quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Nós, nos olhos dos outros


Corremos sérios riscos de imprecisão quando descontextualizamos acontecimentos e continuamos a corrê-los quando os contextualizamos exclusivamente na nossa verdade, na nossa realidade. Qualquer acontecimento tem, pelo menos, dois contextos, a não ser que seja um acontecimento de um só protagonista o que é perfeitamente possível. Sempre que adentro (1) no mar, por exemplo, o que me acontece tem apenas uma verdade. Contudo, no momento em que alguém me avista, passa a ter duas. E raramente se assemelham.

Creio que nenhum de nós faz a mais pequena ideia do aspecto que tem quando visto por outros olhos. Não há espelho que nos valha. Nunca o saberemos, nem através da mais minuciosa descrição ou do mais fiel retrato do mais exímio dos pintores. Os nossos olhos, ao olhar esse retrato, não são os mesmos com que o pintor nos viu e nem o nosso entendimento se assemelha à visão que um outro se esforça por nos dar na sua minuciosa descrição de nós.

A verdade – eis algo que não existe.

Existe, isso sim, a necessidade de abrirmos a nossa compreensão ao maior número possível de verdades. De nos esforçarmos, o mais que pudermos, para vermos o mais nitidamente possível verdades que não são as nossas e que talvez nunca adoptemos como tal mas que não deixam, por isso, de ser verdades. Assim como existe a necessidade de tomarmos cada vez mais consciência da fragilidade das nossas verdades, que hoje são umas e amanhã outras, bem como da sua validade – só nos servem a nós e a quem achar, como eu, que a sapiência está no número de verdades reconhecidas.


(1) Termo inventado por Mia Couto e que se me entranhou pela precisão

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