domingo, 15 de julho de 2012

O Festival de Teatro de Almada


Falei tanto que quase esgotei as palavras que expressam a raiva que trago contida e que se manifesta apenas nestas alturas, em que escrevo, e naquelas como a de ontem, em que oiço certas verdades.

O festival de teatro de Almada é um acontecimento que já arrasta consigo um certo prestígio que não lhe vem apenas da antiguidade mas da verdade de ser um bom festival. Tenho sempre pena de não assistir mais do que aquilo que assisto mas ontem tive a sorte de ser convidada por um muito querido amigo que me pagou a entrada, ato que vem tomando cada vez maior relevância nos dias que correm.

Em cima do palco, um casal de meia-idade discute as verdades escritas em obras de autores como Kant, Marx, Maupassant ou Flaubert, obras que organiza por temas – a revolução francesa, a russa, a americana… - O objetivo prende-se com a necessidade de “ matar todo o conhecimento anterior e partir do zero”.

Para além de um excelente desempenho da parte dos atores, os textos são inspiradores e, pelo menos em mim, despertaram essa raiva que trago guardada contra uma pequena minoria humana no meio da qual se passeiam políticos, gestores, advogados e muitos que ou não são nada ou não se sabe, simplesmente, o que são mas que nos esmifram do alto do seu poder conseguido à custa de quem trabalha.

Eu sei, parece um discurso de esquerda. Não é. Pelo menos desta esquerda que conheço. Para mim estão todos dentro do mesmo saco e, pelo que pude presenciar ontem, não estou sozinha.

No final da peça os espetadores, que eram muitos mais do que aqueles que teriam cabido na sala do Teatro de Almada e que encheram a estrutura montada no pátio da D. António da Costa, levantaram-se num acordo total, aplaudindo o que tinham acabo de ver e ouvir, e assim se mantiveram até ao momento em que foi anunciada a presença, nesse mesmo palco, da presidente da câmara que colou à cadeira de presidente um cú que tem crescido ao longo destes vinte anos, ou serão mais?!, de presidência,  apesar do partido a que pertence se dizer de esquerda. O silêncio só não grassou por compaixão, foi a sensação que tive. Mas diminuiu a muito mais de metade. Resta saber se a meia dúzia que bateu palmas sem grande convicção o fez por piedade ou por receio.

Uma grande amiga minha, que pertence a essa classe que tem trabalhado e conseguido, graças a isso, uma vida estável, mas que se vê agora cada vez mais ameaçada, não só na qualidade de vida mas nos valores que sempre defendeu, comentava não há muito tempo o despropósito e o despudor de certos ganhos. Chega-se a um ponto, dizia ela, em que o dinheiro é já tanto que não serve para nada! Já não há nada que se queira, muito menos que se precise. Chega-se a um ponto que ele só serve para acumular e esperar que venham gerações de gente para o estoirar, enquanto outras estendem a mão à caridade, mesmo que trabalhem de sol a sol!

Ainda há quem acredite que um dia, daqui a muitos anos, porque tudo se faz devagar, a maioria à qual pertencem as pessoas como eu, terá garantida uma vida digna. Eu sinto que isso só acontecerá quando o bem for capaz de pisar um pouco o território do mal e certa gente, que é má, começar a apanhar grandes sustos e cada vez maiores até perceber que não pode mais ser má porque o mundo é dos bons.

E para aqueles que não percebem este linguajar do Bem e do Mal, para esses a quem estes termos remetem para um certo esoterismo e não devem, por isso, ser levados a sério, então pensem que é tempo de mostrar a quem nos rouba descaradamente, a quem nos explora de todas as formas e feitios e a quem se crê superior, gente a quem, ao fim e ao cabo, nós, os tansos, temos dado poder, que não estamos satisfeitos. Mais! que não consentimos que as coisas se mantenham assim. É tempo de começar a encarcerar gente. Literalmente. É tempo de nos pormos ao alto com a forma como a justiça funciona. É tempo de parar com este gozo, porque é disso que se trata – somos marionetes de uma corja que não merece os nossos votos, muito menos os nossos aplausos. Somos marionetes de uma corja que não merece sequer a nossa paciência e só uma extraordinária preguiça, que infelizmente grassa pelas nossas hostes, permite este estado de coisas. É tempo de IMPOR equidade. A bem, ou a mal.

A democracia – este tipo de democracia que vivemos por cá, se não pelo mundo -, está conspurcada, é promíscua, está subvertida. Há que inventar, ou recriar, outra, ou outras, formas de organização. Forma, ou formas, que não permitam ganhos astronómicos a ninguém, seja para cima seja para baixo. Forma, ou formas de organização, que estabeleçam tetos salariais máximos e mínimos e os cumpram, escrupulosamente. Forma, ou formas, que efetivamente castiguem prevaricadores e que se pautem por códigos morais e éticos. Forma, ou formas, que primam pela sua humanidade.

É tempo de dar o poder àqueles que são os bons e que, porque o são, têm andado escondidos e tímidos, crentes que um dia alguém os virá, de novo, libertar. Pois a bondade de nada nos serve se continuarmos a ser piedosos com quem é mau. É essa a arma que tem sido usada contra nós e tem resultado! Se tem resultado! É tempo de aparecer, sem medo de gritar.

Afinal onde andam vocês?! 

1 comentário:

Sputnick disse...

Bravo, pelo texto.
Subscrevo totalmente.
Eu ando onde tu sabes.
Beijinho.