Os cães têm sete níveis, dizia ela como quem afirma que a Terra gira em volta do Sol e acrescentou perante o meu ar de espanto: não sabia?! Abanei a cabeça e sei, porque me conheço, que os meus olhos continuaram demasiado abertos. Não fazia a mínima ideia! E dei por mim a imaginar uma bexiga e um intestino marcados pelos níveis, tal e qual uma medida. Perguntei-me se os níveis viriam em mililitros ou em decilitros. Só assim é que se explica que se aguentem tanto tempo sem urinar, continuava ela no seu tom, que já começa a ser habitual, de sapiência. Eu continuava a abanar a cabeça, incrédula.
No dia anterior a conversa desenrolou-se em torno da água de argila. Conhece? Perguntava ela. Eu hesitei. Já tinha ouvido falar. Parece que faz bem à pele…Afinal não. É muito mais do que isso. Cura. Cura tudo. Só não cura cancros ou sida, mas atenua-os. Se um dia eu precisar fale com ela que é mestre na utilização da água de argila, lagarto lagarto lagarto! queira Deus que não, acrescentou para me acalmar.
Tem dezoito cães, isso mesmo – dezoito; mais uma catrefada de gatos e todas as manhãs vai à varanda chamar os pássaros que chilreiam felizes nos ramos das cerejeiras do Japão que povoam aqui as traseiras. Ela convence-se que os pássaros vêm ao seu chamado. Mas voltemos à água de argila – é com ela que trata os cães que recolhe. Nesse momento o meu espanto transcendeu o olhar e murmurei, um pouco a medo – mas tem dezoito cães dentro de casa? Que não. Em casa tem apenas oito! Os restantes estão num terreno que lhe pertence, lá para cima. Não fui capaz de respirar de alívio. Oito continua a ser muito cão. E mais os gatos e agora parece que encontrou um coelho – há muitos selvagens por aqui. Recolheu-o porque o pobrezinho tem a doença dos coelhos selvagens. Não me perguntem que doença é essa, não conheço e nem nunca ouvi falar, tal como nunca ouvi falar dos sete níveis dos cães ou dos milagres da água de argila.
Sem comentários:
Enviar um comentário