Habituaram-nos a pensar a vida como uma obrigação, um tem
de ser, uma coisa que nos acontece e que temos de cumprir com sacrifício,
esforço e espírito de cruzada e acreditar, apesar de tudo, que fomos abençoados
só pelo facto de termos nascido como se tivéssemos feito muito mal a alguém e
agora estivéssemos a pagar por isso.
Nunca consegui engolir essa história. Ainda que seja
obrigada a reconhecer que ela vive entranhada em mim e condiciona certos dias,
certos momentos.
Curiosamente, condiciona-os muitas vezes pela negativa.
Eu explico. Sou tão contrária ao sacrifício que sempre que me disponho a fazer
qualquer coisa, não porque goste mas porque aprecio os resultados do depois e
não tenho dinheiro para pagar a quem o faça, fico com o mesmo humor dos
sacrifícios e das contrariedades apesar de o meu coração se sentir feliz com os
resultados.
Ontem montei dois móveis e pendurei dez quadros. De dia
para dia, e desde que entrei de férias, a casa está a compor-se, a deixar de
parecer um acampamento cheio de caixotes e de coisas por fazer, para passar a
ser um lar que dá vontade de cuidar. Até já me apetece regar as plantas! É verdade,
nem as plantas mereciam a minha compaixão tal era a desarmonia! Não me dou bem
com desarrumação. Não gosto de viver no caos. Gosto de ter as coisas no seu
lugar e dá-me um prazer imenso vê-las cuidadas à minha volta e isso, só por si,
deveria ser motivo de alegria e o suficiente para me aliviar o semblante que
durante todo o processo se deixa pesar julgando ser sacrifício o que não passa
de opção, escolha consciente e voluntária.
E não o são todas e sempre?
Não, nem todas são conscientes e muito menos voluntárias.
Montámos uma máquina que não trabalha sem nós e quisemos acreditar que somos
nós que não funcionamos sem ela. E como ela é, na verdade, contrária à nossa
natureza – que nos impele à liberdade, ao desprendimento e à preguiça -, resolvemos mudar, teoricamente, a tal natureza
e espalhámos por aí que somos seres predestinados ao sacrifício e à dor.
Assim, à excepção de uma meia dúzia de sortudos que podem
pagar a quem de direito para arrumar o seu pequeno mundinho. Os outros, como
eu, suam as estopinhas para o fazer. Mas uma coisa é certa – o gozo que eu hoje
sinto quando olho para os móveis e para as paredes, eles desconhecem.
E posto isto, estou quase a chegar à conclusão que afinal
os sacrifícios valem a pena. Foi assim que nos enganaram. Se eu tivesse podido,
já tinha as coisas mais que prontas e a esta hora estava, com certeza, a fazer
algo muito mais interessante e a sentir-me ainda mais feliz, que isto de estar
vivo tem que se lhe diga – sem os mínimos, na minha opinião, não vale a pena.
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