Está rodeado de morte, o meu pai.
Morreu a Maria, disse-me assim que me viu. No olhar já não mora, nem o medo, nem a surpresa. Antes a resignação. Já não me diz, assustado, Todos os dias morre mais um. Agora despede-se de mim com uma aflição contida, fruto do medo de não me voltar a ver.
Está rodeado de morte, o meu pai. Mesmo quando à sua volta todos se esforçam por lhe dar vida.
Porque a vida não se dá a quem vive rodeado de morte, como o meu pai. Não se dá assim, sem mais nem menos.
É demasiado frágil. Demasiado efémera. O que é que eu vivi? Pergunta-me ele e eu não lhe sei responder. Viveu algo de único. Vive, algo de único. Porque não há duas vidas iguais. Mas ele olha em volta, e só vê morte. Não consegue congratular-se por ele e por todos os outros que ainda cá estão, porque a vida só é frágil para alguns. Para outros, ela é cada vez mais forte, mais longa, mais rija. Não vale a pena deixar de a viver antes de tempo, sentado à espera que ela acabe porque pode acabar hoje, ou não.
Como morreu ela? perguntei. Assim, sem mais nem menos, estava a andar de um lado para o outro, como de costume, e caiu. Teve um avc.
Que sorte a dela! Morreu de repente, quase com noventa anos!
Pois é, são assim as coisas, frágeis. Frágeis. Agora sim, depois já não. Mas, caramba! noventa anos é obra!
3 comentários:
Sabes, a partir de uma certa idade não há como contrariar esses sentimentos. A morte passa a estar próxima, demasiado próxima, e quem ainda tem consciência sente-a muito bem. Gostaria de dizer-te que isso lhe passa. Mas provavelmente estaria a iludir-te, se é que ainda te iludes, coisa que nem me parece... Um beijinho.
Com gajos como o Sócrates e o Passos, certamente não chegaremos a essa obra... :(
É na verdade uma realidade à medida que avançamos na idade o fim está em todo o lado,ainda que para uns chegue bem mais cedo que para outros a visão de todos passa pelo mesmo caminho.
Bom seria mesmo não pensar nessa inevitabilidade(palavrão que tanto se usa agora) e vivermos um dia de cada vez!
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