Março de 2006. Londres estava tão fria e húmida quanto
costuma estar nessa altura do ano.
Conseguimos dois bilhetes para a primeira fila do Duque
of York’s Theatre. A peça, “Embers”, baseada numa obra de Sandor Marai, tinha como
protagonista Jeremy Irons.
E ali estava eu, sentada na primeira fila, a levar com os
perdigotos de um dos melhores actores de sempre e a beber as suas palavras (as
palavras, não os perdigotos, note-se), como quem bebe um copo de água fresca
depois de uma tarde de secura, ao sol.
Foi a melhor peça que vi em toda a minha vida. Apaixonei-me
pelo texto quase de imediato e, quando a primeira parte terminou, os meus olhos
estavam lacrimejantes e a bexiga, não sei se de emoção se de outra coisa
qualquer, a pedir toda a minha atenção. Imagino que tenha passado toda a
primeira parte da peça a fazê-lo, mas eu não dei por nada – só me lembro dos
gestos, das expressões, das palavras.
Assim, logo que o pano caiu e as luzes se acenderam,
corri para o wc. Não me recordo se havia fila mas imagino que sim. Toda a minha
atenção se mantinha naquele palco pelo que todos os meus movimentos se
encontravam em modo automático.
Quando chegou a minha vez, entrei. Baixei as calças e fiz
todo o esforço que sempre faço por me manter mais ou menos de pé, mais ou menos
sentada, sem nunca, Deus me livre, tocar seja com o que fôr na tampa da
sanita.
Sei que demorei mais do que o habitual – e só esse facto
me leva a crer que a minha aflição já tinha horas. E como me conheço bem,
decidi que não sairia dali sem ter a certeza de não precisar de lá voltar outra
vez – a peça era demasiado importante para eu me distrair com fraquezas
próprias da minha condição animal. Tudo naquele palco gritava pela minha humanidade.
Pela grandeza da nossa humanidade.
Foi quando me inclinei para o lavatório que senti o frio
junto à perna direita. Estranhei. Olhei as calças - abaixo do joelho, pela
parte de dentro, estavam encharcadas. Uma grande parte do líquido que a minha
bexiga guardava com tanta discrição tinha-se depositado na perna das calças.
Corri para o exterior do teatro e deixei-me ficar, virada
para o vento, na esperança de secar antes do sino tocar. Fiquei gelada e as
calças continuaram molhadas. Sentei-me, envergonhada e preocupada com o cheiro
que, eventualmente, poderia emanar. Ninguém se queixou, nem mesmo quem me
acompanhava.
Escusado será dizer que depressa me esqueci das calças.
Só quando a peça terminou, os aplausos estoiraram e eu me
levantei, é que o cheiro se fez sentir. Para mim era tão forte que só a discrição
exímia dos britânicos me foi convencendo de que ele existia só para mim.
Assim que cruzei as portas do teatro não vi o momento de
chegar a casa e nem a figura do actor, de pé na saída dos artistas, a dar autógrafos
a meia dúzia de espectadores, me desacelerou o passo. O que foi pena - perdi a oportunidade de lhe dizer que gostei tanto da peça que os resultados estavam ali, para quem os quisesse cheirar.
1 comentário:
Desta vez, a gargalhada soltou-se no último parágrafo!
Todas passamos por essas aflitivas sessões de ginástica que nem sempre terminam da melhor maneira...
Mas que privilégio estar em Londres para ver o Jeremy Irons! Ainda que em Março...
Deve ter sido triste não poder ir cumprimentar o excelente ator...
Tem de pensar numa nova oportunidade...
Com muita simpatia ...
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