Sim, eu sei que parece muito
mal dizer mal do 25 de Abril – é anti qualquer coisa – mas como não há um único
acontecimento na vida – particular ou colectiva – que seja inteiramente bom ou
inteiramente mau, eu, hoje, um dia depois de mais uma celebração dessa
revolução a que chamam dos cravos mas que foi, na verdade, de um grupo de
capitães cansado de ver gente a morrer em África, na guerra entenda-se porque
fora dela pouco mudou por lá, as pessoas morrem na mesma e mais do que noutro
lugar qualquer. Enfim…uma miséria como se sabe. Mas, dizia eu, um dia depois de
mais uma celebração dessa revolução erradamente dita dos cravos (ainda por cima
até houve tiros e só não houve mais porque apareceu um tipo como há poucos que
finalmente vai ser condecorado mesmo depois de morto. Sim, parece que
finalmente temos um Presidente que vai condecorar o rapaz que
mais do que merece – note-se que estou a falar do Salgueiro Maia e não de um
cravo!), a 42.ª (se não percebe de onde vem este número vá lá acima, antes do
parêntesis anterior a este), decidi que vou falar mal desse dia.
Em primeiro lugar, foi um
dia que trouxe um stresse desgraçado ao meu pobre pai que dez meses depois teve
um avc que o incapacitou para o resto da vida deixando-nos a todos sem chão –
sim, já consigo falar disto com este desprendimento. Também era melhor! Quarenta
e dois anos depois! - ; em segundo lugar levei uma canelada de um polícia marítimo
– sim, eles também entraram na dança, em terra mesmo sendo do mar. Nesse dia
todos os reforços foram bem vindos, não ficou ninguém de fora - , uma canelada
tão grande que ainda hoje, 42 anos depois, tenho a cicatriz a adornar-me a
canela.
Não, o 25 de Abril não me
trouxe grandes alegrias na época. À parte a excitação do feriado inesperado e a
enorme satisfação de ver tudo por terra. À parte a sensação de liberdade. À
parte a sensação de poder. À parte aquela extraordinária ilusão de que, a
partir dali, tudo seria possível, não me trouxe grandes alegrias.
Ainda assim, gostaria que
esse dia não fosse esquecido porque afinal, como mulher, eu pouco representava
antes dele. Gostaria que esse dia não fosse esquecido, quando mais não seja
para que os meus netos nunca venham a saber o que é viver num país fechado,
pequeno e mesquinho.
Mas – há sempre um mas, ou
talvez dois. Neste caso dois: Mas, mas que a memória desse dia que aconteceu há
42 anos não ofusque uma outra forma de domínio, quiçá mais perigosa, mais
subtil. Que a memória desse 25 de Abril, dessa revolução dos cravos (outra vez
os cravos, que romântico!) não sirva para encobrir as várias formas de
usurpação da liberdade. É que, quando não somos livres como não éramos antes do
25 de Abril de 1974, sabíamos que não o éramos e a vontade de o ser dava-nos
força para criar coisas belas como aquelas que tantos artistas criaram
inspirados por aquela necessidade que aguça o engenho. Mas quando não somos
livres sem sabermos…quando acreditamos que somos não sendo…aí é que a porca
torce o rabo. Porque nesse caso continuamos encarneirados, a fazer o que se
espera de nós, a tremer de medo que o desemprego bata à porta ou que o dinheiro
não chegue para comer até ao final do mês. A pagar tudo o que nos pedem. A
deixarmo-nos roubar por bancos e banqueiros, acreditando que somos livres.
Sim, o melhor mesmo é
recordarmos o 25 de Abril de 1974. Recordarmos essa maravilhosa sensação de
liberdade, de possibilidade, de abertura.
Mas como o poderemos fazer
se só quem conheceu o que houve antes pode compreender o que veio depois?
Ah meus caros! É por estas e
por outras que a história não faz senão repetir-se. Constantemente.
Insistentemente. Infinitamente. Até os homens crescerem verdadeiramente.
E que tal se recordássemos,
por exemplo, um dos mandamentos de Cristo, quem sabe o mais importante, o nos
amassemos uns aos outros? Isso sim, seria a liberdade total, plena,
maravilhosa. Se conseguíssemos isso, conquistaríamos mais do que o mundo,
conquistaríamos a vida! Aí sim, teríamos a verdadeira essência do 25 de Abril para
sempre! Olhem lá bem para o Salgueiro Maia.
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