O Ernesto, vítima silenciosa da vaidade humana, esteve
prestes a perder uma das patas - intervenção que lhe poderia custar a vida -,
por causa de uma argola com que o criador decidiu homenagear o exímio cantor,
que ele sem dúvida é, ainda que ultimamente, coitado, tenha recolhido o canto
no sofrimento da pata roxa e pesada do hematoma causado por uma homenagem que afinal
não lhe pertence, porque ele dela não se apercebe, mas ao criador que com ele
poderia ter vencido tantos concursos não tivesse decidido cedê-lo a um amor
maior.
Crente na sua recuperação e movida pelo carinho que por ele
foi crescendo ao longo destes anos – afinal desde miúda que adoro o Piu Piu e o Ernesto em tudo se lhe assemelha -, decidi tratá-lo com
pomadas e amor, e tanto amor que um dia, ao tentar desafiá-lo para uma cantoria,
dei por mim a olhar a anilha e a pensar cá com os meus botões que aquilo talvez
até se conseguisse tirar.
E foi meu dito meu feito. Tudo indica que a pata do Ernesto sobreviverá
a esta desventura que os tratos de polé lhe infligiram, porque uma anilha fechada
em torno de uma pata minúscula que evidentemente crescerá, é uma tortura só
comparável com as dessas máquinas infernais inventadas na Idade Média para dissuadir
bruxas e similares. E quem disser que os animais, mesmo os mais pequenos, não
sofrem, não sabe do que fala. Por mim, e ultimamente, bem lhes tenho visto o
sofrimento nos olhos e a gratidão nos gestos.
Nos primeiros dias, e enquanto se sentiu miserável, o
Ernesto aninhava-se na minha mão e de lá não saía sem uns minutos de palavras
doces e festas na cabeça que o animavam a piar, porque para o canto, e por
enquanto, a força ainda não chega. Mas há-de chegar. Há-de chegar.
1 comentário:
...mas com esse carinho todo ele vai com certeza retribuir com um belo canto.
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