Não, não fui de férias. E só hoje dei conta que há praticamente uma semana que aqui não venho, não escrevo, não nada. É assim. Picos de trabalho. Algo que me persegue desde 1990 e ao qual ainda não me adaptei. Pois é, sou lenta. Lenta nas adaptações. Lenta nas compreensões. Lenta até nas avaliações, para mal dos meus pecados.
Vivemos todos, ainda que uns mais do que outros, mergulhados em opiniões alheias, dos entendidos, queremos nós acreditar, sem tempo nem jeito para tecer as nossas que vão ficando pelo caminho, aos pedaços, abafadas mal tentam ver a luz do dia porque não somos entendidos e só contam os disparates que saem das bocas oficial e publicamente validadas.
No entanto, e por outro lado, não há cão nem gato que não se possa expressar. As ferramentas proliferam e os temas chovem. Vivemos em liberdade, e em liberdade tudo é permitido. Somos senhores de nós. Seres pensantes que veem, ouvem, sentem e analisam, mas pouco ou nada fazem porque se habituaram a que outros façam por si, ou porque, simplesmente, perdem tanto tempo na recolha de informação que depois a única coisa que conseguem fazer com ela é a sua própria ordenação. A análise da coisa em si fica para alguém que, por mero acaso, receba por correio eletrónico listas e listas do que está mal, sofra uma epifania e daí nasça uma solução que, mesmo assim, ficará na gaveta porque gente, lenta como eu, não a entenderá ou, o mais certo ainda, chegar-se-á à conclusão que a dita dará muito trabalho, e preocupações, pelo que é preferível deixarmo-nos estar como estamos, sem levantar, na verdade, muita poeira.
Voltei, há dois dias, a receber uma daquelas cartas que a Direção Geral das Finanças envia a todos os caloteiros, e eu imagino que devem ser muitos, já que esta entidade tem estado adormecida e só agora, em desespero de causa, despertou para a nobre tarefa de cobrar a quem deve, pelo que decidiu, ela mesma, elaborar uma dessas listas do que está mal.
Pois na lista calhei eu, por conta dos tais dez cêntimos que não paguei, nas circunstâncias que fiz questão de expor aqui. E, ainda na sequência dessas circunstâncias e de todo o processo que não voltarei a esmiuçar, por exaustão como devem compreender, resolvi conversar de viva voz com quem dá a cara, e a paciência, para atender caloteiros como eu. Liguei. Pelo outro lado da linha fiquei a saber que o sistema é cego, pelo que os dez cêntimos, ainda que pagos, transformaram-se em sessenta e oito euros e vinte e cinco cêntimos e que os quinze euros que em novembro passado liquidei diziam respeito a uma outra multa resultante de um atraso no pagamento, do mesmo imposto, relativo ao ano de 2008.
O sistema pode ser cego, mas é eficiente. Eu posso ser lenta, mas mais cedo ou mais tarde acabarei por compreender que a minha liberdade se limita, tão só, a esta extraordinária distração de poder dizer tudo o que me vem à cabeça. Quanto ao resto, terei de caminhar tão atenta quanto caminhavam os meus antepassados mais longínquos, com pezinhos de lã, para não acordar o sistema que, sendo cego, não é surdo, e possui, tal como a lei, e o homem borracha, braços que me entram pela casa adentro e me levam tudo o que entenderam levar porque a liberdade é coisa que existe apenas na cegueira dos sistemas.
2 comentários:
:) Já tinha saudades...
Temos de estar quietas e mudas se queremos que o sistema não nos veja. Nem podemos falar sozinhas! É que ele pode ser cego mas não é nada mudo a pedir, como se vê nos dez cêntimos que se transformaram em 60 euros. Cruzes!
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