Vivo num sítio onde as pessoas têm
cães como flores no jardim, dia e noite. Há animais que só vejo porque passo
aos portões dos quintais e eles ladram, invejosos da Puca que passeia
acompanhada, que é acarinhada, que raramente está sozinha e, mesmo quando está
- coisa que acontece de vez em quando -, volta para junto das nossas festas e
dos nossos sorrisos de felicidade por a vermos.
Vivo num sítio onde vivem cães
que não sei a quem pertencem porque vivem sozinhos, isolados, presos nos
quintais. Nunca passeiam. Comem, dormem, cagam e mijam no mesmo lugar.
Desculpem o vernáculo mas as circunstâncias não permitem outro, é isto mesmo:
comem, dormem, mijam e cagam, tudo no mesmo lugar. Já vi donos apanharem as
fezes dos respectivos e lançá-las muro acima. Quem quiser que as apanhe!
A Puca, uma cadela que adoptei há
cerca de quatro anos, vive connosco e passeia duas vezes por dia. Com a idade
tem-se recusado a ir à rua sozinha por isso, quando eu chego mais tarde, tenho
de ir com ela.
Hoje cheguei à uma da manhã e
fomos passear as duas. Não lhe pus a trela porque ela gosta de correr e quando
estou com ela tem por hábito não se afastar muito.
Acontece que os outros infelizes
não podem com ela e, quando passamos perto dos portões, ladram desgraçadamente.
Hoje, um velho veio cá fora para
me insultar. Diz que vai chamar a GNR porque eu não tenho nada que andar a
passear o cão a esta hora!
Não sabia que havia horas para
passear os cães! O certo é que o ignorante, que tem um animal, menos animal do
que ele, abandonado no quintal a noite toda, acha que eu sou responsável pelo
ladrar do dele e dos outros coitados que vivem também abandonados pelos
quintais.
A Puca não ladra de noite quando passo por
eles. Eu faço o sinal do silêncio e ela obedece. Afinal de contas não tem
razões para invejar nada nem ninguém.
Continuamos um país de ignorantes
e brutos e, pelo andar da carruagem, a coisa não vai para melhor, o que é de
lamentar. Pela parte que me toca, estava convencida que o cinzentismo e o peso
da ignorância do Estado Novo tinham acabado. Parece que me enganei. Estão vivos e
de saúde. A minha esperança é que morram com os velhos do Restelo. Afinal, nada
é eterno.
1 comentário:
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~~ Totalmente conivente com a sua indignação.
~~ As autarquias não deviam licenciar
a posse de animais destinados a ficarem presos por correntes, ao relento...
~~ Só assim seria possível terminar com a praga de tão crassa inumanidade.
~ ~ ~ ~ Abraço amigo. ~ ~ ~ ~
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