Há cerca de 14 anos, em Havana, surpreendeu-me o contraste
entre a escassez dos meios e o cuidado que os habitantes da cidade punham na
preservação da mesma.
Surpreenderam-me os edifícios transformados
em habitações duplas. Que é como quem diz, de um andar faz-se dois - o pé
direito era de tal forma grande que permitia que um apartamento albergasse duas
famílias, uma por cima outra por baixo, tendo-as a separar um chão de tábuas
apenas suficientemente forte para aguentar os moradores das alturas.
No entanto, tudo estava limpo e pintado – os gradeamentos;
as casas; os carros…Os carros! Verdadeiras antiguidades! Dir-se-ia que
passeávamos numa qualquer rua de NY, em pleno Verão dos anos de 1930. Nas ruas
não se viam papéis a esvoaçar, nem sacos de plástico, nem bostas de animal.
Sentia-se o extremo cuidado de quem sabe que não pode renovar e tudo faz para
preservar o que tem.
Já lá vão 14 anos, mais coisa menos coisa.
Agora, de dia para dia, vejo degradar-se à minha volta uma
paisagem que já tive como certa. O lixo, ainda há dias (ou serão meses?)
recolhido regularmente, verte dos recipientes acabando por divagar pelas ruas,
ao sabor da brisa porque já é tanto que nem precisa de vento. A relva secou e
os malmequeres tiveram o mesmo destino. Aliás, nem as ervas daninhas se livram
do braseiro porque que os sistemas de rega, tão meritoriamente distribuídos pelos
espaços que se queriam verdes, foram danificados pelos condutores.
O calcetado protesta com o peso dos automóveis libertando-se
das pedras que já poucos sabem repor. De resto, nem compreendo esta insistência
em manter uma calçada que se desfaz constantemente! As pedras soltas, ou
semi-soltas são obstáculos perigosos para quem já mal levanta os pés.
Não me recordo de ver Havana com estes olhos! Não sei
quantos anos levaram os cubanos a perceber a importância de preservarem o pouco
com que ficaram.
Estamos à espera de quê? Quantos de nós já perceberam que as
coisas mudaram? Quantos de nós já perceberam que os homens do lixo não vêm
todos os dias; que os serviços camarários estão cada vez mais fracos; que as
construções estão praticamente paradas e que aquele empreendimento que estava
prestes a nascer e prometia andares maravilhosos vai ficar suspenso até as infraestruturas
se degradarem. Quantos de nós já perceberam que já lá vai o tempo da descontração
porque se pagamos aquela taxa é para eles limparem as ruas, limparem os
esgotos, manterem os espaços verdes, recolherem o lixo?! Quantos de nós já
perceberam que a paisagem à nossa volta se degrada e que nós, atarefados habitantes, para isso contribuímos, sempre na esperança de que a tal taxa seja suficiente para colmatar a nossa descontração, incivilidade, desresponsabilidade...Pois fiquem a saber uma coisa: NÃO É.
2 comentários:
Olá. De fio a pavio: assino por baixo, se me permite. Apenas direi que mesmo em sociedades com outro tipo de recursos que não a cubana ou a nossa nota-se muitas vezes uma atenção ao que se tem, mas também ao que se é, que me parece muito preventiva e positiva. Um abraço.
Antígona, creio que a questão não é as pessoas acharem que a dita taxa é suficiente, mas acharem que como está nem está muito mal. Não se importam de viver no meio da imundice e da destruição, até porque lá em casa está tudo limpinho e arrumado. A rua é assim.
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