sexta-feira, 7 de junho de 2013

Eu, adormecida

És bonita, disse ele baixinho para não me acordar e eu, do fundo do meu sono leve, pedi para ele repetir – não percebi, disse eu. E ele repetiu, és bonita, e sorriu, muito bonita.
E com estas palavras me despertou.
Não são palavras que eu me tenha acostumado a ouvir, ainda que na adolescência arrancasse alguns espantos, especialmente de gente mais velha, amigos lá de casa. Depois, quando casei, ouvi-as uma ou outra vez da boca do meu primeiro marido. O segundo não tinha esse hábito e eu cheguei a acreditar que toda a minha suposta beleza se tinha desvanecido nesse casamento que acabou por ser, aliás, o mais duradouro, atribulado e sofrido. Anos vividos em sobressalto.
Talvez a beleza more na tranquilidade e na segurança. Na confiança de a termos ela revela-se.
Talvez a beleza more no sono e talvez por isso seja tão fácil, e tão bom, adormecer.
Mas vivemos num mundo em que o adormecimento pode significar a morte da vida. A inércia. O afastamento. A alienação.
Ontem, ao ouvir esta senhora, compreendi o quanto tenho andado adormecida. Há anos preocupada com a minha sobrevivência e com a dos meus. A habituar-me, gradualmente, a reduzir despesas, mais e mais, convencida que é esse o meu dever – trabalhar mais, gastar cada vez menos. E, de repente, tomo consciência que há anos que não sei o que são férias. Há anos que só em caso de emergência é que compro uma peça de roupa ou de calçado e há anos que não saio, não me divirto, não gasto porque não tenho o que gastar. E é neste estar que me vão adormecendo. A mim, e a todos nós.
 

1 comentário:

CF disse...

Que post mais delicioso... :)