Nos momentos em que a reflexão é essencial, tudo me distrai
– a música; as palavras; as imagens; o amor… É precisamente quando mais preciso
de paz que o burburinho teimoso e persistente do coração não me abandona. Exactamente quando precisava que ele parasse, o danado.
Eu, pelo contrário, queria ser capaz de abandonar tudo e todos
sem lamentos. Bem, abandonar talvez não seja o termo ideal, talvez seja
demasiado radical. Prescindir; deixar ir; libertar e libertar-me são termos
mais correctos que traduzem de forma muito mais realista aquilo que eu deveria
ser capaz de fazer e não sou, nem mesmo nos momentos mais dramáticos em que o
impulso é a pena de mim mesma, uma espécie de desejo de vingança – vocês vão
ver o que é viver sem mim. Esses são momentos relâmpago em que a ideia de
suicídio me passa às pressas pela cabeça e recua, quase instantaneamente, com a
lembrança da falta que ainda posso vir a fazer a netos por nascer, a filhos que
me amam e a outros, porque afinal até há quem goste de mim.
Que difícil é crescer! Crescer a sério. Não é amarfanhar
tudo bem amarfanhadinho e atirá-lo sabe-se lá para onde, provavelmente para o vale
que se crê dos esquecidos convencendo-nos que já crescemos só porque deixámos
de pensar nas coisas. Crescer. Sem tiques e sem máscaras. Crescer, com tudo
resolvido. Que difícil que é!
Evidentemente que é mais difícil para quem fica do que para
quem parte. Quem parte dir-se-ia que tem uma nova oportunidade. Um recomeço
novinho em folha, ali mesmo ao seu dispor, para fazer da vida o que quiser. Por
isso é que eu gostava de ser capaz de partir. Mas não sou. Quedei-me por aqui,
agarrada ao que já tinha, esticando o que fui para o transformar no que fui
sendo. Não soube fazer reset. Olhava à minha volta e tudo estava como sempre,
menos eu. E, sem saber o que fazer daquele mim, fui-me deixando ficar, assim.
E o tempo não passa.
Passa para toda a gente menos para mim, porque o tempo só existe
no movimento. Quando se pára, tudo pára, até ele – o tempo -, e eu com ele.
Um dia será dia de seguir viagem. De dizer adeus ao que foi,
de deixar ir o passado mas ai, nada me convence a largar tudo assim, sem mais
nem menos. A carga é demasiado rica para ser abandonada no meio da estrada.
Não, nem pensar. Vai comigo. Faz parte de mim e eu dela e é ela que me vai
ajudar à construção – aquela a que tenho dedicado toda a vida – a minha. E se o
tempo não passou ou eu não dei por ele passar, melhor ainda, mais tempo me
resta pela frente, para o perdão.
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