No meu tempo, no tempo das decisões e das tentações, muitos
ficaram para trás, alguns seguiram em frente e poucos, muito poucos, subiram na
vida.
De vez em quando vêm-me à memória pessoas que mais tarde
revi e tento, muitas vezes em vão, associar as escolhas que fizeram ao seu
destino.
Fulana ficou para trás, não porque tenha tomado uma decisão
mal tomada num momento específico, mas precisamente porque nunca as tomou,
porque se foi deixando ir na onda e, quando deu por isso, era tarde de mais –
sim, pode ser tarde de mais para quem tem pouca força, ou porque a gastou ou
porque nunca a teve.
E nesses périplos que faço pelo passado vem-me à memória a
imagem da Clara. A Clara apaixonou-se por um pintarolas. Um tipo sem futuro
aparente, por quem ninguém dava um tostão furado. Nessa época eu estava muito
bem acompanhada e, consequentemente, com um futuro promissor, sem grandes sobressaltos.
Nessa época, eu tinha futuro, a Clara, provavelmente, não.
Passados alguns anos – os suficientes para termos, tanto uma
como outra, procriado -, encontrei a Clara e o pintarolas. Tinham ido viver
para a Suíça; tinham duas crianças lindas e vestiam de vermelho. Digo isto
porque esta é a imagem que deles retive – um casal de cores alegres; feliz;
bem-sucedido na vida. Eu vestia de cinzento. Saída havia pouco de um divórcio
complicado, os ombros descaiam-me e o meu horizonte era o espaço que os meus
pés pisavam. A Clara, ao contrário de mim, era feliz. E eu, que nunca acreditei
muito no que o povo dizia, fiquei feliz de a ver.
Há gente que nasce a saber o que é o amor. E há aqueles,
como eu, que não o identificam dentro de si. Esses, que como a Clara nascem a
saber o que é o amor, pouco se importam com as vozes do mundo e, parecendo
cegos aos outros, são os que mais vêem porque se vêem a si e lutam, mesmo sem
darem por isso, por quem verdadeiramente amam e amarão, sabendo que esse é o
seu destino, assim tenham a sorte de se cruzar e reconhecer, como a
Clara reconheceu aquele que mudou, sem se aperceber, no momento em que com ela
se cruzou.
Provavelmente pouco interessa o que somos. Interessa sim se somos ou não amados, se somos ou não capazes de amar. É ele que molda, é ele o transformador - o amor.
2 comentários:
E somos tão moldáveis caso estejamos capacitados para receber...
Minha Amiga...
às vezes, a felicidade está mesmo ali à mão de semear, mas nós, na nossa cegueira, não a conseguimos vislumbrar. Quando abrimos os olhos... é tarde demais...
Um sorriso
João
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