desejável, ou ter essa extraordinária oportunidade de voltar atrás sabendo exatamente o que se sabe hoje. Assim sim!, certas escolhas seriam muito mais certas do aquilo que foram, com a vantagem de se ter à partida uma fonte de rendimento bastante promissora, já que os adivinhos não ganham nada mal, especialmente quando acertam e, tratando-se de gente que se cruzou connosco nessa vida, seria difícil não se acertar.

Viveríamos assim uma espécie de romance onde desempenharíamos o papel de narrador participante mas omnisciente ainda assim, figura que não existe nas categorias da narrativa, por enquanto, só por enquanto, dado que assim que pudermos empreender semelhante viagem, passará a existir e a ser, ou me engano muito…, extraordinariamente desejada.

Fala-se assim de tudo o que é vida evitando a todo o custo o seu destino fatal – a morte. Sussurram-se medos e desconfianças acreditando que se poupa o seu provável destinatário que finge que não percebe, ou não quer perceber, as preocupações dos que o rodeiam. Ficamos nós sem saber o que lhe vai na alma e sem a poder consolar, ainda que eu desconfie da falta de abertura para falar sobre um tema que nos continua a aterrorizar de uma forma quase sagrada.

De vez em quando lembro-me da protagonista da Casa dos Espíritos que, sentindo chegar a sua hora, mandou sair a neta, depois de lhe explicar o que estava a acontecer, e se deitou confortavelmente no seu leito, aguardando a partida, sem medos ou arrependimentos, assim como quem enceta uma viagem. Mas essa via para além de nós. Essa, provavelmente, foi das poucas que conseguiu voltar trazendo consigo a memória.