Foi antes da guerra civil, algures entre 1823 e 1834, que o telefone tocou. Era a mãe. Quando desligou voltámos à pequena lista de acontecimentos: a Vilafrancada; as perseguições; a morte de D. João VI…foi quando percebi que estava a chorar. Sobressaltada perguntei se tinha acontecido alguma coisa, uma má notícia talvez. Que não. Estava nervosa por causa da História, por causa do teste. Eram praticamente oito da noite e a fome e o cansaço começavam a minar-me o entendimento. Sem compreender as razões que levam alguém que trabalha e é esperta, que tem bons resultados e que parece não ter motivos para se preocupar, a chorar daquela maneira por causa de um teste para o qual está preparada, dei por mim a sossegá-la e a dar por terminada a sessão. Estás bem. Vai correr bem. Desliguei as luzes, fechei a porta e ofereci-me para a levar a casa que a noite cada vez é menos amiga.
À saída encontrei-os, pai e filha. Ela de sorriso nos pequenos lábios, ele de semblante carregado e olhos para o marejado. Não estás bem, afirmei. Pois não. A minha filha…e foi um desenrolar de queixas e lástimas, de medos, de culpas, de ressentimentos.
Alguns metros mais à frente outro medo se despedia, aquele do teste de História.
Quando entrámos no carro perguntei-lhe se sabia o que era a relatividade. Respondeu-me que não e enquanto subíamos a rua falámos de proporções, de grandezas e de contrastes e ela depressa percebeu que sem isso não existiria uma das coisas que mais gozo lhe dá – classificar o mundo.
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