Há 38 anos que tento esgravatar nas memórias do meu pai,
curiosa por saber tão exatamente quanto possível, o que é que realmente
aconteceu antes, durante e após a revolução que dez meses depois o deixou
assim, enfermo, incapacitado.
Sempre reparei que é um assunto que ele não gosta de abordar
mas hoje, sabe-se lá porquê, levantou um pouco do véu que cobre os dias que
medeiam Abril de 74 e Fevereiro de 75.
Hoje, vá lá saber-se porquê, lamentou certas decisões,
confessou ter tido medo e chegou mesmo a levar à cabeça um dedo, em forma de
gatilho, pum pum pum, fez ele, ao jeito de quem merece morrer por ter sido
estúpido.
Hoje, tantos anos depois, tudo parece menos sério e muito
mais claro a este octogenário que um dia se viu entre a espada e a parede,
dividido entre a fidelidade e o companheirismo mas, sobretudo, que se sente
arrependido de ter seguido pelo caminho que o levou até essa posição. Mas era
muito mais dinheiro, diz ele, muito mais dinheiro…
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