És bonita, disse ele baixinho para não me acordar e eu, do
fundo do meu sono leve, pedi para ele repetir – não percebi, disse eu. E ele
repetiu, és bonita, e sorriu, muito bonita.
E com estas palavras me despertou.
Não são palavras que eu me tenha acostumado a ouvir, ainda
que na adolescência arrancasse alguns espantos, especialmente de gente mais
velha, amigos lá de casa. Depois, quando casei, ouvi-as uma ou outra vez da
boca do meu primeiro marido. O segundo não tinha esse hábito e eu cheguei a
acreditar que toda a minha suposta beleza se tinha desvanecido nesse casamento
que acabou por ser, aliás, o mais duradouro, atribulado e sofrido. Anos vividos
em sobressalto.
Talvez a beleza more na tranquilidade e na segurança. Na
confiança de a termos ela revela-se.
Talvez a beleza more no sono e talvez por isso seja tão
fácil, e tão bom, adormecer.
Mas vivemos num mundo em que o adormecimento pode significar
a morte da vida. A inércia. O afastamento. A alienação.
Ontem, ao ouvir esta senhora, compreendi o quanto tenho
andado adormecida. Há anos preocupada com a minha sobrevivência e com a dos
meus. A habituar-me, gradualmente, a reduzir despesas, mais e mais, convencida
que é esse o meu dever – trabalhar mais, gastar cada vez menos. E, de repente,
tomo consciência que há anos que não sei o que são férias. Há anos que só em
caso de emergência é que compro uma peça de roupa ou de calçado e há anos que
não saio, não me divirto, não gasto porque não tenho o que gastar. E é neste
estar que me vão adormecendo. A mim, e a todos nós.
1 comentário:
Que post mais delicioso... :)
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