quinta-feira, 6 de junho de 2013

Os outros como espelho de nós

Saí do local de trabalho e rumei a casa do meu filho. Está doente. Foi preciso ir à farmácia aviar a receita que o médico ao domicílio lhe passou, ontem, já perto da meia-noite.
No caminho para casa, e um pouco fora de horas, ocorreu-me que não tinha nada de jeito para o almoço e que me apetecia salmão.
O relógio digital do automóvel, que anda sempre alguns minutos atrasado, marcava meio-dia e meia. Mesmo assim, decidi que pararia no mercado perto de casa. É um daqueles mercados tradicionais, aos quais a minha mãe, e eu ainda, muitas vezes, chamava praça. Vamos à praça. E a praça era um lugar onde se comprava tudo o que se pudesse comer e onde tudo era bom e fresco. Uma espécie de hipermercado da alimentação onde há senhoras, ou senhores, em cada banca, para nos aviar.
A praça estava a fechar quando irrompi pela porta. Ela, a senhora a quem eu antigamente comprava o peixe e que não via há uma série de anos, estava a arrumar os restos, alternados com camadas de gelo e separados por grandes plásticos, em caixas de esferovite.
Admirou-se quando me viu. Disse que nem queria acreditar! Por onde é que eu tinha andado?!
Não sei ao certo porque me fez essas perguntas dado que não parou para escutar as respostas e, enquanto cortava duas postas de salmão – que tenho agora no forno e com as quais me vou regalar -, contou-me tudo sobre a vida dela. Que tem uma netinha com dois anos e meio e que a netinha diz isto e aquilo e aqueloutro. Que responde quando ela lhe pede qualquer coisa e que a trata por vovó. Aliás, vovó foi uma palavra que ela repetiu inúmeras vezes durante os dez minutos – podiam ter sido cinco – que ali estive, já de saco na mão, com um pé dentro e outro fora, sem querer ser mal-educada mas cheiinha de pressa.
No caminho para cá pus-me a pensar nas inúmeras vezes em que eu fui exatamente assim. Nas inúmeras vezes em que, só depois de me despedir de alguém, me apercebi de que dela nada tinha sabido. Que o tempo tinha sido passado a falar de mim. Que eu tinha, inadvertidamente, monopolizado o quase monólogo.
Provavelmente ainda terei momentos, de mais euforia, em que isso poderá acontecer. Mas, garanto, acontecerá cada vez menos. Quando mais não seja porque a sensação que deixa é terrível. Porque, em verdade, me faz sentir muito mal comigo mesma.
 

3 comentários:

Sputnick disse...

e o salmão? estava bom? :)

Alda Couto disse...

Sputnick, o salmão soube-me que nem ginjas :) :)

CF disse...

:) É uma atitude tipicamente humana... E irritante, também, é um facto...