Entrou na família pela porta materna, no tempo dos meus
avós. Apanhou-me o avô e uma tia-avó e, não satisfeito com o resultado, veio
atrás das tias e de uma prima. Tem-se acomodado mais ou menos nos mesmos
lugares ainda que com forças diferentes, o filho da puta, mas em todas tem sido
capaz de comer carne, carniceiro que é.
Tempos houve em que o olhei no rosto e pensei que não tinha
critério. Mais tarde vim a acreditar que afinal talvez embirrasse com os mais
mal dispostos. Hoje confirmo que não tem critério. Não tem critério, nem piedade
nenhuma. Não tem compaixão. É cego e surdo. E na sua cegueira destrói vidas que
eram lindas até à sua chegada.
Tenho por ele uma raiva cega. Percebo-o hoje. Uma raiva
atroz, demente, terrível, imensa, mais do que medonha. Tão grande que só me
apetece desafiá-lo como se desafia um touro. Gritar-lhe que venha, que enfrente
a minha raiva, contanto que nunca mais, mas nunca mais, toque em quem ainda não
viveu.
Família não são apenas os que connosco partilham o sangue.
São também aqueles que vimos crescer ao lado dos nossos filhos e eu hoje estou
destroçada. Mas quero, e posso, pensar em todos aqueles e aquelas que o
venceram, absoluta e totalmente, e acredito que é assim que vai ser, também
agora. Mais uma vez.
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