Corremos sérios riscos de imprecisão quando descontextualizamos
acontecimentos e continuamos a corrê-los quando os contextualizamos
exclusivamente na nossa verdade, na nossa realidade. Qualquer acontecimento
tem, pelo menos, dois contextos, a não ser que seja um acontecimento de um só
protagonista o que é perfeitamente possível. Sempre que adentro (1) no
mar, por exemplo, o que me acontece tem apenas uma verdade. Contudo, no momento
em que alguém me avista, passa a ter duas. E raramente se assemelham.
Creio que nenhum de nós faz a mais pequena ideia do aspecto que
tem quando visto por outros olhos. Não há espelho que nos valha. Nunca o
saberemos, nem através da mais minuciosa descrição ou do mais fiel retrato do
mais exímio dos pintores. Os nossos olhos, ao olhar esse retrato, não são os
mesmos com que o pintor nos viu e nem o nosso entendimento se assemelha à visão
que um outro se esforça por nos dar na sua minuciosa descrição de nós.
A verdade – eis algo que não existe.
Existe, isso sim, a necessidade de abrirmos a nossa
compreensão ao maior número possível de verdades. De nos esforçarmos, o mais
que pudermos, para vermos o mais nitidamente possível verdades que não são as
nossas e que talvez nunca adoptemos como tal mas que não deixam, por isso, de ser verdades. Assim como existe a necessidade de
tomarmos cada vez mais consciência da fragilidade das nossas verdades, que hoje
são umas e amanhã outras, bem como da sua validade – só nos servem a nós e a
quem achar, como eu, que a sapiência está no número de verdades reconhecidas.
(1) Termo inventado por Mia Couto e que se me entranhou pela precisão
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