Se eu não estivesse tão cansada vinha aqui falar-vos da menina de 19 anos que acabei de deixar ali em baixo, à esquina da rua, à espera do chefe. Estava cheia de frio e ainda não tinha jantado. Como não a deixam andar de ténis, calça umas botas gastas, de salto alto, que a desequilibram quando se prendem nas pedras da calçada. Anda nisto desde cedo. Ontem esteve cá em casa e convenceu-me a mudar de operador. Na verdade, com uma simpatia extrema, fez-me ofertas irrecusáveis. Deixei-a, agora mesmo, ali à esquina, cansada e longe de casa, esperava que uma carrinha a recolhesse. Estava com frio e com fome, o que é mais do que natural.
Se eu não estivesse tão cansada, vinha aqui falar-vos do trator da câmara que por cá andou todo o dia, ceifando espigas, papoilas e malmequeres. Até os arbustos de flores brancas dizimou, deixando completamente nua a planície onde eu gostava de passear porque tinha malmequeres, papoilas e espigas. E umas florzinhas roxas lindas lindas, que não se veem por aí.
Se eu não estivesse tão cansada, vinha aqui falar-vos do lixo que o vento move e as pessoas largam, e que o trator, hoje, não apanhou.
Se eu não estivesse tão cansada. Mas estou.
2 comentários:
São as distorções Amiga, a juntar às outras...
Desde que, mesmo cansada, venhas aqui, eu também venho, mesmo cansada!
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