“Dar a albarda conforme o burro” é um dito muito antigo.
Pelo menos suficientemente antigo para eu o ouvir desde criança da boca da
minha mãe.
Nunca o pus em causa. Como, de resto, não pus em causa,
ao longo da minha vida, tantos outros ditos antigos. Errado. Devemos pôr em
causa tudo o que ouvimos. Partir do princípio que, pelo facto de ser antigo e
repetido, corresponde à verdade, é evolutivamente negativo (tantos ivos numa só
frase pode parecer descabido, mas não é).
"Dar a albarda conforme o burro" implica adaptarmos os
nossos comportamentos aos comportamentos alheios, o que faz com que sejamos apenas sombras.
Imaginem, por exemplo, alguém afirmar que é honesto
sempre que, para com ele, há honestidade. Portanto, esta pessoa é honesta exceto
quando não é. Onde está então a honestidade? E quem diz honestidade diz outra caraterística
qualquer – eu sou paciente, exceto quando não sou. O que eu sou depende,
portanto, daquilo que me parece que os outros são para comigo. É que nem
depende do que eles na verdade são, mas do juízo que eu faço deles. Porque tudo o que os outros são nos chega turvado pelos juízos que deles fazemos.
“Dar a albarda conforme o burro” é um dito antigo que
deve ser aplicado em benefício alheio ou, na melhor das hipóteses, em benefício
mútuo. Mas nunca em benefício exclusivamente próprio. Aliás, como todas as
coisas que são verdadeiramente honestas, ele deve ser usado justamente e não
interesseiramente. Deve ser usado, por exemplo, na comunicação, de modo a que a
mensagem chegue o mais intacta possível ao recetor. Aí sim, deve-se “dar a
albarda conforme o burro”. No que toca a características humanas, elas devem ser nossas, estar agarradas a nós como lapas às rochas e nenhuma desonestidade alheia deve ser capaz de as mover. Isso sim, é ser-se.
1 comentário:
~Congratulo o seu sentido de humor.
~ Concordo integralmente consigo, em particular, quando refere tão bem, que defender os nossos valores humanos até à exaustão e nunca deles abdicar, é... ""Ser-se"".~
~ ~ ~ A b r a ç o. ~ ~ ~
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