Por vezes questiono-me se o tempo realmente passa e se estamos tão distantes dos nossos bisavós quanto gostaríamos de estar.
O tempo, tal como o espaço, só existem porque nós existimos e nós somos tão pequenos que 100 ou 200 anos nos transcendem. Mas a História, o cerne da História, não a forma, não os meios, mas o seu conteúdo, não muda assim de um século para o outro.
Parte da importância que damos à crise, às dificuldades, às mudanças que ocorrem durante a nossa existência, só a damos porque precisamente ocorrem durante a nossa existência. Mas se pensarmos que elas têm ocorrido sempre ou quase sempre, que não passam, na verdade, de meras repetições, saberemos que depois de nós, outros virão que terão, provavelmente, os mesmos dilemas ou, se não os mesmos, outros muitíssimo parecidos.
Vale a pena pensar nisto. Vale a pena tentar perceber o porquê de tanta repetição; o que é que ainda não percebemos?
Deixo-vos com um pequeno fragmento de Proust, Marcel (1902). Em Busca do Tempo Perdido – À Sombra das Raparigas em Flor (Vol.II). Lisboa: Relógio d’Água Editores. (p. 50):
“Num tempo como o nosso, em que a complexidade crescente da vida mal deixa tempo para ler, em que o mapa da Europa sofreu remodelações profundas e está talvez em vésperas de sofrer outras ainda maiores, em que tantos problemas ameaçadores e novos se levantam por toda a parte, hão-de conceder-me que temos o direito de pedir a um escritor que seja coisa diferente de um belo espírito que, em discussões ociosas e bizantinas sobre méritos de pura forma, nos faz esquecer que de um momento para o outro podemos ser invadidos por uma dupla vaga de bárbaros, os de fora e os de dentro. Eu sei que isto é blasfemar contra a sacrossanta escola daquilo a que esses senhores chamam a arte pela arte, mas na nossa época há tarefas mais urgentes que organizar palavras de uma forma harmoniosa.”
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