O meu avô, que se fosse vivo teria cerca de 112 anos,
costumava dizer que quem não chora não mama. Mas como também não se cansava de dizer
que já nada o surpreendia, que já tinha visto tudo o que há para ver na vida e
que, à superfície deste pequeno planeta, não existe nada de novo, o que é
claramente falso, eu nunca acreditei muito nele. Por isso, nunca fui muito de chorar por mama.
Mas, ontem, ao abrir uma carta de uma dessas instituições
que vivem de donativos, pensei que talvez ele não estivesse tão enganado como
isso e que a idiota tenho sido eu com esta mania da coragem de enfrentar os
touros com que, volta não volta, me deparo sem deitar uma lágrima. De facto,
estas instituições, algumas de uma dimensão internacional, vivem mais do que
sobrevivem do choro permanente com que abordam gente que, como eu, ou já não
tem lágrimas ou tem tão poucas que as poupa para momentos que realmente as
merecem em vez de as aproveitar para aumentar lucros.
Assim, ficarei à espera da derradeira prova do engano do
meu avô, que há-de chegar sob a forma de carta a oferecer-me justas quantias
por todo o esforço que tenho demonstrado ao longo da minha vida e como prémio de
batalhas ganhas, mesmo não tendo eu concorrido a coisa nenhuma, isto é, exibido
os meus feitos, ou chorado baba e ranho pedinchando à porta de estranhos. Que de
família e amigos, não conta.
1 comentário:
Nunca devemos duvidar da grande sapiência dos nossos queridos avós...
De fato, parece que algumas instituições já contêm nos seus estatutos a condição de sobreviverem, não com o apoio das suas parcerias, mas com contribuições feitas à custa da generosidade de quem se comove.
Estou convencida que até fazem estudos para avaliarem quais são as melhores estratégias de sensilizarem as pessoas e obterem melhores lucros.
Mas também devemos considerar o reverso desta situação: há outras que manifestam grande pejo em recorrer à mendicância coletiva e só o fazem em casos muito especiais.
Considero o ato de pedir, das provas mais humilhantes que as pessoas honradas podem se sujeitar, pelo que, por vezes, passam extremas necessidades em silêncio.
Não precisa de receber nenhuma carta do seu avô com valores materiais. Por vezes recorrendo a provérbios e à ironia, o que o seu avô lhe deixou por herança, foi uma sólida formação moral: um precioso tesouro...
Beijinhos
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