quinta-feira, 10 de maio de 2012

Aqui no mar...


Saí de Cascais à hora de almoço a pensar em como os adultos podem atrapalhar o trabalho das crianças.  

São dezoito. Prepararam uma peça de teatro de fantoches. Escreveram-na; desenharam e construíram os bonecos; decoraram as falas, pelo menos a maior parte delas, e em dois dias aprenderam a mexer os fantoches atrás de um pano preto. Têm dez anos e a peça termina com uma longa canção que eles cantam quase à desgarrada, pelo menos o refrão...

Hoje foi o ensaio geral. Amanhã será a estreia. Todos entram. Todos têm um papel a desempenhar. Por detrás do pano preto o espaço não ultrapassa os três metros quadrados. Uma pequena passagem para uma espécie de closet onde bem apertadinhos se sentam três ou quatro, acrescenta alguns centímetros aos bastidores. São crianças e, por isso, portam-se mal – falam quando deviam estar caladas; embirram umas com as outras e quem está à frente do pano e espera ouvir apenas as vozes dos atores, acompanhadas pelos movimentos dos peixes e algas de espuma pintada com tinta fosforescente, ouve um ruído de fundo. 

Os crescidos não querem ruídos de fundo e decidem que os pequenos devem estar acompanhados por um adulto atrás do palco. Em vez de dez miúdos aos encontrões, passam a ser onze, sendo que um é consideravelmente maior reduzindo mais ainda o já reduzido espaço. O ruído não diminui. Antes pelo contrário. Agora, para além da tábua onde tropeçam sempre que entram e saem do closet e dos chega p’ra lá dos colegas, têm um peso morto a contornar, um corpo grande que, sem espaço para se desviar, não sabe o que fazer de si.

Os miúdos estão melhor sem ele. Atrás do pano preto; sós com os seus bonecos de espuma pintada a tinta fosforescente, dizem orgulhosos as falas e são, por escassos minutos, condes e condessas, criados e senhores – um bando de crianças felizes.

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