Há muitos anos já, uma psicóloga minha amiga comentava sobre a minha personalidade, na sequência de uma série de episódios algo destrutivos em que a vida e eu me envolveram. Dizia ela que eu tinha, ou era – já não me recordo bem – uma grande ambivalência.
Hoje, ao ler Yalom – já vou no terceiro livro no espaço de três semanas por isso nem vale a pena perguntar se estou a gostar ou não – volta à baila esse mesmo termo, ao qual, de resto, não dei grande importância nem mostrei curiosidade nessa época distante em que o ouvi pela primeira vez. Provavelmente não estaria preparada para me definir – a mim ou ao termo… ou, mais certo ainda, pareceu-me tão óbvio, tão familiar, o seu significado que não me passou pela cabeça aprofundá-lo. Ambivalente – ambi: de ambos os lados; valência: capacidade. E pronto, estava feito o diagnóstico – eu era uma pessoa com, pelo menos, duas capacidades, o que poderia sugerir independência, autonomia – em suma, o que ela queria dizer era que eu não precisava de ninguém porque tinha, dentro de mim, todas as emoções necessárias. Aquilo que me passou ao lado, provavelmente por conveniência, foram os prováveis, aliás – incontornáveis – conflitos que essa “duplicidade” provoca e as limitações que, obviamente, encaixa na vida de cada um e, neste caso específico, na minha.
Ser ambivalente significou que durante anos fui estabelecendo com o mundo relações de amor-ódio; agrado-desagrado… numa sucessão de sins e nãos simultâneos que se viravam contra mim, paralisando-me e impedindo-me de realizar aspectos importantes da vida, para não dizer primordiais não vá cair em depressão…, e forçando-me a esforços, passo a redundância, hercúleos para conseguir ultrapassar os nãos e acreditar nos sins – quase sempre fui ficando pelo caminho e, talvez por isso, tenha experimentado tantas coisas e concretizado tão poucas.
Mas foram, curiosamente, as poucas que fui conseguindo concretizar que me foram libertando dessa tão pouco desejada ambivalência, restituindo-me a confiança que deveria ter cá estado sempre e ajudando-me a compreender que a responsabilidade das escolhas é minha.
Hoje, se escrevo estas palavras, não é porque tenha lido o termo no livro que tenho em mãos, mas é porque, ao lê-lo, compreendi que não só não tenho medo de conhecer o seu significado, como sinto – e sentir é muito mais do que pensar – que estou, devagar, a deixar de ser isso. E como vale mais tarde do que nunca, estou em vias de me responsabilizar, em absoluto, por todos os passos que dei, na certeza de que o imperdoável só existe na medida em que a responsabilidade de algo é depositada no outro, pelo que, mais dia, menos dia, perdoarei tudo, assumirei todas as minhas escolhas presentes e desenvolverei um certo carinho pelas incapacidades passadas, tomando assim, e sem regrets, as rédeas da minha vida que tem de ser, porque nunca a vi de outro modo, feliz como nos sonhos.
1 comentário:
:):) Muito boa reflexão Antígona... E com uma frase extraordinária lá pelo meio. Sentir é muito mais do que pensar. Muito mais mesmo... Beijinho
Enviar um comentário