quinta-feira, 30 de maio de 2013

Pormenores

É um nico de gente. Pelas dimensões deve andar p’raí no primeiro ano, no máximo no segundo. Com muitas dúvidas.
Vive num desses bairros clandestinos sem qualquer tipo de saneamento, construído no meio do mato à semelhança dos seus ancestrais. Só que em vez de palha os pais usaram cimento, tábuas e algumas placas de ondulino.
Não faço ideia se tomou o pequeno-almoço. Temo bem que não. Saiu sozinho, de mochila às costas, em passo p’ra lá de lento. Terá de percorrer cerca de um quilómetro, mais coisa menos coisa. Tem um bom passeio para o fazer. Um passeio que separa a estrada nacional da mata onde habitam outros como ele.
Não sei quais são as suas origens. Talvez Angola. Ou Cabo Verde…eu apostaria mais em Angola, as mães cabo-verdianas raramente deixam os filhos por sua conta e risco.
Vai parando pelo caminho, sem pressa nenhuma de chegar. Fiquei a vê-lo hesitar entre desaparecer na mata ou continuar em frente. Optou pela mata mas não chegou a desaparecer, afinal estava só aflito para fazer xixi. Vê-se que está acostumado a fazê-lo ao ar livre – uma vista de olhos bastou-lhe para garantir que quem passasse passaria por trás e não pela frente.
Enfim, pensei eu, tantos sinais de retrocesso. Não há muitos anos, “onde mijava um português, mijavam sempre dois ou três”… (detesto a palavra mijar. Detesto mesmo. Acho que é a primeira vez que a escrevo.)

3 comentários:

Sputnick disse...

Também há filhos de portugueses nesse cenário.
Tens razão, a palavra "mijar" é feia. Talvez por isso nos sintamos tão aliviados quando nos vemos livres dele :)

Alda Couto disse...

Sputnick, estas crianças são portuguesas, filhas de portugueses, vivem é em condições que não deveriam ser permitidas a criança nenhuma e este pequenito, hoje, despertou-me a atenção por ir sozinho para a escola quando todos os outros iam de mãos dadas com as mães :(

gina henrique disse...

O pior é que há cada vez mais crianças a crescer sem o minimo de condições, e isto não pode ser um bom começo para os adultos de amanhã.