Era suposto ter espírito para falar de coisas giras que
contrariassem o estado das coisas que andam feias.
Era suposto ter espírito para animar a malta, já que
os ânimos andam todos por baixo. Ou quase todos.
Era suposto. Mas não tenho.
Ontem foi feriado. Foi o dia do trabalhador e eu trabalhei.
Trabalhei porque foi preciso. E isso
parece-me absolutamente normal – fazer o que é preciso para que as coisas
corram o melhor possível. Mas eu trabalho para mim. Não devo explicações a patrão nenhum. E isso tem os seus custos, como tudo na vida - nunca sei o que vai acontecer, quanto vou ganhar, se vou ganhar. Vivo, como se costuma dizer, com o coração nas mãos, mas foi uma escolha minha, não responsabilizo a sociedade por isso. Responsabilizo-a sim por não dar a toda a gente a oportunidade de ser produtivo e de se poder sustentar, porque nem toda a gente tomou o meu rumo, a maioria das pessoas trabalha para terceiros, tem um emprego, ou tinha, e não sabe, não pode saber, o que fazer sem ele. Para além de que sem empregos não há quem possa pagar os meus serviços. Perdemos todos. Nós, os pequeninos. A maioria.
Quando, ao fim do dia, cheguei a casa e liguei o televisor
mergulhei num mundo em reboliço, cheio de gente zangada ou simplesmente muito insatisfeita. Não, não é só aqui em Portugal, a corrente espalhou-se por
todo o lado. Cheira a guerra, o que me leva a pensar que mais uma vez não
seremos capazes de encontrar outra saída que não seja essa.
Pode até ser que me engane. Deus queira que sim. Mas alguma
coisa há de acontecer. E quão maravilhoso seria se acontecesse algo verdadeiramente
diferente. É que os déjà-vu não param de nascer!
Os que estão desempregados, ou perderam a esperança e
baixaram os braços, ou pegaram nas trouxas e ala gente que se faz tarde. Os que
trabalham levantam os olhos e os braços ao céu, eternamente gratos por esta
nova forma de escravatura a que são sujeitos porque trabalham o dobro, às vezes o triplo, para compensar os que foram despedidos.
Épocas como esta, de crise, oferecem excelentes razões para se reduzirem as despesas e, ao mesmo tempo, pressionar o pessoal a dar tudo por tudo para subir as receitas. As bocas, essas, pode até ser que
se abram em gritos pelas ruas em dias como o de ontem, mas calam-se nos locais
de trabalho, não vá a sorte fugir-lhes e terem de fazer como tantas – estender
a mão à caridade ou zarpar daqui para fora.
O Papa Francisco, esse grande querido, disse coisas tão
bonitas no seu discurso do 1.º de Maio! Disse que o trabalho enobrece, que é um
direito, não uma bênção, que deve servir o Homem e não o contrário. Tudo
verdades. E sabe bem ouvi-las da boca de quem tem tanto poder. Que bom seria se
esse poder se transformasse em algo mais efetivo do que palavras! É que a
essas, leva-as o vento, e cada vez mais depressa as leva porque cada vez mais
magras e leves elas são.
Estado Novo não se poderá chamar a este estado de coisas.
Até porque, como já disse, e infelizmente, não está confinado a este pequeno
jardim à beira mar plantado. Mas Estado Velho. Estado Velho, talvez seja um
nome que não nos fique mal, a Ocidente ou a Oriente, a Norte, ou a Sul.
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