Dei de caras com o velho jeep - chamo-lhe jeep como chamo kispo a todos os casacos acolchoados e impermeáveis que tenham capuz. Manias antigas, do tempo em que as coisas eram tão raras que chegavam sem nome próprio. Só traziam o apelido.
Pois, dizia eu que dei de caras com o jeep. Exatamente o mesmo de há…sei
lá…vinte anos p’rá aí… Esmurrado do lado esquerdo, o farol traseiro
inexistente, a pintura baça. E pensei, Como as coisas mudam!
Recordei aqueles tempos áureos em que transportava pranchas
e para-pentes no tejadilho. Em que carregado de bicicletas rumava ao Parque das
Nações e aguardava pacientemente a família que por lá passava o dia a dar ao
pedal.
Como as coisas mudam! E que triste que é quando mudam para
pior. Quando são os tempos áureos que ficam para trás e não o contrário que
deveria ser sempre a ordem natural das coisas – começa-se de baixo e
ascende-se. É assim que deve ser sempre – começa-se de baixo e ascende-se.
Luta-se. Estuda-se. Trabalha-se. E ascende-se.
Mas não. Não. Nem sempre. Não aqui, neste país. Cada vez
menos. Aqui descende-se. Perde-se. Anda-se “de cavalo para burro” ainda que se
trabalhe mais ainda, que se estude mais ainda, que se lute mais ainda.
Descende-se.
E o velho jeep lá estava, parado, à espera do mesmo dono que
há cerca de vinte anos, mais coisa menos coisa, o conduz. Já não tão feliz, já não cheio
de crianças e pranchas e para-pentes.
2 comentários:
:( :(
O teu Post, Antígona, fez-me recordar, Antígona, este poema de Alda Lara:
Prelúdio
Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...
Mãe-Negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada...
(Alda Lara)
Um sorriso
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