Nas traseiras da minha casa existe um pequeno parque, com algumas árvores, arbustos e bancos, de chão coberto por ervas, onde gosto de soltar a Puca. Delicio-me a ver a alegria dela, que corre contra o vento saboreando uma liberdade que só agora, ao fim de quatro anos de vida, pode ter.
Num dos andares mais próximos do chão, vive uma mulher sozinha, que se intitula salvadora de animais, tendo, por isso, em casa, vários especimens que recolhe na rua e trata com arroz, frango e água de argila – já aqui falei sobre ela.
Esta criatura está convencida que possui o dom da sabedoria e tem amiúde atitudes maternalistas num esforço, por vezes bastante exagerado, de impor a sua vontade a todos os outros moradores, especialmente aos que têm cães e gostam de se encontrar no parque para os ver correr e saltar uns atrás dos outros. Os dela, fechados na varanda, choram que se fartam, moídos de inveja.
Na sexta-feira santa, corria a Puca atrás do Calvin e chorava o dela na varanda, desesperadamente, quando nos ordenou que nos fossemos embora porque estávamos a acordar a vizinhança toda. Vão-se embora daqui que estão a acordar a vizinhança toda, disse ela.
O dono do Calvim, homem alto, forte e espadaúdo, mandou-a à merda e disse-lhe que quem estava a acordar a vizinhança era o cão que ela tinha na varanda e que o melhor que tinha a fazer era estar calada e que metesse lá dentro o animal para ele parar de chorar. Obedeceu, e aos pontapés empurrou-o para dentro de casa.
Amiga dos animais, esta senhora coloca todos os dias, no meio das ervas e por baixo da varanda, camadas grossas de arroz cozido em água de frango que desarranja os intestinos de qualquer canino quando, correndo atrás do cheiro, não resiste ao pitéu. É o caso da Puca que andou a tomar comprimidos para a diarreia até eu ter percebido que o mal, afinal, vinha do arroz.
Pedi gentilmente à senhora que deixasse de o colocar ali, já que se trata de um lugar público e, como tal, deve ser respeitado. É que não faz bem aos intestinos da cadela, expliquei-lhe eu. Não me passou cartuxo. Não me respondeu. Em vez disso, encetou um solilóquio onde dissertou amiúde sobre a forma de cozinhar o dito e até se deu ao trabalho de me mostrar a colher que usa para libertar o caldo das maiores gorduras que boiam à superfície. Terminou informando-me que o arroz é para os passarinhos. Quando tentei explicar que os pássaros preferem arroz cru e que ela deveria depositar o alimento na sua própria varanda, virou-me as costas e foi para dentro.
Hoje, quando me viu determinada a enterrar os bagos brancos impregnados de caldo de galinha, insultou-me de tudo. Disse-me que eu não tinha nada que soltar a cadela. Chamou-nos porcas, a mim e à Puca, e ameaçou despejar-me um balde de água pelas trombas abaixo. Chamou-me mal-educada, ordinária e outros impropérios que já não ouvi porque fui andando parque acima, não fosse a cadela fazer cocó e eu não ver onde. É que ando sempre com um rolo de saquinhos de plástico para apanhar o que ela faz, a despeito de o fazer sempre no meio das ervas.
5 comentários:
por favor não dês drogas à cadela
Olha, Antígona... Não dês muito credito à criatura. Eu conheço pessoas assim. Convencem-se que estão a fazer bem aos animais, mas a realidade é que ficam bem pior do que estivessem na rua. São autenticas tiranas para os pobres animais.
enfim...
joão
Cuidado que essa gaja deve ser maluca, dá-lhe desprezo :)
:) E eu ainda me queixo dos vizinhos :)
Pobres passarinhos...
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