quinta-feira, 23 de julho de 2015

Não Tenho Medo de Nada


"Não tenho medo de nada". E ouvi-la era ouvir-me a mim há alguns anos. Não sei  exactamente o que muda, se cada um de nós se a própria vida mas o medo parece ter fases. Fases e preferências.

Aos nove anos eu morria de medo de tudo o que me rodeava - o vento, o mar, os cães, o macaco que a vizinha tinha preso a uma corda que o deixava chegar ao muro rente ao qual eu tinha de passar, o bode que pastava atado a um poste e que um dia fugiu, o homem que se atravessava, ébrio, no meu caminho... Enfim, tudo ou quase tudo o que existia constituía uma ameaça que me obrigava a correr, a fugir, a tremer que nem varas verdes, a espreitar, a hesitar, a escolher os caminhos por onde passar.

Depois tudo isso se foi e eu tornei-me, creio que por força das circunstâncias, numa corajosa - numa Maria Sem Medo. Ai de quem me ameaçasse! fosse cão, gato ou gente. Ai de quem entrasse sem ser convidado no espaço que era o meu!

E para provar e comprovar essa minha coragem adquirida, a vida tratou de me oferecer vários momentos de alimento egónico. Momentos de glória e garbo que consolidaram ainda mais a minha capacidade de enfrentar qualquer ameaça, de liquidar qualquer inimigo.

A seguir fiquei só e o medo ganhou coragem. Primeiro devagarinho, como quem não quer a coisa, depois determinado, paralisante, sufocador. Não era o mesmo medo de antes, era um medo maior, mais vasto, mais profundo. Era um medo que não desaparecia mesmo que eu corresse. Um medo do qual não se pode fugir porque ele vive dentro de nós e não nos larga assim do pé para a mão. Segue-nos para onde formos, o estupor.

Escusado será dizer que este me deu muito mais trabalho. Um trabalho interior e diário. Um trabalho muito mais profundo e, verdade seja dita, muito mais profícuo. A este medo devo o meu maior crescimento. Mas na vida nada se sabe. Ela é, só por si, uma surpresa constante e os meus velhos medos estão agora, saberá Deus porquê, a voltar.

Ainda ontem foram pernas para que vos quero! Eu e a cadela a fugirmos de três outras, grandes, potentes, zangadas. E as minhas pernas a tremerem outra vez e o meu coração a querer saltar do peito e eu sem saber se fugia por mim ou por ela - a pequena cadela que nem esperou que eu puxasse a trela para desatar a correr ao meu lado, como que sentindo o meu medo ou, quem sabe, o dela.


Hoje, a propósito dessas outras que por aí andam completamente desvairadas e que, fiquei a saber, guardam no ninho cerca de vinte rebentos que dentro em breve correrão pelas ruas ao lado das mães reclamando alimento e território, as minhas pernas tremeram mais ainda e da boca saiu-me a confissão do medo. Desse medo quase irracional que me leva a agir. Esse medo das coisas. Esse medo tão mais pequeno do que outro que há bem pouco tempo consegui combater. Esse medo que,  mais depressa do que o outro, voltará a despertar em mim essa Maria Sem Medo e, tal como a corajosa que habita na mesma rua que eu, voltará a pôr na minha boca palavras que já foram minhas e que por enquanto são só dela: "Não tenho medo de nada."

1 comentário:

António Je. Batalha disse...

Ao passar pela net afim de encontrar novos amigos e divulgar o meu blog, me deparei com o seu que muito admiro e lhe dou os parabéns, pois é daqueles blogs que gostaria que fizesse parte de meus amigos virtuais.
Pois se desejar visite o Peregrino E Servo. Leia alguma coisa e se gostar siga, Saiba porém que sempre vou retribuir seguindo também o seu blog.
Minhas cordiais saudações, e um obrigado.
António Batalha.