Lembro-me perfeitamente. Amesterdão debatia-se sob o gelo de
um Inverno pesado que tardava em acabar.
À sua volta, a maior parte dos lagos, pelo menos os maiores,
serviam de pista para os inúmeros adeptos de aeromodelismo e eu, novata
naquelas andanças, embrulhava-me num casaco forrado a pelo de carneiro e
desaparecia numas botas feitas com a pele de um animal da mesma espécie.
Todas as casas tinham aquecimento, até mesmo o minúsculo
apartamento que alugámos à última hora num Aparthotel de uma daquelas ilhas
minúsculas separadas da cidade por canais minúsculos atravessados por uma
espécie de jangadas suficientemente fortes para levar dois ou três carros e uma
dúzia de pessoas. Era um percurso engraçado – ficávamos sempre com a sensação
que um dos lados da jangada já estava a atracar quando o outro ainda não tinha
começado a navegar.
Estávamos num outro mundo. Não, num outro universo.
Estávamos em 1979 e Portugal ainda respirava o mesmo ar que o alimentou ao
longo de 48 longos anos. Tínhamos saído da província, fechada, pequenina,
mesquinha, e tínhamos mergulhado na vida.
Quando o Inverno finalmente levantou âncora fomo-nos encaixando
em bares e restaurantes, todos na mesma ilha. Trabalhávamos cerca de doze horas
diárias e tínhamos um descanso semanal. Recebíamos à semana, e o dinheiro era
tanto que dava para estoirar no dia de folga e juntar as sobras para trazer
para Portugal.
Uma vez por semana íamos a Amesterdão e, por vezes,
aventurávamo-nos numa ou noutra noite mais afoita e acompanhada. Afinal de
contas ficava a quinze minutos de caminho, nem tanto, e era uma cidade
absolutamente fascinante.
Estávamos em 1979 e éramos felizes. Nada nos cansava. Trabalho
e diversão confundiam-se e o dinheiro que trouxemos alimentou-nos durante
meses.
Nunca mais vivi assim.
1 comentário:
:))) Mas viveste, e parece que foi bom...
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