Fui passar a manhã a Sesimbra. Apaziguar as muitas saudades de uma muito querida amiga que é raro ver e cuja presença me faz falta.
Afastámo-nos com um aperto no coração e a promessa de não deixar passar tanto tempo assim entre encontros. As ruas de Sesimbra são estreitas. Demasiado estreitas. E íngremes. Demasiado íngremes. Consegui estacionamento, por milagre, numa dessas ruas, que se de Inverno é difícil, de Verão é impossível…
No regresso esqueci-me que tinha deixado as rodas viradas para o passeio. Arranquei; guinei e ouvi um crac. Já lixei a jante; ou lá se foi o tampão! Paro, não paro, mas onde?! Os automóveis sucedem-se sem darem espaço para nada. Uns metros mais à frente – uma oficina – guino para a esquerda e atravesso-me na entrada. Não desligo o carro. Saio; olho para a roda e concluo que devo ter danificado o passeio – a jante e o tampão, lá estão, de boa saúde. Volto a entrar. Preparo-me para fazer marcha atrás e espero pacientemente que uma alma caridosa me dê passagem. À minha esquerda BUM! Como um balão que rebenta. Olho. Estatelado do outro lado do passeio está um homem, um veraneante de cerca de sessenta anos, de calções, sandálias e mochila às costas. Caiu desamparado sobre o lado esquerdo. Embateu nas traseiras de um automóvel que esperava, como eu, uma oportunidade de se pôr em marcha. Escorregou nesta calçada que a tradição nos obriga estupidamente a manter e que o sol amacia sem dó nem piedade.
Tento içá-lo com a ajuda da mulher e dos ocupantes da viatura. Não se mexe. Da face escorre-lhe um fio de sangue. Segure-me aqui nos óculos, pede-me ela e eu obedeço. Acha que chame o 112?, pergunta o condutor. É melhor, respondo eu. Sinto o sangue dele no meu braço. Quando começa a dar acordo de si, queixa-se do braço esquerdo – deve estar partido. É melhor deixá-lo estar, assim, deitado. Levanto-lhe a cabeça para a mulher lhe colocar, por baixo, a mochila que entretanto lhe conseguimos remover. Queixa-se da temperatura do asfalto onde a perna esquerda está assente. Alivio-lhe a perna. Por baixo coloca-se uma mala de mão. Vou ao meu carro, que entretanto continua a trabalhar; desligo o motor e limpo o sangue do braço. Peço água na oficina para lhe dar de beber – não têm. Um transeunte pergunta-me se eu acho que deva abrir o chapéu-de-sol para lhe fazer sombra. Se não se importa…, respondo como se conhecesse o acidentado.
Decido arrancar. Ele lá fica, na posição fetal, à espera do 112, rodeado da mulher e dos ocupantes das viaturas cujo percurso foi interrompido.
Pelo caminho continuo a sentir o fio de sangue a escorrer-me pelo braço. O sangue dos outros entranha-se-nos na pele, mais do que o nosso… De que me serviu a mim? De que lhe serviu a ele? Nada se pode concluir de argumentos tão pobres como – o acaso não existe, ou porque é que eu parei, ali, naquele preciso momento. Mas não posso deixar de sentir um fio ténue, condutor, que atravessa sem que saibamos porquê ou para quê, todas as coisas. Provavelmente mesmo aquelas que parecem não ter, entre si, qualquer ligação.
Afastámo-nos com um aperto no coração e a promessa de não deixar passar tanto tempo assim entre encontros. As ruas de Sesimbra são estreitas. Demasiado estreitas. E íngremes. Demasiado íngremes. Consegui estacionamento, por milagre, numa dessas ruas, que se de Inverno é difícil, de Verão é impossível…
No regresso esqueci-me que tinha deixado as rodas viradas para o passeio. Arranquei; guinei e ouvi um crac. Já lixei a jante; ou lá se foi o tampão! Paro, não paro, mas onde?! Os automóveis sucedem-se sem darem espaço para nada. Uns metros mais à frente – uma oficina – guino para a esquerda e atravesso-me na entrada. Não desligo o carro. Saio; olho para a roda e concluo que devo ter danificado o passeio – a jante e o tampão, lá estão, de boa saúde. Volto a entrar. Preparo-me para fazer marcha atrás e espero pacientemente que uma alma caridosa me dê passagem. À minha esquerda BUM! Como um balão que rebenta. Olho. Estatelado do outro lado do passeio está um homem, um veraneante de cerca de sessenta anos, de calções, sandálias e mochila às costas. Caiu desamparado sobre o lado esquerdo. Embateu nas traseiras de um automóvel que esperava, como eu, uma oportunidade de se pôr em marcha. Escorregou nesta calçada que a tradição nos obriga estupidamente a manter e que o sol amacia sem dó nem piedade.
Tento içá-lo com a ajuda da mulher e dos ocupantes da viatura. Não se mexe. Da face escorre-lhe um fio de sangue. Segure-me aqui nos óculos, pede-me ela e eu obedeço. Acha que chame o 112?, pergunta o condutor. É melhor, respondo eu. Sinto o sangue dele no meu braço. Quando começa a dar acordo de si, queixa-se do braço esquerdo – deve estar partido. É melhor deixá-lo estar, assim, deitado. Levanto-lhe a cabeça para a mulher lhe colocar, por baixo, a mochila que entretanto lhe conseguimos remover. Queixa-se da temperatura do asfalto onde a perna esquerda está assente. Alivio-lhe a perna. Por baixo coloca-se uma mala de mão. Vou ao meu carro, que entretanto continua a trabalhar; desligo o motor e limpo o sangue do braço. Peço água na oficina para lhe dar de beber – não têm. Um transeunte pergunta-me se eu acho que deva abrir o chapéu-de-sol para lhe fazer sombra. Se não se importa…, respondo como se conhecesse o acidentado.
Decido arrancar. Ele lá fica, na posição fetal, à espera do 112, rodeado da mulher e dos ocupantes das viaturas cujo percurso foi interrompido.
Pelo caminho continuo a sentir o fio de sangue a escorrer-me pelo braço. O sangue dos outros entranha-se-nos na pele, mais do que o nosso… De que me serviu a mim? De que lhe serviu a ele? Nada se pode concluir de argumentos tão pobres como – o acaso não existe, ou porque é que eu parei, ali, naquele preciso momento. Mas não posso deixar de sentir um fio ténue, condutor, que atravessa sem que saibamos porquê ou para quê, todas as coisas. Provavelmente mesmo aquelas que parecem não ter, entre si, qualquer ligação.
1 comentário:
Hum, que lindo texto Antígona...
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