Hoje de manhã, a propósito do triplo homicídio de Beja, um especialista em saúde mental que não fui a tempo de descobrir se é Psiquiatra se Psicólogo, no jornal da RTP1, abordou um tema que me é caro – A ditadura da normalidade que nos impede a todos, ou quase todos, de manifestar qualquer suspeita “anomalia” cerebral, sob pena de sermos, direta ou indiretamente, ostracizados, restando-nos, aos que os têm evidentemente, os amigos mais próximos, mas mesmo mesmo muito próximos, daqueles que a maioria de nós tende a perder ao longo da vida, por falta de tempo.
Dizia o Dr. António Sampaio, assim se chama o especialista, que esta ditadura, subtil mas tão ou mais castradora do que qualquer outra, é em parte responsável por comportamentos similares ao deste marido, pai e avô, acerca do qual se tem especulado mas de quem se sabe pouco, sendo que quem mais sabia já cá não está para contar.
Pois que esta ditadura nos tem impedido, em Portugal e não só, mas é aqui que vivemos pelo que é sobre nós que podemos, e devemos, refletir, pois que esta ditadura, dizia ele, nos impede de nos queixarmos de pensamentos estranhos, visões ou manias, como nos queixamos, por exemplo, de uma dor de estômago ou de uma outra dor qualquer, que de resto se tivermos paciência para ouvir os portugueses, em especial as portuguesas de idade mais avançada, verificaremos que as queixas de teor físico são utilizadas como desporto nacional e uma conversa entre duas mulheres pode muito bem transformar-se num renhido concurso onde ganha quem sofrer de mais maleitas.
Contudo, no que diz respeito à higiene e à saúde mental, tira o cavalinho da chuva que isso não é comigo eu sofro é de dores de costas, de cabeça, de pernas, de estômago, enfim, de tudo o que se pode tocar, mas de cabeça sou muito saudavelzinha pois claro não se está mesmo a ver…E este é um concurso onde a vitória até me fica bem porque me despeço de todos deixando aquele sentimento de dó – coitada, tem sofrido tanto!...
Olha se estas pessoas, em vez de enunciarem as inúmeras maleitas que vão inventando ao longo da vida, sem quererem sequer saber da verdadeira origem de cada uma, resolvessem confessar à vizinha do lado que andam muito tristes porque o marido não lhes passa cartuxo ou, pior ainda, que o marido lhes bate e ainda por cima dorme com a filha a quem fez um filho. Ou, imaginem alguém confessar ao vizinho que está convencido que a família já não é a família mas uns quaisquer substitutos que alguém resolveu introduzir lá em casa! O que é que pensam que aconteceria a uma pessoa dessas? O vizinho, compreensivo e de espírito aberto perguntar-lhe-ia há quanto tempo não ia ao médico e aconselhá-lo-ia a marcar uma consulta, ou rir-se-ia, afastar-se-ia e espalharia pelos sete ventos que o vizinho tinha endoidecido, não sem primeiro fazer muitas vezes que sim com a cabeça, sossegando o outro não fosse o tipo passar-se e fazer sabe Deus o quê?!...
Vivemos, realmente, numa ditadura da normalidade e na apologia do que é material. Esquecemo-nos que de normalidade não percebemos nada, não sabemos o que é e quanto ao que é material por cá fica quando nos formos. Como disse hoje de manhã, e muito bem, o Dr. António Sampaio – a verdadeira ruína é a perda do pensamento e ele perde-se, em todos nós, muito mais do que aquilo que gostamos de admitir.
1 comentário:
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